sábado, agosto 22, 2009

À noite

Recordo de manhã cedo o que me atormentou. Revejo rostos e passagens e momentos e conflitos. A vida é calma e alegre durante o dia, à noite transforma-se num suplício como se tudo corresse mal. Acordo cansada, desgastada, enxaquecas e dores musculares. Tudo acumulado sobre os ombros e a cabeça que rebenta de ansiedade e de culpa. Reconheço aqueles que me passaram pela vista durante a madrugada, num sono atribulado e nada profundo. Muitos fazem-me mal, muitos dos que me são queridos, de quem não tenho uma queixa. Vêm à noite zangar-se, prejudicar-me, indicar-me caminhos que não são meus. Durante o sono percorro outros mundos. Odiosos, tristes, conflituosos. Não sou eu, realmente, naqueles sonhos, mas sim, revejo-me, olho para o meu rosto, sinto o meu coração, penso com a minha mente. A noite cansa-me e acordo como se nunca tivesse adormecido. A noite dói-me. Magoa-me. À noite não há descanso nem repouso, mas tão só problemas e corridas e azáfama e pessoas que me querem mal quando afinal não são elas o inimigo. A manhã acorda com enxaquecas e remorsos de não ter dormido. A noite fica para trás e regressa à noitinha, quando voltar para a cama, e os meus olhos fecharem.

3 comentários:

  1. - Mãe…
    - Sim, Mariana… o que foi?
    - Oh, mãe… hoje na escola… chamaram-me feia…
    - Oh, minha querida… ficaste aborrecida…
    - Fiquei… e sabes porquê?
    - Não, Mariana… mas tu és bonita… muito bonita…
    - Não, mãe… bonita é a Sofia, com aquele cabelo maravilhoso e os rapazes sempre atrás dela… eu sou só assim-assim… por isso é fiquei furiosa…
    - E quem te chamou feia, meu amor? Alguém da tua sala? da tua turma?
    - Não, não… foi o André, o crocodilo…
    - O André? O crocodilo? Sinceramente… vocês arranjam com cada alcunha…
    - Mas é mesmo, mãe… é mesmo parecido…
    - Então não percebo, Mariana.
    - Não percebes o quê, mãe? Já imaginaste, o rapaz mais feio da escola, a chamar-me feia?
    - Ah, pois… na verdade, é estranho… e foi a primeira vez que ele se portou assim contigo?
    - Foi… bem… ontem, ele também estava assim um bocadinho… esquisito, sabes?
    - Esquisito? Como assim? tentou fazer-te alguma coisa, foi isso ?
    - Foi… andou atrás de mim a manhã inteira… e eu não aceitei…
    - Não aceitaste o quê, filha? O André queria que tu aceitasses alguma coisa?
    - Queria, mãe… uma flor, imagina tu… uma flor…
    - E tu, não aceitaste, Mariana?
    - Não… tive vergonha…

    ( Silêncio )

    - Mãe…
    - Sim, Mariana?
    - Sabes uma coisa?
    - Não, minha querida… o que foi?
    - É que… o André até nem é feio, sabes… os rapazes é que têm inveja dele, porque ele tira sempre as melhores notas… e eu até gosto daqueles óculos engraçados… fazem-no parecer mesmo um crocodilo pequenino…

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  2. Assumidamente, os sonhos e pesadelos não acontecem por acaso. São reacções do inconsciente. É lá que guardamos os nossos medos, incertezas e dificuldades de viver. É o nosso arquivo escondido mascarado com o que de mais feio há na nossa mente! São monstros nocturnos mascarados de símbolos das coisas menos positivas que ainda não conseguimos ultrapassar. Enfrentar os pesadelos é a única forma de os expulsarmos das nossas noites.
    Será psicologia barata, mas a mim, pareceu-me coerente.
    Espero que a sua vida possa rapidamente transformar todos esses pesadelos em sonhos doces e repousantes.

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