quarta-feira, abril 26, 2006

Avô 'Smarties'

O meu avô faria hoje 90 anos. Não os faz porque já morreu. Mais uma daquelas vítimas de cancro numa velhice que contava já os 83. Hoje tenho-me lembrado mais dele, não sei porquê. Mais do que em anos anteriores, em dias 26 de Abril antes deste.

Eu às vezes ainda sonho com ele. Mas a verdade é que nem preciso dos sonhos para o ter bem presente na minha memória.

O meu avô começava as histórias, todos os domingos de manhã - não com o costumeiro era uma vez... mas com um antiquado naquele tempo... e lá desfivava as mil e uma histórias do pastor que salvava as ovelhas e as cabras dos malvados lobos, sempre de forma estóica, sempre corajoso, sempre sem armas mais poderosas que simples pedras apanhadas na floresta. O meu avô inventava um bocado, é certo... mas havia partes verdadeiras e encantavam-me. As falsas também. Eu achava-me uma espécie de Heidi no meio das aventuras do meu avô.

Podia desfiar aqui várias histórias sobre ele, essas sim, verdadeiras, por mim partilhadas, como os passeios à ribeira e à velha casa que um dia um daqueles grandes incêndios florestais deitou por terra. Recordo a colecção de selos do meu tio, guardada num baú que para sempre se perdeu no meio das chamas.

Mas prefiro, neste dia, recordar o segredo que tínhamos: o meu avô trabalhava até tarde e vivia na minha casa. Chegava de bolsos cheios e cansaço num corpo que já passava, na altura, dos 70. Claro que os bolsos cheios é uma maneira de dizer, mas era neles que vinha a moeda de troca pelo trabalho que eu, à chegada ao quarto, lhe prestava. Uma espécie de serviço senhorial que as aias tinham para com os amos. E ele amava-me. Não tenho dúvidas. Os velhos já pouco amam. Mas sei que o meu avô nutria, especialmente por mim, um grande amor. Provou-mo, perto da hora final.

E então lá vinha a troca: Ele chegava e eu só tinha de ter chinelos prontos e sapatos a jeito de descalçar, atacadores desapertados e um jeitinho aqui, outro ali, para que saissem de vez. À mão chegava-me então uma boca cheia de smarties. Eu, que odiava chocolate, adora os smarties, os originais. Via as cores e contava em cada dia, quantas diferentes vinham, e punha-os na mão fechada, saídos da mão dele, também fechada, porque aquele era o nosso segredo.

Comia-os já quase desfeitos, suponho, mas sabiam-me bem como os das caixas novas, qua abanam e fazem barulho.

Hoje faço homenagem ao avô dos smarties. E desejo, onde quer que esteja - que eu acredito na vida para além da morte - que do bolso lhe saiam agora outros doces, que eu preciso.

4 comentários:

dondoca disse...

Tão lindo!!!!...
Não fiques assim, vá...!!!!

Os campos agora teem as cores dos smarties.
Queres vir até aqui?

meninadalinha disse...

"os velhos pouco amam"??? Não concordo nada contigo.
Os velhos, só amam(quando já não têm capacidade para mais nada)
Os velhos amam com muita força.
Os velhos amam de forma simples humilde e genuína.
Os velhos amam, sem pedir outro amor em troca.
Os velhos amam, mesmo quem não os amam a eles.
Os velhos amam muito e são muito pouco amados

Aprimazana disse...

Samantha, não podia concordar mais com a meninadalinha. Os velhos amam MUITO e são MUITO POUCO amados. Eu vejo-os como as crianças, só que sabem mais, viram mais, sofrem mais por isso, mas são crianças, sedentas de amor e carinho, ingénuos até!

a dona da gata disse...

Talvez devesse ter dito... aos velhos poucas possiblidades dão de amar...