domingo, dezembro 31, 2006

A importância de quem nos lê

Começámos por fazer este blog por brincadeira. Mais cidade que sexo em contraponto com o nome da série onde há também quatro mulheres da cidade, completamente diferentes, e com problemas e realidades muito semelhantes às de tantas de nós. É óbvio que a nossa identificação com elas exige algum exagero. Mas fez-se por graça.

Quisemos que este blog fosse nosso e nunca pensámos que poderia ser de tanta gente. À medida que o tempo foi passando, passaram por aqui não só amigos e conhecidos, mas também pessoas que nunca vimos, nomes que não identificamos, nick names desconhecidos. E começaram a deixar comentários...

Eu não costumo responder aos comentários. Não me levem a mal. Mas gosto de lê-los e fico contente sempre que um texto meu puxa pela opinião de alguém que, ainda por cima, a quer partilhar.

Em final de ano, e em jeito de Boas Festas, com o Ano Novo a chegar, pareceu-me razoável agradecer a quem por aqui passa, aos que nos lêem, aos que têm paciência para as nossas vidas, tantas vezes pormenores pessoais, tantas vezes desabafos íntimos. Não creio que o façam por curiosidade mórbida, mas porque já simpatizam connosco. É como se nos conhecessem um bocadinho sem nunca terem visto a nossa cara. Assim é o que sinto por quem nos comenta. Também vou conheccendo, aqui e ali, e não sei quem são nem o que fazem. É uma forma actual de ter contactos. De comunicar. E não me desagrada.

Aos nossos comentadores, voltem sempre, neste 2007!

sábado, dezembro 30, 2006

2007

Chego ao fim de 2006 com 33 anos. Falta pouco para os 34. Não tenho filhos, vivo sozinha, não faço planos, não sou imensamente feliz. Mas já fui mais triste. Não temo a mudança e não crio expectativas que geram falsas esperanças e que, por isso, acabam em desilusões. Espero. Mas tenho de lutar por qualquer coisa, um objectivo que seja, para dar sentido aos meus dias. Penso num. Imagino duas ou três coisas que gostaria de fazer este ano que agora entra. Duas ou três crises que gostaria de resolver; duas ou três viagens que gostaria de fazer; duas ou três pessoas - mais - que gostaria de apoiar.

Não escrevi num papel objectivos para 2007 como já fiz para outros anos. Penso todas as noites, antes de adormecer, no que tenho de fazer no dia seguinte. E quando acordo já me esqueci e a correria de cada dia faz-me adiar cada coisa que há muito deveria ter sido feita, planeada, executada. Não consigo pôr nada para trás das costas.

Aprendi este ano a gostar de uma outra forma, a gostar como pensei que não era possível gostar, a gostar com menos paixão, com menos intensidade, mas com mais serenidade, mais calor, mais qualidade. Essa foi a grande mudança do ano. E está ainda em crescendo pelo que 2007 deverá ter de fazer mais qualquer coisa. E eu também, na embalagem de um novo fôlego. Aprendi nos últimos anos a não traçar planos a médio e longo prazo. Isso não me impede de traçar planos simples com um mês de antecipação, às vezes apenas com dias. Tenho é de criar objectivos. Que passem pelo meu bem-estar, pelo meu trabalho, pela minha casa, pela minha família, pelos meus amigos. Não tenho ideias para escrever no papel, mas tenho pequenas luzes que esta noite quero memorizar: o assunto da faculdade, o assunto da editoria, o assunto do Rei, mais o jardim, e a conta bancária, e mais tempo para a avó. Já não é pouco, se pensarmos que cada uma destas coisas tem associadas, múltiplas actividades.

Eu quero mudar este ano. Quero ser mais responsável e mais feliz. Quero que os médicos me vejam melhor, e quero sentir-me melhor do que eles me vêem; quero saber o que é a palavra amar outra vez, mesmo que seja de outra maneira que nunca pensei conhecer; quero ganhar mais, merecer mais, fazer mais e conquistar mais. Quero andar para a frente e olhar para tudo com optimismo. Quero arrumar um certo passado numa caixinha bem fechada, ao fundo do coração. Pode lá estar, mas a fechadura trancada e a chave tenho-a eu. Quero muita coisa. E sei que cada dia vou querer mais. Quero conseguir pensar assim amanhã. Pelo menos...

Mais um ano

Mais cidade que sexo
O Carlos do Carmo começa a cantar na televisão e as lágrimas caem-me. Que lamechice este meu ano. Não me lembro de ter chorado tanto. Talvez em criança. Não me lembro de ter rido tanto. Talvez em criança. Não me lembro de ter precisado tantos de abraços. Em criança talvez. Estarei a regredir? Estou a ficar quem sabe menos imune à vida. As muralhas eram afinal de papelão. E quando chove amolecem.
Não foi fácil 2006. Nem especialmente difícil. Foi mais um ano. Menos um. Sem grande direito a balanços.
As mulheres deste blog "acusaram-me" há dias de nmunca mais ter aparecido nesta cidade. Têm alguma razão. A verdade é que passei por cá muitas vezes, mas em poucas dei sinal de vida. Prometo estar mais presente em 2007. A todas, a todos, um óptimo ano novo.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Serões de Dezembro

Saio mais cedo do trabalho e fujo à semana que agora acaba. Não saio cedo demais, apenas o suficiente para ter a sensação de o ter feito uma vez no ano. Passo pelas promoções pós-Natal que ainda não chegaram os saldos de Janeiro. Não compro nada. Mas experimento quase tudo. Olho para o meu corpo e vejo-o disforme no espelho da loja. Nada me cai bem neste dia em que saí mais cedo. Telefono a uma amiga com intenções de convidá-la para jantar. Não atende. Quando já estou em casa recebo dela, um sms, a pedir que lhe volte a ligar. Como as lojas neste fim de Dezembro, ela também não tem saldo.

Vejo o correio e sei que tenho uma carta para levantar. Vem da polícia e recuso-me a ir buscá-la. Uma multa, talvez, presumo que de excesso de velocidade. Uma parvoíce já que sinto hoje ter tempo para tudo, tempo de sobra para andar devagar, sem pressas, sem multas, sem excessos. Entro em casa e não sei o que faça. São oito da noite. Não costumo estar em casa às oito da noite. Ligo a televisão e vejo o Jornal que começa em desgraças e acaba na euforia do Ano Novo. Não me dizem muito, as notícias de hoje. Toca-me a da morte de Sara, a menina de dois anos vítima de maus gtratos. Fico triste com a morte de uns pescadores, mas dou mais importância ao desaparecimento da miúda. Não quero saber da mãe. Tal como não quero saber quando vai ser executado Sadam. Preferia-o preso. Sou contra a pena de morte.

Deito a cabeça no sofá e ligo o aquecimento. O serão chega vazio e sem supresas. Sobretudo sem companhia. Tive-a nos últimos três dias e estranho agora a ausência. O sofá é só para mim e tenho a mesa vazia. Quer dizer que improviso um jantar. Talvez beba um chá, mais lá para a noite.

Não pego num livro, não vejo um filme, não procuro distrair-me e não falo com ninguém. O meu serão deixa-me sozinha nesta noite de Dezembro, e não sei o que fazer com o tempo. Desabituei-me das coisas práticas, das que merecem espaço em cada dia, das que requerem minutos a mais.

Perco-me neste blog sem mais para dizer.
A noite entra pela casa dentro mas ainda é cedo para dormir.
É um serão de Dezembro. E sinto-me sozinha.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

A Charlotte casou-se... e depois foi o Natal

Casar a 9 de Dezembro, trabalhando numa empresa que nos faz optar por uma semana de descanso no Natal ou no Ano Novo, estava bom de ver. A lua-de-mel foi adiada para Janeiro e os dias pós-noite de núpcias (no delicicoso Hotel Palácio Seteais) foram passados entre lojas nos breves intervalos das horas de labuta profissional. Neste primeiro dia de férias (que se prolongarão por três santas semanas) aproveito para dizer que as minhas damas de honra (não as pequeninas sobrinhas que entraram à minha frente, mas as três fabulosas co-autoras deste blog) estavam lindas de morrer e, queridas como são, fizeram-me sentir ainda mais linda de matar! Obrigada pelas palavras neste blog, mas sobretudo pelas que me disseram junto à face naquele dia.
Quanto ao Natal, apesar da correria e do trabalho, passou-se bem, numa consoada apenas com o maridinho e com o almoço no dia seguinte com os meus pais. E as palavras de felicidade da minha afilhada ao telefone, bem longe, a dizer que o Pai Natal lhe trouxe a "mala das doutoras" para tratar do Nenuco. E que me dava muitos beijinhos no dia seguinte. Ainda ontem me disse, assim de repente, que o meu casamento foi muito bonito. Doces 4 anos, há lá melhor prenda de Natal?!?

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Natal 2006

Escrevo quando já todas as prendas foram desembrulhadas, quando já todas as crianças riram e choraram, e riram de novo; quando já todas as ceias se fizeram, quando já todas as famílias se uniram e separaram. Escrevo quando o Natal está quase no fim, quando já é quase dia 26, quando na televisão já se fazem balanços, quando as notícias já são do 'aconteceu' e não do 'vai acontecer'. Escrevo quando Jesus já nasceu, quando o Pai Natal já passou por todas - quase todas - as casas.

Houve tempos em que o Natal era, para mim, a grande quadra, tempo para ser feliz, para realizar, para pensar nos outros, para inventar emoções, para partilhar tudo e mais alguma coisa. Mas um dia o Natal veio, sorrateiro, e não me deixou senti-lo. Veio devagar e passou-me ao lado. E outro dia se fez um Natal assim, e mais outro.

Este ano preparei-me. Não quis deixar presentes para o fim e apressei-me a contemplar os que mais gosto. Não deixei que o espírito fosse só dos outros, e arrecadei um bocadinho para mim. Não muito, mas o suficiente para não deixar cairem as lágrimas que fizeram infelizes os Natais anteriores. Esperei por alguns sinais, que não vieram, inventei outros e criei fantasmas para depois afastá-los a chamar-me à realidade. Uma realidade que já é boa, que não é desastrosa, que, olhando para o lado, é bem melhor do que muitas que conheço e outras que vejo e não sei a quem pertencem. Mas sei que existem.

Não cantei os famosos cânticos que me acompanharam anos a fio, por esta altura. Ainda não fui capaz. Mas pedi, a quem acredito, um Natal melhor para todos. As lágrimas que verti vieram por causa dos mais pobres. Mesmo assim nada fiz para ajudá-los. Talvez isso me tenha deixado mais triste. Não mandei sms a ninguém. Peguei no telefone e marquei cada número, e falei com cada pessoa a quem quis desejar Bom Natal. Todas ficaram contentes por me ouvir, todas agradeceram o gesto personalizado, e eu a todas pude dizer coisas diferentes.

Na véspera de Natal montei um pequeno cabaz e levei-o a uma família de duas pessoas. Na véspera de Natal lanchei na FNAC do Fórum Almada como faço tantas vezes com o Rei que é agora meu, neste novo reino que construo devagar. Na véspera de Natal falei com os meus amigos, surpreendi os mais distantes, abracei a minha família. E recebi, com o mesmo amor com que dei. Sem os exageros que condeno. O essencial.

Esta manhã fui à missa da Paróquia onde cresci. Foi lá que tive um dos momentos mais fortes deste Natal. No fim, depois de o Padre - que me viu do altar - ter obrigado a plateia a uma salva de palmas para os que vão casar e para os que tiveram casamentos fracassados... um rapaz já sem dentes, esquizofrenia e cabelo despenteado ofereceu-me 4 chocolates mon chéri. Eu não gosto de chocolate, mas abracei-o e ainda agora as lágrimas quase me vêm ao olhos pelo gesto. Nunca fomos amigos, apesar de lhe ter ouvido muitas histórias, nunca nos sentimos próximos, apesar de sempre nos cumprimentarmos com um beijo... há muito que os votos de Feliz Natal não me caíam tão bem. Um gesto simples, num pacote tirado do bolso, desembrulhado, um presente que foi o mais lindo da quadra.

Escrevo já sozinha no meu Natal solitário que é sempre a noite de dia 25. Escrevo quando a família já foi, a mesa já se desfez, as crianças já se cansaram.

Escrevo quando ainda é Natal e em minha casa brilham as luzes numa árvore sem presépio.

Apesar de tudo, o meu Natal é o que representa o Nascimento. O de Cristo, quando acredito sempre num renascer que é também o meu.

Feliz Natal!

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Natal?

Enquanto enfeito a árvore, depois do corre-corre das lojas, do peso dos sacos, dos empurrões nas ruas, das filas de trânsito, das buzinadelas... enquanto enfeito a árvore pergunto-me: será que alguém ainda se lembra do verdadeiro significado do Natal?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Chegou o Natal*

Volto a acordar depois da hora. A culpa é do dr. House. Dos intervalos intermináveis na TVI. Vinte minutos bem contados entre a primeira e segunda parte. Uma seca. E os estores que ficam fechados. Bem cerrados porque as janelas precisam de ser calafetadas. Devia ir ao Aki, ou a outro sítio qualquer onde vendam coisas do género. Logo se vê como se faz. Não deve ser difícil. O que preciso é que passem as festas. De ter tempo e paciência para me enfiar em lojas.

Acordo tarde, mas confesso que nem me incomodo. Quando chego ao Chiado ainda compro dois ou três presentes. Livros, sempre livros. Depois subo e respiro o ar frio da manhã de Inverno. Sabe-me bem. Pela primeira vez este ano. Como me saberá ainda melhor, horas mais tarde, subir até ao Príncipe Real, caminhar em direcção a S. Bento. A cabeça leve, com a promessa de dias bem passados. De riso. Livros. Caminhadas. Conversa boa… Mais descansada desde que decide as prendas de Natal. Tranquila por saber que metade está na sala à espera da árvore. Despachei tudo em dois tempos. Afinal não custou nada. Agora só falta a árvore. O Natal chegou hoje.

[Para o B. Para que tenha o que ler, antes ou depois do novo 'emprego'. Para que o tempo passe mais depressa. Para que melhore.]

domingo, dezembro 10, 2006

O fantasma do Natal passado

O Natal chegou à cidade. Dizem as luzes de natal na Avenida. Os enfeites no Chiado. A decoração das lojas. As filas de trânsito. Os apertos nos centros comerciais. Mas o Natal ainda não está nos cheiros. Nos gestos. No ar. O Natal, este ano, ainda não chegou à minha cabeça. As [poucas] prendas que comprei foram para aproveitar os descontos da Fnac. Meia dúzia de livros e CD escolhidos sem o mínimo espírito natalício. Talvez por isso os livros para mim tenham ficado a ganhar às prendas de Natal. Pior ainda. Este fim-de-semana era fim-de-semana de árvore. Real ou memória construída, tenho ideia que sempre montamos a árvore a 8 de Dezembro. Sei que é assim desde que os meus pais fugiram de casa. Era assim nos tempos de S. Bento. Mas ainda não há uma árvore na sala. Não há cá em casa nada que lembre o Natal. E não vai haver por uns tempos. Acho. Também não fiz a lista de presentes. Por esta altura costuma estar tudo comprado. Não me apetece. Não este ano. Não enquanto me lembrar no ano passado. Talvez por isso o Natal ainda não chegou à minha cabeça.

A Charlotte casou-se! (iii)

As mulheres desta cidade fizeram o pleno e foram as mais bonitas da festa. A começar pela noiva [claro!]. As outras, de ‘corpinho bem feito’, como diria a própria Charlotte, também se recusaram a deixar os seus créditos por mãos alheias. Ainda assim, o que brilhou mesmo foram os casacos, vulgo sobretudos… Os vestidos sensuais, com as devidas transparências e generosos decotes estiveram pouco mais de cinco segundos sob a luz dos holofotes. Sob o céu negro de Sintra, a ameaçar chuva, e com os termómetros a acusar graus negativos [se não era isso pouco faltava] tiveram a hipótese, os vestidos, de sorrir para a fotografia. Mais do que isso só ao final da noite, acompanhados pela banda sonora adequada. Mas foi bonita a festa. Muito bonita. A Charlotte estava feliz e nós também. Por ela. E por ele. Afinal, it takes two to tango…

A Charlotte casou-se! (II)

E levava o mais lindo sorriso do mundo.
O vestido também lhe assentava bem.
Felicidades amiga!

A Charlotte casou-se!




Menina doce, noiva mulher.
Sorriso lindo.
De quem sabe ser.
Menina linda, noiva mulher.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Cores

Há mais vida em minha casa.
Tenho uma parede cor-de-laranja e ainda falta pintar outra, de verde.
Parece que não, mas faz toda a diferença!

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Que falta você me faz...

Houve um tempo em que escrevia uma média de três posts por dia. Era a altura em que tinha o que a Dia chama um amor literário. Era um amor triste. Por isso escrevia. Deitava tudo cá para fora através do blog. Há meses que deixei de escrever sobre ele e para ele. Hoje volto atrás. Não pelo amor. Mas por um carinho imenso. Pelo sentido de perda que na sexta-feira se tornou mais forte. Ele sabe que me vai fazer falta. Há muito que aquilo que nos une é tão só passado. Mas vai-me fazer falta o sorriso. As gargalhadas. A conversa boa. A crítica. A compreensão…

Para R., companheira de madrugadas

Renasço da noite como quem renasce das cinzas e torna a viver. Os olhos abrem-se cedo e pararam as malditas dores de cabeça, o embrulho no estômago, a sensação de inexistência, o vazio interior.

A tua voz fez-se ouvir, uma vez mais, na minha madrugada de insónias. Tu de um lado, eu do outro, de um mar que já nos separa menos e que um dia não será mais do que uma ponte enorme. Ligo o teu número a qualquer hora e tenho resposta. Não adormeceste, não desligaste, não estás a tomar conta dos filhos nem do marido, não te dedicas a mais nada senão a mim, naqueles momentos que são longos minutos, mas que pagamos sem dramas à TMN.

Sei que estou para ti como estás para mim: atenta e disponível. Repartimos mágoas e experiências. Os conselhos surgem da experiência de vida. Isto não é nada, aquilo por que passamos. Há por aí casos piores. Não pensamos neles. Olhamos para nós, tu para mim, eu para ti. Juntas procuramos soluções.

Que todas as madrugadas acabem com um bom dia. Porque me fazes bem. E às vezes preciso tanto de ti, como preciso de mim.

Obrigada, amiga!

domingo, dezembro 03, 2006

Assinatura II

Três anos depois ainda chorou...

sábado, dezembro 02, 2006

Assinatura

Dezembro tinha três dias quando ela chorou. Já tinha chorado um ano inteiro e, já se sabia, ia continuar a fazê-lo até que o tempo - essa desculpa para tudo e mais alguma coisa - passasse.

Naquela manhã de três de Dezembro acordou a chorar. Nem acordou de um sono profundo porque a noite tinha sido mortal, tinha sido tão terrível como uma guerra onde todos disparam contra uma mesma pessoa e descobrem depois que ela não é o inimigo. Mas então já está ela morta. Acordou desse enterro e vestiu a primeira coisa que encontrou.

Ia assinar os papéis.

Nunca uma assinatura lhe tinha custado tanto, aquele pequeno gatafunho que inventara para encurtar o trabalho de escrever.... Desejava agora ter uma assinatura interminável, que precisasse de dias ou talvez meses para terminar, para chegar à última letra. Que não se concluísse nunca, que não fosse verdadeira, que não fosse aceite, que não coincidisse com o bilhete de identidade.

Entrou no carro já com as lágrimas a percorrem-lhe o rosto. Umas atrás das outras. E soluçava. Não chovia torrencialmente mas, lá fora, a chuva ia e vinha e deixava os vidros do carro embaciados e molhados em gotas que desciam rapidamente. Não tão rápidas quanto as que lhe desciam na cara já gasta de tanto sofrer. As olheiras serviam de rampa e lá iam elas, grossas, duras, impenetráveis, impossíveis de secar.

Parou na rotunda onde tinham combinado encontrar-se. Ela, ele e uma advogada. Nunca precisara de uma advogada. E agora ali estava ela para garantir que tudo se fazia nos conformes, que tudo era executado até ao fim. O carro dele, mais alto, parou ao lado do dela e ele fez-lhe sinal para que avançassem. Seguiu-o como já o tinha seguido em tantas outras ocasiões, tinha-o perseguido, tinha-o procurado, tinha-lhe seguido o rasto, e agora limitava-se a marcar com os olhos aquela matrícula que há muito memorizara. Foi.

Encontraram-se num vão de escada, algures em Moscavide, num cartório ou num notário ou numa coisa qualquer que ela esquecera de propósito. A advogada levou os papéis lá para dentro, para lá daquele balcão minúsculo onde ele pagou a conta. A conta de um divórcio, como se lhe estivesse a oferecer um café e um pastel de nata. Cá fora falou com ele. Ainda as lágrimas não tinham parado de correr e ele, seco, nem olhava para ela: 'É mesmo isto que queres? - perguntou esperançada. A resposta foi afirmativa. Fez tudo para não soluçar.

Ouviu então chamarem pelos dois e entraram numa sala despida de beleza, de qualquer coisa que pudesse ficar na memória. Três mulheres, uma secretária de madeira e alguns papéis para assinar. Ela primeiro, ele depois. Perguntaram-lhe se era isso que queria. Ela continuava a chorar e as três mulheres tiveram pena dela. Disseram-lhe que podia não ser assim, que podia recuar, que podiam recuar. Ele quis que se avançasse. Ela disse que tinha de ser assim. Pois que fosse. Talvez tivessem caído lágrimas naqueles papéis que assinou a chorar. Ela não se lembra. Talvez tivessem ficado tão molhados que seria impossível ler-se neles os nomes de cada um, mas ela não se lembra. Sabia apenas que tinha assinado. Que um dia tinha escrito, por mão própria, o nome completo nuns papéis que preferia não ter lido. Na realidade não se lembra se os leu. Na altura só se lembrava de outros, assinandos dois anos antes, onde a promessa de 'para sempre' estava implícita.

As três mulheres levantaram-se e apertaram-lhe a mão. Ela saiu com ele e com a advogada, ela ainda a chorar. Não tinha parado desde que saíra da cama. Ele esqueceu-se dela e avançou, para depois voltar atrás e despedir-se. Deu-lhe um abraço sem ritmo, com pena mas sem arrependimento. Deixou-o ir. Teve ciúmes da advogada que partilhou o carro com ele. A aliança que ela usava e o os 20 anos a mais não tinham agora importância, para ela, naquela mulher que lhe levava para sempre o marido que tinha sido dela. Pobre mulher! Tinha sido apenas uma mediadora, mas ela nunca se esqueceria que lho levara.

Ele arrancou. Talvez tivesse passado por ela mas já chovia outra vez. Ela não se lembra se voltou a vê-lo. Por essa altura já gritava de dor, dentro do carro. E ninguém pôde socorrê-la. Ainda hoje assina com o mesmo gatafunho triste.

Perguntas...

Porque amuam os homens?
Porque nunca nos dizem o que os entristece?
Porque deixam para amanhã as discussões que podem ter hoje?

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Casados de Fresco

Noto que os casamentos duram menos tempo. Noto que as pessoas se preocupam menos com a família, com a pessoa que escolheram; noto que o 'toda a vida' já não faz sentido.

Na minha profissão, mas na sociedade em geral, as pessoas casam-se, de facto, mas pouco tempo depois, um ou dois anos, estão separadas. É como se estivessem sempre casadas de fresco, porque nem dão tempo ao casamento para parecer mais velho, para haver bodas de qualquer coisa, para haver filhos a crescer com os pais juntos, para haver sogras contentes com as noras que tão bem lhes tratam os filhos.

Fico sempre triste perante uma separação ou um divórcio. Fico sempre abalada quando vejo uma curta relação acabar. Sem mais nem menos. A paixão que marca estes namoros ou casamentos acaba como se nunca tivesse existido. As pessoas deixam de falar umas com as outras e vai tudo por água abaixo... ninguém faz um segundo esforço, ninguém dá uma segunda oportunidade, ninguém luta para mantar uma relação que até pode estar hoje errada e amanhã dar certo. Tudo ao contrário da geração dos nossos pais, quando até seria recomendável o divórcio. Agora não há razões para ficar. Somos tão independentes quanto distantes, frios e imperturbáveis.

Gosto de ver casais felizes. Até acho piada aos que têm filhos e continuam a ser felizes. Gosto ainda mais dos que sabem separar as águas e têm vida própria para além da casa, do emprego, da família.

Mas cada vez conheço menos casos. E tenho pena.
Se alguém quiser partilhar um final feliz...
Só para voltar a acreditar.

Solidão V

Nada dera certo com Rui. Ela achara-o muito infantil e, aquilo que inicialmente a fazia rir, começou a irritá-la. Sobretudo quando percebeu que ele era um galã e não podia ver um rabo de saias. Ela andava a precisar de atenção, não precisava de dividi-la. Pra isso, ficaria sozinha como estivera três semanas antes.

Três semanas. A relação durara três míseras semanas. Ela já não sabia se voltaria a gostar de alguém a sério. Rui tinha sido uma brincadeira, um fogo apagado à nascença. Continuava a pensar no ex-marido todos os dias mesmo não sabendo nada dele. Estaria só, como ela? Não... não era homem para estar sozinho. Imaginava-o a namoriscar aqui e ali, a fartar-se desta e daquela, sem se deixar cativar, deixando-as, a elas, num tremor e numa paixão que não esqueceriam tão cedo. Tinha sido assim, com ela, durante auqueles longos doze anos.

Voltara a escrever no blogue à espera de companhia. Já não queria convites para jantar nem aproximações físicas. Pretendia apenas deixar, pro escrito, o ritmo dos seus dias, a forma como estava a encarar o divórcio, a forma como superava a separação, a forma como não esquecia o passado.

Rui tinha deixado de lhe comentar os posts. Ficara magoado com o adeus. era compreensível: ela tinha sido tão dura como já tinham sido com ela. Vingou-se. Sabia que ele nem merecia. Mas agora era tarde demais.

Abriu o computador para escrever o resumo de mais um dia. E começou a chorar.

terça-feira, novembro 28, 2006

Esperança

E se o céu for um jardim onde plantam as mais belas flores?

segunda-feira, novembro 27, 2006

Dor, incredulidade, saudade

A notícia da morte de alguém que me é próximo já me acompanha desde os 14 anos. Foi precisamente no dia desse meu aniversário que tive consciência de que tudo está preso por fios e que, quando se partem, provocam uma dor enorme e uma saudade que não se apaga. Mas nunca a perda de alguém me tinha causado uma dor tão intensa, não só emocionalmente falando, mas sobretudo do ponto de vista físico. Todo o meu corpo se enrodilhou num nó, o estômago estava em chamas, os músculos doridos de tão tensos. Penso que, com a partida abrupta da minha querida Zé, tive, pela primeira vez, a consciência da minha própria morte. E dei-me conta de que sou tantas vezes egoísta e insensível com as pequenas coisas do dia-a-dia, magoando as pessoas por nada, queixando-me sem ter razão. A Zé era o sorriso mais doce que eu conhecia, mesmo sabendo eu que passou por grandes perdas e algumas duras mágoas. Mas mantinha o sorriso doce, o olhar límpido, a voz afável de quando a conheci há 15 anos na Universidade. Houve depois um tempo em que nos encontrávamos amiúde profissionalmente e depois veio um tempo em que a distância se instalou. Agora partiu para sempre e ainda não o consigo aceitar. Dizem-me que é a fase da negação. Não sei. Sei que espero de Deus algum conforto e que aprenda a honrar a vida e tudo o que ela tem de bom, mesmo nas coisas mais singelas, como fazia a minha querida Zé. Que Deus a guarde em paz, que eu a guardarei no meu coração, sempre.

domingo, novembro 26, 2006

Dor

Há a dor de não ter dito adeus. De não estar preparado para a injustiça da vida. Há notícias que não o deveriam ser. O paraíso, principalmente o paraíso delas, não deveria ter-se transformado em inferno. Há mortes mais estúpidas que outras. Depois das lágrimas fica apenas um vazio imenso. E a certeza que a minha vida foi mais rica graças à Zé e à Cláudia. Saudades.

Bond, James Bond

Gosto do novo James Bond, Daniel Craig. Convenceu-me em duas horas e meia de filme com um genérico fantástico a rimar com Casino Royale. Em qualquer parte do mundo, este Craig é o melhor: e o filme passa-se na República Checa, e nas Bahamas, e em Veneza, e no Montenegro, e em Inglaterra. Este Bond faz-nos viajar um bocadinho pelos antigos Bonds, com os saltos, as corridas, as perseguições, as piadas, a ironia, o show of dos tempos de Sean Connery.

Não é que seja fácil esquecer Pierce Brosman. Não é. Mas tem piada ver um Bond responder à pergunta: shaken but not stirred? com um 'e acha que eu quero saber como vem o raio do martini?'. Tal como tem piada responder à pergunta 'usa um Rolex', 'não, tenho um Omega'. Está tudo lá, os impossíveis do cinema, as maravilhas da técnica, os sorrisos, os olhares, as bond girls - mas agora, uma novidade, este Bond apaixona-se à séria e mais não digo - o corpo genial, o sangue, o inimigo. Este James Bond faz-nos rir, assusta-nos na cadeira, faz-nos torcer por ele e faz-nos odiar os inimigos, que são sempre feios, têm sempre cicatrizes, têm sempre uns feitios lixados e gostam de tratar o crime por tu.

Daniel Craig vai bem no papel e os olhos azuis, de um azul intenso, ajudam muito. Também ajuda aquele peito largo e musculado, aquele corpo definido que até é elogiado no filme. Fica-lhe bem o smoking mas, naquele corpinho, qualquer trapinho assenta bem. É um James Bond à antiga, digo eu, com os impossíveis a acontecerem, e as improbabilidadaes a tornarem-se reais.

Por tudo isto, mas sobretudo porque é mais um Bond adaptado de Ian Fleming, vale a pena ir ver.

sábado, novembro 25, 2006

Solidão IV

Acordou a suspirar. Tinha tido um jantar fantástico mas não sabia até que ponto queria repeti-lo. Aquele Rui tinha um sentido de humor fabuloso, fizera-a rir toda a noite, mesmo antes dos quatro gins tónicos que bebeu. A partir daí as coisas tinham começado a ficar menos nítidas e mais engraçadas. Ria-se por tudo e por nada mas lembrava-se dos pormenores. Recusou o quinto gin e pediu um café. Sabia que era a maneira de voltar à normalidade e, pelo menos neste primeiro encontro, queria acordar sozinha, na cama dela, sem complexos de culpa mesmo que com uma ressaca dolorosa.

Ouviu a chuva começar a cair forte, lá fora. Eram bátegas grossas que lavavam os vidros e enxugavam os olhos que se focavam num ponto, no exterior, e que a intrigava havia meses. Era num apartamento em frente, numa divisão da casa que ainda não tinha percebido qual. Ligou o rádio para ouvir as notícias do meio-dia e virou-se para o outro lado. Viu a almofada suja de maquilhagem. Bolas! Tinha-se esquecido de limpar o rosto como fazia todas as noite. Cheirou o tabaco no cabelo e sentiu-se mal-disposta. As notícias falavam das cheias por todo o país e anunciavam os alertas laranjas, amarelos e vermelhos, como um código que ela compreendia melhor, naquela manhã que era já início de tarde.

Felizmente era sábado e estava de folga. Não tinha de apressar-se para nada. Ficou ali mais uns minutos a recordar a noite anterior e as palavras e a silhueta de um homem conhecido via internet. Era como o imaginava. Não demasiado magro, sem ser gordo, cabelo castanho e pele morena, cara lavada e bem barbeada como ela gostava e um sinal. Ele tinha um sinal. Discreto, no queixo que fazia covinha. Não era um homem bonito, daqueles que deslumbram, mas não era feio. Tinha uns olhos castanhos que lhe captavam a atenção e umas mãos bonitas, bem tratadas. Tocara-lhes várias vezes sem segundas intenções, mas arrepiada sempre que sentia a pele masculina.

Levantou-se com o pijama enrolado ao corpo e meteu-se primeiro na cozinha. Prfecisava de um copo de leite para desintoxicar. Com que imagem teria ele ficado dela? Boa, talvez. Ainda tentou uma aproximação quando se desopediram, mas ela desviara a cara e rira-se da tentativa. 'Não vamos estragar tudo' - disse-lhe - e saiu do carro. Um Peugeot de um modelo que desconhecia porque não era dada a estas coisas. Ficou feliz por saber que aquele homem de 41 anos, divorciado, não tinha ainda um cabriolet. Era sinal de sanidade e de saber estar no tempo. Não tinha filhos e isso também a alegrara, no seu conservadorismo.

Interrompeu os pensamentos quando o telefone tocou: Rui, dizia o visor. Sorriu antes de atender.

Sábado

Rebolei na cama até perto das seis da tarde. Tinha-me deitado cedo e não havia razão para ficar tanto tempo a dormir, tanto tempo a sonhar, tanto tempo a ruminar os sonhos acelerados que me faziam abrir os olhos de 10 em 10 minutos. Aparentemente não havia razão.

Acordei de vez com o telefone. Era a minha mãe que queria saber como eu estava. Não lhe soube responder. Talvez por ainda estar deitada, imaginando-me a dormir, talvez porque o meu sentido de presença própria ainda não estivesse activado, talvez por não saber de que maneira me encontro.

Saí para um galão e uma fatia de bolo cheio de creme. Não queria fazê-lo porque a balança diz-me que engordei 5 quilos, mas o estômago, a gula, falaram mais alto e acompanhei o doce com um pão de cereais e manteiga. Não almocei. Não janto. Além desta refeição o meu dia teve, em jeito de pequeno-almoço, uma taça de cereais com iogurte. O estômago encolhe e alarga à medida que os dias passam: às vezes pede-me tudo o que não devo comer, outras afasta-me de tudo o que devo comer. Em suma, alimento-me mal e engordo. Não sei o que é uma refeição de peixe, não como frutas nem legumes e só como sopa porque no refeitório as restantes ofertas são repugnantes. Excepto à quarta-feira, quando há cozido à portuguesa. Nesses dias sento-me à mesa como as pessoas crescidas.

Há um vazio na minha cabeça de sonhos não programados, quase sempre indesejados, quase sempre cheios de tormentos, de passados mal resolvidos, de agruras e de torturas. São sonhos que não quero ter mas que vêm e regressam à medida que expulso a primeira parte. São como uma série que não pára de dar episósios e que, no início de cada um, me diz, 'no episdódio anterior foi assim...'. E continuam a magoar-me a não me deixar dormir. Tiram-me o descanso da noite e obrigam-me a dias difíceis.

Acordo e saio da cama para não sonhar. Não sorrio o resto do dia. Quando acordo já anoitece e não pude ver o sol. Porque hoje não consta que tenha chovido. E a lua já lá está quando saio à rua e tudo o que desejo é que avancem as horas para voltar para a cama, esconder-me debaixo do edredão e imaginar o melhor para os meus sonhos.

Oiço os U2. Cantam Vertigo. É como estou: numa vertigem da vida e não sei se conseguirei o equilíbrio.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Questões a precisar de resposta urgente

Quero uma vida ou uma carreira?

terça-feira, novembro 21, 2006

Ralações

Converso com a C. sobre relações humanas. As minhas. As dela. Rebatemos pela milésima vez os mesmos argumentos. Não há volta a dar. Há meses que não saímos do mesmo sítio. Nem eu. Nem ela. A equação é de resposta simples. Os homens são uns cobardes. Acomodam-se com demasiada facilidade. Mesmo quando são infelizes. Ficam com mulheres que não amam. Em nome da família. Do conforto. Com medo de assumir situações mais difíceis. Das que dão luta. As mulheres não são complicadas. Não são demasiado exigentes. Os homens é que se contentam com pouco. Ficam satisfeitos com um amor de pantufas. Há excepções. Mas deixem-me generalizar. Irritar-me com quem não luta pelo que é seu de direito. Com quem compromete a sua felicidade. Arrasta a tristeza dos outros. Já lhe disse que vou por ela falar com ele. Explicar-lhe por A mais B que está a fazer tudo errado. Talvez eu e ela troquemos de papéis. Talvez ela tenha mais facilidade em decifrar-me.

Há um Ferrari estacionado na garagem do meu prédio

Há um Ferrari estacionado na garagem do meu prédio. Estava lá esta manhã quando sai para abrir o portão. [Continuo a pedir ao Pai Natal que me ofereça um comando.] Há um Ferrari na garagem do meu prédio e eu arregalei os olhos. Abri finalmente a pestana, num daqueles dias de acordar difícil. Deixei o despertador tocar de nove em nove minutos [não são dez nem cinco, são nove minutos entre um toque e outro] por quase uma hora. Mas pelo menos hoje não acordei virada do avesso. Aconteceu-me ontem. Não acontecia há muito tempo. Talvez a culpa seja da sangria de champanhe. Da cama estreita de uma casa saloia. Do silêncio em excesso. Da saudade. Nestes dias nem sei o que tenho. Sei que não estou bem.

José, o grande Cid

Acabei de chegar de um espectáculo único, ao vivo e de graça, no Casino de Lisboa. O chamado espaço Arena Live tinha hoje José Cid em palco redondo, com Mike Seargent à guitarra e uma multidão louca a cantar tema por tema, todos os refrões. Disse ele que, em 50 anos de carreira, tinha sido o público mais afectuoso e o coro mais afinado de sempre. Não sei se é hábito de José cid mentir às multidões, mas se o fez, esta noite, fez mal, porque de facto, o público, era cinco estrelas. Uns por gozo, outros por recordação, outros por militância, talvez outros por curiosidade - eu estava lá pelo puro prazer de regressar aos anos 70/80 - todos aplaudiram, cantaram, gritaram, apoiaram o cantor que se auto-intitula a mãe do rock português.

Cid está anafado, gordo, diria mesmo, e o branco já não lhe fica bem, ao piano. Pulseira no braço e aliança no dedo, fio ao pescoço e os mesmo óculos escuros de sempre, revirou o público que esqueceu as máquinas do Casino para ouvir a máquina que ainda é o homem de ontem, hoje e amanhã. Tocou os grandes êxitos e ainda teve oportunidade de pôr tudo aos saltos com o refrão do Amanhã de Manhã, das Doce. Fez homenagem ao Tó-Zé Brito e trouxe o Rei D. Sebastião do nevoeiro. Claro que não faltaram êxitos como Amore, Amour ou A cabana. E todos, todos cantaram. Havia quem se chegasse ao pé do palco - visto em três níveis diferentes neste novo Casino, para se prostar, ajoelhar perante a carreira de José Cid.

Foi, sobretudo, um concerto muito divertido. Foi bom ver a minha geração - a dos 30 -a geração dos meus pais e outros que podiam ser meus sobrinhos - filhos, não - a entoar as mesmas canções, a retirar dali o mesmo prazer, a pedir mais e mais a um José Cid emocionado e, quem sabe, de lágrimas nos olhos. Cid bisou duas vezes, e saiu com vários seguranças atrás. Os espectadores queriam mais. É que o espectáculo foi mesmo bom!

A Farol - editora do cantor - ofereceu-lhe um dico de platina - creio que é já o segundo - pelas vendas deste último álbum. Um disco de memórias que mostra que Portugal ainda vive num certo passado, ainda gosta de recordar tempos antigos, ainda precisa de olhar para trás para continuar com força. José, o grande Cid, também deixou mensagem. E talvez esteja ainda nas letras moribundas de um macaco que gosta de banana, o impulso para acordar com um sorriso, apenas por se gostar de alguém. Seja qual fôr o termo de comparação!

domingo, novembro 19, 2006

Solidão (III)

Andava à procura de um casaco para o Inverno enquanto pensava no e-mail que tinha recebido. Era simpático o que lhe dizia o tal Rui, e acabava com um convite para jantar, naturalmente. Ela ainda não tinha decidido. Primeiro tivera a certeza que valia a pena apostar assim, numa coisa nova, num método moderno; mas depois vieram os receios, o medo de ser uma pessoa demasiado 'dada' aos olhos dos outros, o próprio Rui poderia achá-la leviana por aceitar um convite de um desconhecido, de um homem que se limitara a conhecê-la por umas linhas no seu blog. O vermelho ficava-lhe bem. Era comprido de botões prateados e começou a pensar com que roupa poderia vesti-lo. Fez, na cabeça, duas ou três mudas onde o casaco assentaria perfeitamente e resolveu dar os 99 euros que estavam marcados na manga. Poderia responder-lhe nesse dia. Estava frio e já podia usar uma coisa que lhe disfarçasse as ancas. Sempre tivera complexos por causa das ancas. Mas era uma ideia feita apenas na cabeça dela. Pagou e saiu da loja com a consciência tranquila e uma decisão tomada. Nessa noite iria agarrar-se ao computador!

meia-lua de leite ou Solidão, uma parte dela

Mais cidade que sexo

As quatro mulheres deste blog juntaram-se para um fim-de-semana de 'despedida de solteira'. Não foram dias de folia, com objectos fálicos pendurados ao pescoço, nem tão pouco houve alcóol a mais (mesmo tu I., não falaste francês o suficiente).

Houve um brinde pela eternidade, pela felicidade e, sobretudo, pela amizade.

Pela minha parte, só posso agradecer às outras três desta casa onde quase sempre habitam apenas duas de nós. Não importa. Fora da escrita e do imaginário, na vida real e de todos os dias, somos realmente amigas.
E sinto que isto é para sempre!
Que o seja também o teu casamento I.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Mulheres*


[*Tira gentilmente roubada na mesa do lado]

[Afectos X]

Não entende este amor. O medo. A ausência elevada à potência máxima. Mesmo quando a noite é partilhada. As mãos que se encontram nos sonhos. A pele que se sente. Faz-lhe falta o toque. O cheiro. O olhar. A voz. A cada hora.

O jardim

São Pedro de Alcântara está em obras. Agora passo por lá todas as manhãs. Regalias de quem tem lugar de garagem, ainda que emprestado. Gosto daquele jardim que me faz sempre pensar em sardinhas assadas e no Paul Auster. O gajo que escreve como ninguém e que contou a uma jornalista que gosta de Portugal pelas sardinhas assadas. A entrevista foi dada quando veio apresentar o Oracle Night. Na mesma altura em que passei duas horas na Fnac do Chiado à espera de um autógrafo. Foi difícil de escolher o livro que guardaria a assinatura do mestre. Acabou por ser aquele mesmo. Capa azulada, papel grosso e grosseiramente aparado. È edição da Henry Holt, como são ultimamente todos os livros do senhor. São os únicos que não consigo esperar por ver traduzidos. Os únicos que me fazem quebrar o meu jejum forçado de Fnac. Sei que gosta de sardinhas assadas porque estava escrito na Atlântico. A revista que me levaram à hora de almoço, enquanto eu via a cidade do outro lado da avenida. Tenho uma capacidade extraordinária para me lembrar de coisas absolutamente inúteis. Esta é sem dúvida uma delas. Não foi sequer um dos melhores dias. Estava frio para Junho e o céu carregado de cinzento a ameaçar chuva. Quero voltar a sentar-me naqueles bancos para construir novas memórias. Mas São Pedro de Alcântara está em obras.

Solidão (II)

Ao fim de três meses a blogar já tinha umas quantas visitas. Não muitas, mas uma boa meia dúzia que deixava sempre comentário. Havia um anónimo que se divertia a escrever parágrafos atrás de parágrafos. E dava-lhe conselhos, e dizia que se sentia como ela, e partilhava dos sentimentos que ela ali descolava. Ela andava hesitante com tudo aquilo, mas aprendeu com um amigo e passou a ter, para além da caixa de comentários, um endereço de e-mail. Para os que quisessem alguma privacidade no contacto com ela. Esperava que o anónimo acusasse o toque e passasse a ter um nome, uma personalidade, uma figura.

Escreveu então o post do convite - não sei se já repararam mas agora tenho e-mail - e ali explicou as maravilhas da caiza postal electrónica para pessoas como ela, solitárias, dependentes do computador para a vida profissional e para o dia-a-dia, capazes de separar as águas e ter um hotmail pararelo ao endereço lá do trabalho. Estava nisto quando recebeu uma mensagem. Era do anónimo. Chamava-se Rui, ao que parecia, e também lhe mandava a mensagem de um hotmail. 'O anónimo sou eu', dizia, e prosseguia com uma série de frases que encaixavam na perfeição naquilo que ela queria ler. Foi quando se questionou se devia ou não responder-lhe...

quinta-feira, novembro 16, 2006

Dinheiro para gastos

Estou farta de viver à conta do mês seguinte. Farta de dever dinheiro a toda a minha família, farta de não ter dinheiro para comer o que me apetece, para vestir o que me dá na gana, para comprar o que gosto de ver nas montras, para decorar a minha casa de outra maneira, para pagar as dívidas fixas ao fim do mês. Estou farta que o dinheiro não me sobre. Estou farta que o meu ordenado não seja suficiente para uma vida regrada, serena, equilibrada, como a das pessoas normais, as pessoas que ganham menos do que eu e ainda têm filhos e outros gastos que eu não tenho. Estou farta de ser desorganizada, de não mandar para o banco todos os papéis que me pedem. A tempo. Farta de contar com o subsídio de Natal esquecendo-me que parte vai ser gasto em presentes, farta de não comprar os presentes que as pessoas merecem, farta que o dinheiro que tenho não chegue para aquilo que quero.

Pago a casa, e a água, e a luz, e o gás, e o ginásio, e a mulher-a-dias (só três horas por semana), e a lavandaria, e as portagens, e o gasóleo, e a TV cabo, e a Internet. Pago ainda o seguro do carro, o condomínio, as refeições de todos os dias. Não pago o supermercado que a minha mãe me oferece. Não pago o carro que os meus pais me deram há cinco anos; não compro roupa mas às vezes recebo-a de presente. Pago os médicos, os medicamentos, os estacionamentos, e às vezes corto o cabelo e arranjo mas mãos. Às vezes. Não pago discos, nem livros, nem dvds porque mos oferecem todos os dias no trabalho, não pago livros infantis para os meus sobrinhos lerem quando cá vêm a casa, e pago presentes de aniversário todos os meses. Também sou convidada para casamentos, e para baptizados, e para festas, para simples jantares onde não gosto de ir de mãos a abanar.

O dinheiro voa e não sobra para os gastos. O dinheiro está mais caro e a carteira fica sempre vazia, o multibanco queixa-se todos os meses, a conta-ordenado vai acabar e não quero usar o American Express. Mas já o usei. Porque as dívidas amontoam-se, porque todos os dias avaria uma coisa nova - o congelador, por exemplo, cujo arranjo me custou 90 euros - e todos os dias tenho de tomar o pequeno-almoço, e tenho de beber os meus galões, e não almoço porque também não tenho fome, e janto fora quando me convidam e pagam o jantar.

Esta é uma vida miserável que pode ser a minha, ou a de tantos outros. Vivemos acima das nossas possibilidades, não temos extras para o que der e vier, não somos organizados nas nossas contas mensais. Não temos dinheiro e somos pobres por isso. Não os pobres verdadeiramente pobres que, de facto, não têm dinheiro, mas os pobres que não sabem usá-lo, guardá-lo, mantê-lo. Somos os pobres dos tempos modernos.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Serviço público*

Os homens portugueses dão às mulheres muito menos jóias e viagens como presente de Natal do que estas desejam, e abusam das roupas e, sobretudo, dos CD e DVD, de acordo com um estudo hoje divulgado pela consultora Deloitte.

As viagens são a quarta prenda preferida pelas mulheres (46 por cento de respostas positivas) e as jóias a sexta (27 por cento), mas apenas dois por cento e nove por cento dos homens, respectivamente, as oferecem, segundo o estudo Natal 2006, hoje divulgado. "Muitas mulheres irão ficar desiludidas este ano. Elas esperam receber mais jóias e sonham em ir de férias. Pelo contrário, receberão um livro, roupas, CD ou DVD", afirma a consultora.

Para a Deloitte, "os presentes tradicionais, como perfumes e roupas, são escolhas seguras", mas "um bom conselho para os homens que ainda estão indecisos é comprar cheques-brinde, uma vez que parecem ser apreciados pelas mulheres e causarão menos desilusão".

O presente preferido pelas mulheres portuguesas é o livro (58%), seguido das roupas (53%) e perfumes e cosméticos (48%).

A maior discrepância entre os anseios femininos e os presentes surge na categoria "CD, cassetes, DVD e vídeos" – 32% das mulheres querem, 46% recebem.

As mulheres portuguesas revelam ainda uma preferência em larga medida insatisfeita no que diz respeito a televisões de ecrã plano e a computadores.

No que diz respeito aos adultos em geral, o estudo da Deloitte indica que os presentes mais apetecidos são livros, roupas e viagens, surgindo no fundo da tabela telemóveis e jóias.

"No entanto, os artigos de áudio e vídeo digitais são os produtos mais oferecidos, embora seguidos de perto pelos tradicionais presentes", que são "apostas mais seguras", diz a consultora.

(…)
In Lusa

[*em versão não-digam-que-não-avisámos]

Lamentos

Já repararam como a temperatura desceu? Parece que o sol ficou, de um dia para o outro, cansado. Ouviu o despertador, abriu a pestana, levantou a cabeça do travesseiro e decidiu que não tinha forças para continuar. Meteu na cabeça que precisava de tirar umas férias. Licença sem vencimento. Qualquer coisa. Desde que não tivesse que acordar todos os dias de madrugada e fazer cara alegre como se nada tivesse acontecido. Mandou um substituto. Fraquinho, fraquinho. Como eu o percebo... Mudei de horários. Mas não mudei de vida. E se mudei foi apenas para pior.

Há que ser honesta e admitir os nossos [meus] próprios defeitos. Eu sou a gaja que passa a vida a queixar-se. As minhas prosas têm algo de muro das lamentações. Talvez seja só isso mesmo. A necessidade de me queixar de qualquer coisa. Da falta de tempo. Do Verão que acabou. Da obrigação de ir comprar a roupa para aquele dia. Da falta de dinheiro para passar a hora de almoço na Fnac. Da casa que não se arruma sozinha. Do gasóleo que está mais caro. De nunca chegar a casa a horas. De não ver os meus putos. De não namorar mais contigo... Como dizia uma amiga minha... porque sim e porque não. Desde que me possa queixar...

[Nada disto, faz sentido… mas a Samantha exigiu que viesse aqui dizer que estou viva. Estou. Por enquanto..]

terça-feira, novembro 14, 2006

Solidão (I)

Abriu os olhos na escuridão e passou a mão na almofada do lado. Estava vazia. Como sempre estivera. Ela insistia em pôr lá aquela almofada, vestida com a fronha dos bordados rosa, a condizer com o lençol, discreto, que a mãe lhe fizera quando estava de licença de parto. Fechou outra vez os olhos e imaginou quem gostaria de ter ali ao lado... não lhe ocorreu ninguém. Estava num ponto de solidão que já nem sabia quem desejava ter por companhia. Pôs os pés no chão e enfiou os chinelos. Na cozinha fez pequeno-alomoço para um mas deixou, à frente da sua, uma segunda caneca pronta a fumegar de leite. Não a encheu para não desperdiçar. Mas pôs também uma colher e um guardanapo. Comeu a olhar para a loiça vermelha, polida, comprada nuns saldos de uma casa com anúncios para listas de casamento. Ela entrara para ver o que tinham os casados, em casa. E comprou umas coisas. Tudo aos pares. Mas entrou e saiu sozinha.

Já tinha tomado banho e escovado os dentes com a escova azul. Tinha uma verde para o caso de alguém, um dia, ir lá dormir a casa. Um homem, uma amiga, um familiar... qualquer pessoa que servisse de companhia naquele fase de tristeza profunda que atravessava. Nunca tinha sentido a falta de nada nem de ninguém. Fora escolha dela, viver sozinha. Mas agora, passados três anos, começava a sentir-se envelhecer e não há nada mais triste que envelhecer sozinho.

Saiu de casa aprumada. Estava sempre com as roupas e acessórios do ultimo grito da moda. Não tinha problemas com o dinheiro e tinha bom gosto, graças também a três anos que fizera do curso de arquitectura, antes de mudar a vida completamente ao contrário e entrar em engenharia do ambiente, no Técnico. Agora trabalhava para o Ministério e tinha bons contactos no Governo. Entrou no gabinete onde trabalhava sozinha e o seu 'Bom Dia' recebeu apenas uns sussurros de todos os que já estavam no 'open space' imediatamente antes do gabinete dela.

Passou o dia entre o computador e a sala de café. Não fumava mas não passava sem o expresso várias vezes ao dia. Quando a máquina avariava descia as escadas a correr e ía lá abaixo, à Dona Alice, um cafézinho de esquina que também servia fatias de bolo caseiro. Perdia-se, por lá, por isso preferia o café do gabinete.

Era sexta-feira. Não tinha planos para o fim-de-semana a não ser os do costume. Telefonar aos pais que viviam a 200 quilómetros e prometer-lhes uma visita para breve, ler o jornal na esplanada e dormir. À noite enrolava-se no sofá e via filmes. Uns atrás dos outros.

Era uma mulher interessante, inteligente e de boa conversa, quando tinha oportunidade. Mas afastara-se do mundo e o mundo esquecera-se dela. Os amigos achavam que ela estava sempre a trabalhar, a família já tinha esquecido o seu nome para os convites de almoços e jantares, os colegas tinham vidas próprias e mulheres, e maridos e filhos. Ela não.

Tinha-se interessado recentemente pelos blogues. Abrira um a que dera o nome de 'Loba Solitária', não era muito atractivo, mas tinha um belo lay-out, concebido pela potencial arquitecta. Aos 35 anos já não sabia mais que fazer para descrever os dias que passava em deserto. Por isso decidira escrever.

Um dia, começou assim: Sinto-me tão sozinha nesta vida...

domingo, novembro 12, 2006

Está uma bela tarde para um lanche no jardim...

Vejo daqui a relva plantada em escalracho, pronta a crescer e a multiplicar-se, até cobrir o rectângulo que tenho lá fora e que foi, até há poucos dias, a minha vergonha, o meu desespero, um dos sinais da minha intranquilidade e desorganização. Hoje sinto-me bem a olhar para as buganvílias plantadas nos canteiros laterais, e com cores alternadas de rosa e branco para crescerem misturadas e darem flor de duas tonalidades.

A partir de agora esta casa será diferente. Há mais vida para além da minha. É preciso cuidar dela como preciso de cuidar de mim - para começar vou arranjar as mãos amanhã de manhã, e pintar as unhas de carmim. Arrojado. - Vivi dois anos de horror a olhar pela janela e a ver um jardim que parecia a selva, no Inverno; os campos tunisinos, no Verão. Um espaço sem beleza, onde a vida das plantas se misturava com a morte; as secas consumiam as mais resistentes, e as ervas não deixavam brotar as flores. Era um jardim ignorado, mal-tratado, incontrolável porque nunca mexido.

Pensei muito e vi que não era capaz. Como na vida, nos jardins também precisamos de ajuda para crescer, para mudar, para apagar a imagem do passado e construir uma nova, de raiz, apenas com a mesma terra enquanto base. Este jardim representa-me. Sou também uma pessoa a florescer, aos poucos, com umas pinceladas aqui e ali de cor. A terra que me sustenta, a minha personalidade, não mudou, mas mudam agora as formas de estar, de sentir, de viver, de avançar.

Vou olhar todos os dias para o meu novo jardim e pensar nisto. Vamos crescer juntos. E trataremos um do outro, para que nenhum esmoreça e perca as folhas viçosas.

É que todos os dias podem ter uma bela tarde para um lanche no jardim...

Cedo demais

Acordo às sete da manhã de um domingo porque os sonhos não me deixam o sono. É como se muitas criamças se abeirassem da minha cama prontas a ver os desenhos-animados. Volto-me para um lado e para o outro e digo-lhes o que fazer com o comando da televisão mas, mal fecho os olhos, uma delas vem pedir-me que lhe esclareça uma dúvida. Assim são os meus sonhos: repetem as histórias e pegam no ponto em que estavam quando os abro e fecho outra vez. E ainda têm a desvantagem de não ter a voz doce e ternurenta das crianças que conheço.

Decido-me pelos cereais e saio da cama. Espalho bem o iogurte e misturo aquele creme branco com os All Bran que a mãe me deu. Sabe-me bem começar assim o dia, mas os olhos continuam a fechar-se, e só não me deito porque temo aquele sonho em que a minha sobrinha vai sozinha à farmácia e lhe acontecem alguns percalços, de tal maneira que tenho de ir atrás dela, para protegê-la e garantir que nada lhe acontece. Nos meus sonhos há bonecos que falam, animais que se transformam noutros, teclados que apitam, discos voadores que caem do céu, nas minhas mãos... há de tudo o que é mais inverosímel e sem graça.

Escrevo este post para desabafar. Embrulhada a uma manta porque dormi nua. Sozinha, mas despida porque o corpo pode querer respirar no seu todo. Vem-me à cabeça o pesadelo em que um dos meus colegas de trabalho perde um olho. Terrível. Sai de lá um líquido viscoso e, em segundos, volta a ter olhos castanhos e a chamar-me pelo nome. Nunca tinha sonhado com ele - que me lembre - mas esta noite andou por ali, a rondar-me, as horas que pôde.

Estou cansada. Depois deste post vou fazer uma nova tentativa. É domingo de manhã e não se ouve uma mosca. Os miúdos podem ver os desenhos animados, se quiserem. Estão em quase todos os canais. Mas hoje não vieram e acordam em casa dos pais. Provavelmente há muito que o fizeram.

Agora sonho com um sonho que gosto de ter. Um de que não me lembro pela manhã mas sei que me deixa serena.
É que ao domingo gosto de me levantar mais tarde.

sábado, novembro 11, 2006

Castanhas

Estavam assadas e eram 12. Uma dúzia por dois euros. Enroladas em papel arrancado às Páginas Amarelas, na letra 'N', como se a lista estivesse a acabar.

Estaladiças quando as abriu, uma a uma, sentou-se num banco, egoísta, a saborear as castanhas.

Era Dia de S. Martinho.
E nenhuma trazia bicho.

Saudade

Deitou-se de barriga para cima no tapete da sala, aquele fofo e que ela adorava o
puxar nas pontas. Era mais ou menos do tamanho dela, de braços abertos. Foi nessa posição que ficou longos minutos, a olhar para o tecto, a perceber os contornos do candeeiro pendurado a direito, a ler de cima para baixo as lombadas dos muitos livros nas várias prateleiras da sala. Viu que as paredes estavam completamente brancas e gostou do contraste que um Monet fazia numa das fachadas. Ela preferia Miró mas aquele tinha-lhe sido oferecido, pelos amigos, no dia em que casou. Já lá iam cinco anos e agora ali estava sozinha, divorciada, já com um novo romance na história da vida que fazia agora dia após dia.

Virou as palmas das mãos para cima como se esperasse que a felicidade andasse por ali, a pairar, e pudesse ser agarrada, assim, sem mais nem menos, desprevenida. Continuou a rodar o pescoço pelas partes altas da casa, apenas iluminadas pela luz de vela acesa, que fazia tremelicar a chama e ainda cheirava bem, a baunilha. Sentia-se só naquela noite, entre o passado que insistia em amarrá-la e o presente que vivia serena. Estava só com ela, naquela noite, porque ele estava do outro lado do rio, cumprindo tarefas de filho pródigo, afastado dela por uma ponte, próximo ao primeiro toque de um telefone que deixava ouvir, da linha de lá, um gosto tanto de ti. Gosto mesmo. E depois fazia piii...

Prendeu os olhos na chama e quase se deixou hipnotizar, à medida que revisitava situações da vida, passada e recente, situações de sofrimento, e outras de doçura. Escolhia as de doçura e tentava arrastá-las, torná-las mais demoradas, estendê-las no tempo. Vinha sempre o passado interromper, nestes dias em que se deitava no tapete. Mas também lhe acontecia deitada na cama ou no sofá. Era indiferente: aquele sorriso, aquele abraço, aquele adeus, aquela esperança, aquele choro, o desespero... Tudo lhe vinha à memória para competir com a tranquilidade de um beijo nos olhos, de uma carícia nas mãos, de um afagar no cabelo.

Fechou os olhos com força e concetrou-se nesses momentos. Imaginou-o, redondo, ao lado dela, bigode aparado e barba tão bem feita que parecia ter pele de bebé. Imaginou-o com a camisa para fora das calças de ganga de marca - que não dispensava -e de mangas arregaçadas porque, para ele, estava sempre calor. Deu-lhe a mão nos sonhos que então deixava chegar até ela, e apertou-o com força. Sentiu-se confiante, mesmo quando percebeu que apenas tinha, entre os dedos, os fios grossos do tapete castanho.

Deixou-se embalar pelos pensamentos que ele lhe trazia. Sabia que pensava nela, estivesse onde estivesse, que pensava nela. Abriu os olhos devagar e lá estava a chama a fumegar. A vela parecia não gastar-se, naquela noite e a noite parecia não terminar, para aquela luz. Então sorriu.

Puxou uma manta num arrepio de frio e ali ficou, à espera que a luz acabasse. Via pela janela uma lua em quarto minguante, que desapareceria com os dias que passam. Ela gostava da lua. Mas preferi-a cheia, brilhante, segura num céu que de negro se fazia azul, com as estrelas e polvilhá-lo, vistas daquela casa tão pouco iluminada. Pensou que o abraçava e que o beijava na testa. Disse-lhe boa noite e deitou-se em posição fetal.

Ainda rezou pelos dois. Por eles os dois.
Esqueceu-se dela. E adormeceu.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Sintomas

Digam-me por favor quais são os sintomas do amor. Acho que ele anda por aí mas tenho medo de aceitar os sinais... Sente-se o quê, afinal?

terça-feira, novembro 07, 2006

Gotas de chuva

Gotas de chuva no meu terraço. As ervas foram arrancadas esta manhã e a terra está agora pronta para receber uma Primavera antecipada. Um jardim que desejo há meses e que finalmente se planta.

Mesmo se chove a cântaros, oiço-te do outro lado das gotas, por mais grossas que sejam. Se a água cai, é la com ela... Nós conseguimos manter levantada esta emoção, esta ternura que agora nos une.

Por mim, podes vir, quando quiseres, passear no meu jardim.

She's Like a Bird

Esta profissão que eu tenho traz-me diariamente muitas surpresas, tem a vantagem de raramente ser maçadora, tem ainda a vantagem de me fazer cruzar, todos os dias, com pessoas novas e diferentes, e consegue, imagine-se, ao fim de 13 anos, surpreender-me.

Desta vez a aposta foi levar ao Jornal da Noite a Nelly Furtado, a menina que começou a cantar 'tipo' santa, o I'm Like a Bird, e que agora anda semi-nua a dizer que é uma devoradora de homens, no mais recente êxito Meneater. Quando estava a escrever a peça de apresentação que era uma espécie de biografia da rapariga, deixei-me levar por quase todos os sons, desde esse passarinho que voou em 2000, até à Força que ela trouxe para o Europeu de Futebol, em 2004. Músicas que dão sempre para bater o pé, abanar a perninha ou qualquer coisa desse género. Simpatiza-se. Depois, os clips mais recentes, mostram-na com outro look, tipo mulher fatal, em músicas que dão pelo nome, por exemplo, de Promiscuous! A peça saiu limpa, com respirações para que cada música se pudesse ouvir, meramente informativa, como tem e deve ser...

E eis quando senão Nelly me aparece à frente, vestida de negro, cabelo à Maga Patalógika, e uns olhos de um azul céu, enormes, simpáticos, duas romãs abertas a olhar para mim e um sorriso franco, branco, bonito. Deixei-a passar pela carpete vermelha e lá foi ela em direcção ao estúdio, onde ia ser entrevistada à séria. Num português muito bom, para quem sempre viveu no Canadá, Nelly lá foi falando e rindo, falando e rindo.

Eu estava embevecida a ouvi-la. Não como nos embevecemos a ouvir um concerto de música clássica sem uma única desafinação; nem como quando vemos um filme que nos traz lágrimas aos olhos. Não. Fiquei apanhada por tanta simpatia, tanto à vontade, tanta simplicidade e tanta confiança. Riu-se muito e ao princípio até podia parecer tonta. Mas no fim da terceira resposta já tinha desarmado toda a gente - a mim pelo menos - e já tinha a câmara a mostrá-la resplandecente. É que as câmaras também fazem das pessoas feias e antipáticas, se a postura delas enveredar por aí. Nelly nã. Consegue captar nos olhos todas as atenções, no sorriso todos os outros sorrisos, nas gargalhadas quebra o gelo e é como se já estivessemos na sala a beber um chá e a conversar sobre a vida.

No fim da entrevista falou comigo enquanto bebia um galão. Abraçou-me na despedida. Olhei para aquela mulher linda, um espanto, uma sex symbol, sem dúvida, e senti que até podíamos ser amigas. É curioso: já tinha sentido esta proximidade com a Shakira. Creio que a explicação é uma só: observamos as pessoas e fazemos delas um determinado juízo. Criamos-lhes uma imagem conforme a nossa apreciação, admiração... mas tudo isto ao longe. Porque ao pé de nós, mesmo as estrelas, são pessoas normais, que gostam de conversar e relaxar, que pedem uma opinião e gostam de ouvir a resposta, que surpreeendem, não por serem surpreendentes, mas porque tínhamos feito delas pessoas que elas não são.

Nelly voou da forma certa, neste trabalho que fizemos juntas. Ela é de facto um pássaro, com uma força que ninguém pode parar. Quanto a ser uma Meneater, tenho dúvidas... lá está: faz parte do teatro que cada um tem de fazer em certas alturas da vida.

segunda-feira, novembro 06, 2006

E ainda não é Inverno

Chego a casa quando a noite se faz dia. Faltam algumas horas para que os relógios digam que é manhã. Para que comece o bulício de segunda-feira. O vai e vem dos carros. Dos rostos carregados. Zangados com a vida. Com a mulher. A semana que não acaba. O trabalho que consome. A conta bancária que emagrece no mês que mal começou. O carro da frente que não anda. E a chuva que não pára... Chego a casa quando a noite se faz dia. Sinto-me segura aqui sentada no meu tapete vermelho. Protegida da trovoadas. Das cheias. Da água. Da lama. Da vida que se faz mais pobre.

domingo, novembro 05, 2006

Carlos do Carmo

Acabei de chegar do Auditório dos Oceanos onde assisti, a convite do Rei, ao concerto de Carlos do Carmo com a Sinfonietta de Lisboa. Exemplar. É o que posso dizer: exemplar!

Este homem de mais de 60 anos e cabelo todo branco mantém uma voz firme e terna, um ar simpático, palavras doces e, melhor do que tudo o resto, uma capacidade e um gosto enorme por cantar bem. Venho entusiamada e até admirada. Há muito que não ouvia fado, e há muito mais tempo que não ouvia o Carlos do Carmo. Ele cantou os temas de sempre, A Canoa e A Lisboa Menina e Moça... mas também outros, de autores que desconhecia; e temas novos, de uma novo disco que está para chegar com poemas de autores tão estranhos (ao fado) como Nuno Júdice ou Fernando Pinto do Amaral... Palavras lindas saídas em verso de uma voz límpida e com a noção perfeita dos tempos, da métrica, das pausas, das palavras como devem ser ditas e cantadas no fado.

Mas houve mais quem me impressionasse. O Ricardo Rocha. Eu conhecia o disco do Ricardo Rocha, que toca guitarra portuguesa, e achava que ele era bom. Enganei-me: ele é muito bom. Uma espécie de querubim de Carlos do Carmo, o homem não precisa de mais nada para que se faça o espectáculo. As mãos dele sepenteiam a guitarra e tiram dela os sons mais afinados que ouvi nos últimos tempos. A guitarra realmente chora, mas será de emoção, nas mãos de Ricardo. E depois, a atitude. Sereno, não se ri com as piadas do cantor, que até se mete com ele por causa disso, e mantém uma postura profissional, quase infantil, como se ficasse zangado sempre que os seus acordes não são necessários numa ou noutra parte da música. É um virtuoso: o único que tocou todas as músicas de cor, e ainda improvisou para torná-las mais brilhantes.

Voltarei a ouvir Carlos do Carmo mal saia o novo disco. Fiquei com vontade de adormecer com aquela voz a entoar poesia nos meus ouvidos, a falar de amor e de saudade, de Lisboa e do Tejo, em palavras que encaixam e não se banalizam, mesmo que repetidas vezes sem conta. E o fado também se faz de repetições.

Por mim, este concerto podia ser amanhã outra vez!

sábado, novembro 04, 2006

Afectos [ix]

Sem saberes, proteges-me nos sonhos. Intimidas os pesadelos, que nestas noites não passam da ombreira da porta. Adormeço na curva do teu ombro e durmo o sono dos justos até de manhã. Bom dia.

Irmão do Meio

Tens nome de álbum do Sérgio Godinho mas a tua onda musical é outra. Aliás, não é nenhuma porque limitas-te a ouvir o que passa na rádio e nãos gastas dinheiro em discos e em dvd's. Não importa, tens o teu próprio som, e isso agrada-me.

Puseste-me as prateleiras direitas, tão direitas como tu próprio tentas ser, na vida. Recto, correcto, disciplinado, coerente e equilibrado. E exiges o máximo a todos, mas todos mesmo, os que te rodeiam. As decepções lá vão surgindo por isso mantens un naipe curto de amigos. Mas quando tens um, és mesmo dele, e ele é mesmo teu. Como comigo: calhou engraçares com a tua irmã mais nova e agora ela é a tua protegida, a tua filha mais nova, mesmo quando tens outra com pouco menos de um mês. És ríspido, às vezes cruel, mas és como aqueles pais que fazem tudo para nosso bem. Só que és irmão. O do meio.

Perdeste o teu melhor amigo quando eu perdi o meu. Isso uniu-nos mais porque sentimos ambos a falta de alguém, mas agimos de maneira diferente: eu chorei-o e ainda o choro vezes sem conta; tu expurgaste-o, afastaste-te dele e quiseste afastá-lo de mim. Lembras-te da aposta em que dizias que deixavas de fumar? Perdeste e pagaste-me uma viagem aos Pirinéus... uma semana sem gastos. Foi bom porque estava nas lonas, para ti foi bom também, porque me fizeste o que farias sem aposta nenhuma e ainda tiveste um pretexto.

Não te peço conselhos porque sei que és o teu maior crítico, e por isso criticas tudo à tua volta. Mas nem preciso de pedi-los, estás sempre a dar uma opinião, mesmo quando os teus silêncios se prolongam. E como são grandes os teus silêncios. Gostas de ouvir e pensar, pensar, para agir sem falhas. Às vezes falhas demais, mas apenas porque persegues a perfeição.

Tens mãos de príncipe que conseguem arranjar tudo aquilo que tocam. Escolho-te para meu carpinteiro, canalizador e pintor. Chegas quase sempre atrasado mas vens. Vens com o teu humor próprio, a tua ironia, fazes de conta que me fazes um favor, e pensas orgulhoso que o fizeste a ti mesmo: mais uma vez, numa simples acção, ajudaste a tua irmã a ser melhor, a crescer melhor, a evoluir melhor.

Não tens de ter medo de rir. Muito menos de sorrir, abraçar e dizer que gostas. Assusta-te, a alegria partilhada e as provas dadas, de amor, de ternura, de agradecimento.

Nunva lerás este post porque não faz parte dos teus hábitos andares por este caminho. Talvez por isso possa dizer-te tanto, sem nunca te dizer quse nada.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Apetites

Há coisas que não mudam. Por muitos anos que passem. Por muito que aprenda. É assim com as minhas repentinas mudanças de humor. Um milissegundo entre a gargalhada e a lágrima. Do choro à euforia. Sempre sem explicação [aparente]. Mudo de ideias. De amores. De vontades. Simplesmente mudo. Há quem lhe chame indecisão. Eu chamo-lhe dinâmica. Em coisas tão elementares como os planos para uma sexta à noite. As combinações de fim-de-semana. A roupa que escolho de manhã. O livro da mesinha de cabeceira. As prioridades, e a sua ordem na minha vida, mudam em proporção directa da falta de tempo. Por estes dias recuso-me, ainda mais do que o costume, a fazer fretes. A estar disponível para quem não tenho paciência. Faço o que me apetece quando me apetece.

Não sei escrever de outra forma

Sento-me para escrever com a consciência que estou em falta. Não passa de hoje. Reclamas a minha presença porque te sentes abandonada. Há quem a exija apenas porque lhe faz falta. Leio o que escrevi e tenho consciência que esta é a minha interpretação. Talvez apenas sinta falta das palavras porque se apaixonou. Quando não eram mais do que isso. Caracteres de um mundo que não era o dele. Quando o anonimato ainda me pertencia. Tenho saudades desse tempo. Em que [muito] poucos conheciam a cara por trás dos frases. Dos tempos em que as prosas eram percebidas por alguns ‘iluminados’. Aqueles que apareciam dentro dos posts. Tenho saudades dos posts que lia que só eu percebia. Há uma dose enorme de prazer nas palavras estendidas à vista de todos que tem um único destinatário. Eu gosto. Queria continuar a escrever com essa liberdade. Porque não sei escrever de outra forma.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Irmão mais velho

Sempre tiveste uma grande lata e isso fez de ti, muitas vezes, o preferido de todos. Até certa altura tiveste boas notas e, até hoje, consegues ser dos mais espertos e inteligentes que conheço. Sempre informado, tens sempre uma opinião e uma palavra a dizer. E não és daqueles que dão seca. Às vezes tornas-te arrogante, é certo, mas as tuas qualidades estão acima de qualquer crítica.

Lembras-te dos tempos em que me prendias os braços e me imobilizavas o corpo para fingir que cuspias na minha cara? E eu virava-me de um lado para o outro a fugir à saliva que gostavas de exibir, para mostrar a tua superioridade em relação a mim. Esses tempos já lá vão. Hoje - tenho a certeza - se visses alguém fazer tal coisa corrias em minha protecção. Habituaste-te a proteger-me.

Quando eu mais precisaei e até agora. Os teus telefonemas caíram-me sempre como salvação, em momentos que prefiro nem recordar. Eras, do outro lado da linha, o meu fio condutor, o meu conselheiro, o meu ouvinte, aquele que me abria os olhos mas não me criticava, aquele que me entendia, aquele que me serenava.

Recordas-te da noite em que te bati à porta às 4h da manhã? Deixaste-me entrar e chorar, chorar, chorar. Percebeste logo o que se passava e não quiseste interromper o meu desabafo para pedir pormenores. Se eu tos desse - como dei, depois - melhor, senão, ali estaria o teu ombro, na mesma, a tua paciência, o teu sono levado pelo meu pranto.

E a noite do cinema? O filme que quis evitar uma experiência mais dolorosa. Estiveste comigo naquela sala de um cinema que não recordo, era um filme com um actor tão conhecido que me esqueci do nome dele. Foi um filme que vi para não pensar 'naquele' assunto, para chegar a casa e estar já tudo tratado, como aconteceu. Foste comigo até lá. Entraste para perceber que reacção teria. Foi muito má e presenciaste-a. Não tinha e não tenho vergonha de exprimir tudo o que sinto, ao pé de ti. Quiseste levar-me, ficar comigo, estar presente. E estiveste, mesmo sem estar lá.

És o mais velho. Ultimamente já não precisas tanto de me apoiar, de me telefonar, de me sondar. Mas estás sempre atento, Sei que estás. E isso tranquiliza-me. O teu número é dos poucos que sei de cor. E do outro lado, atendes-me sempre. E nunca disseste que não tinhas tempo.

Obrigada por tudo.
É bom ter um irmão mais velho como tu.

terça-feira, outubro 31, 2006

Outra vez

Mais uma enxaqueca.
Sinto-me atordoada.

A cabeça roda como se estivesse de ressaca. O corpo endurece cada vez mais e podia ser batido com um pau, que não passaria de um tapete pendurado à janela, à espera que lhe tirassem o pó.

Os olhos fecham-se e as olheiras marcadas até à alma, não enganam ninguém.
Os pés movem-se sem saber para onde e nem porquê. Querem ir para casa, para a cama, mas não podem. O cérebro, a parte que funciona, não os deixa sair.

Estou outra vez derrubada. Caída no chão. A funcionar por habituação.
Preciso de um dia novo.

domingo, outubro 29, 2006

Amor no meu imaginário

Penso em ti à distância de um oceano que nos separa. Sei que voltarás, em breve, e conto os dias que faltam para receber os apertos no nariz, as lambidelas no rosto, os mimos diversificados, a palma da tua mão na minha, o olhar que me segura. Grito quado metade disto acontece mas já não posso passar sem eles, sem os sinais do teu gostar, do teu amor, da tua saudade e da forma como me queres bem. Eu não sabia que havia alguém a querer-me bem assim. Eu não sonhava. Nem precisaste de mo dizer. Adivinhei pelos teus gestos, pelos teus olhos, pela forma como sempre entras no meu dia, seja de manhã, tarde ou noite.

Eu não sei o que viste em mim. Sou tão diferente daquilo que durante anos procuraste. E então descobriste-me e ainda me descobres, aos poucos, e ajudas-me a descobrir-me também, porque há coisas que nem sei de mim e há tantas que já esqueci. O amor existe? Eu não sei se te posso amar. Eu não sei se já não te amo. O amor é esta falta que tu me fazes? O amor é uma saudade que se deita ao meu lado todas as noites e acorda comigo de manhã cedo? Será isso o amor?

Eu já não sei. Perdi-o ou penso que o perdi e não sei como é amar ou penso que não sei. Amar até à morte, acreditar assim, amar para sempre, acreditar nesta forma de estar. Eu não sei se te amo ou se saberei amar-te como mereces, mas o teu amor enche-me de medo e de vontade de gostar de ti, também eu, sem saber se faço bem ou mal, se é desta ou de outra maneira qualquer.

Fazes-me falta agora, nesta sala onde escrevo depressa num teclado negro onde vejo o brilho do verniz vermelho escuro das minhas unhas que preferes brancas. Leio-te nas capas de alguns livros que povoam os meus cestos e as minhas prateleiras e sei que estás nelas como se estivesses aqui. Leio-te nas crónicas do Lobo Antunes de quem tanto gostas, mesmo que o considere distante e arrogante, e inútil. Mas tem a tua aprovação e isso merece o meu respeito. Vejo-te nos dvd's das séries que gostas de ver enquanto te ris sozinho, e que voltas atrás para repetir cenas e contas aos amigos em pormenor e sabes quem entra, quem realiza, quem caracteriza, quem produz. Sabes tudo como se também soubesses se te amo ou não. Coisa que eu não sei e não te vejo a querer saber. Por medo, não queres saber.

Beijava-te neste momento com a ternura que há mais de um ano nos une e ultrapassa barreiras que julguei intransponíveis. Por esta hora lerás um jornal, verás um filme, ou simplesmente dormirás com o teu sono pesado que me acorda se dormes comigo que me deixa louca a respirar o ar da noite, que não me deixa descansar, mas que me deixa descansada porque a tua presença é mais importante que o meu sono quieto. Beijava-te agora as mãos, sempre quentes e deixava que me embalasses nos teus braços gordos, no teu grande corpo que não me importo que tenhas, que não pensei vir a ter, que não julguei agarrar e que agora só me toca, e esse toque faz-me bem.

Do outro lado do Atlântico virás com sabor a sal, pouco queimado sem praia, mais culto e sabedor de tudo o que já sabes porque os livros entram na tua vida à velocidade da luz e só quando eu chego se apaga essa luz para que se acenda outra, talvez a das estrelas, talvez a que nos faz sonhar, talvez a que me faz pensar. Será isto o amor?

Fim-de-semana [ii]

O fim-de-semana condensado em 24 horas. Acordo cedo. Estremunhada. Rabugenta. Sofrendo por antecipação. Sabem a pouco estes sábados. Café tomado à pressa. Depois ligo. Inventar qualquer coisa para não pensar no trabalho. O pasquim que agora nunca me sai da cabeça. Estou ligada à corrente de manhã à noite. Descanso compacto, disfarçado de horas de leitura. O som dos comboios que fazem 150 anos, estacionados ali ao lado. Aquece-me o sol. Refrescam as ideias. Acalma o nervoso miudinho ao sabor da corrente do Rio. Prometo que amanhã volto.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Fim-de-semana

Chegou devarinho numa sexta-feira ao fim do dia. Instalou-se ao meu lado e prometeu-me descanso. Acolhi-o com força e acreditei. estava a precisar dele como quem precisa de um copo de água para matar a sede. Fizemos planos juntos, mas sem grandes pressas. Um jornal aqui, um pequeno-almoço prolongado ali... um café com uma amiga e um almoço em família. O resto viria com o tempo.
E tínhamos dois dias para disfrutar.
Que bom!

Telefone

Ouvi a tua voz do outro lado do Atlântico e soube-me bem. Tocaram à porta para te entregar um jantar que vais comer sozinho. Como acontece comigo, sempre que não estás.

Tinhas uma ternura doce e quente quando falaste comigo. Senti-me tão bem que posso deitar a cabeça na almofada e serenar.

Tenho saudades. Ainda bem que voltas um destes dias.

quinta-feira, outubro 26, 2006

O mundo ao contrário

Vivia ao contrário de toda a gente: levantava-se tarde, quando o mundo acordava, no máximo, às 8 da manhã; deitava-se cedo, às vezes mais cedo que o resto do mundo. Não comia. Às vezes jantava, mas nunca almoçava. Bebia galões e comia pães com manteiga, integrais ou de Deus - às vezes croissants - tinha o frigorífico vazio, o congelador avariado, a despensa cheia de produtos fora de prazo.

Trabalhava com afinco mas nunca estava completamente satisfeita. Queria fazer mais mas perdia as forças, fazia o que podia, deixava-se levar. Às vezes lutava e conseguia. Às vezes assegurava os mínimos e vivia ao ritmo de um lugar conquistado.

Dormia mal, a maior parte das noites. Tinha sono de dia. Acordava a sonhar de noite e nunca sonhava acordada. Não tinha objectivos e pensava um dia de cada vez. Não tinha futuro e nada previa a não ser o dia de amanhã. Quando muito, até meio da tarde porque a noite era sempre uma surpresa.

Deixara de sair e chegava a casa antes de baterem as 12 badaladas. Se chegasse mais cedo ia logo dormir porque não tinha companhia, nem jogos, nem programas, nem comida, nem nada que lhe ocupasse o tempo. Às vezes lia. Tinha centenas de livros. Mas depressa se cansava e fechava as páginas ao fim de 5 ou 10 minutos. Tentara todos os estilos literários, mas nenhum a prendia mais do que isso. Tentara todos os canais e todos os filmes em DVD, mas nenhum a mantinha acordada.

Era um mundo esquisito, sem controlo nem sabedoria. Era um mundo vivido a cada minuto, sem projectos nem concretizações. Estava tudo ao contrário e não sabia como virar tudo outra vez.

Às vezes ia ao ginásio, mas fartava-se dos exercícios repetitivos e das músicas para relaxamento. Tomava o pequeno-almoço fora de casa, e comia sempre a mesma coisa. O homem do bar já sabia e mal a via entrar tirava-lhe logo um galão. O mesmo faziam os homens e mulheres de cada bar que conhecia, no trabalho ou noutro sítio qualquer aonde tivesse entrado mais do que cinco ou seis vezes. Já conhecia o barulho da máquina e tinha uma cor e uma temperatura certas para beber aquele leite com café. Não gostava de café, mas bebia-o com leite. Sentia-se mais acordada e às vezes servia de ponto de encontro, esse galão a meio da tarde.

Vestia roupa diferente todos os dias mas já estava farta de abrir o guarda-roupa. Não tinha dinheiro para comprar mais e o que tinha sobrava-lhe para três Invernos. Se chovia saía de gabardina; e se estava sol não calçava as botas. Não tinha regras mas costumava agir assim. Não escolhia a roupa no dia anterior, limitava-se a abrir o roupeiro e a retirar as primeiras peças. Às vezes escuras. Às vezes refrescantes, conforme o pessimismo dos dias, porque nunca era optimista.

Fazia sempre o mesmo percurso e pagava sempre o mesmo valor de portagem. No regresso era a mesma coisa mas sabia caminhos alternativos. Como na vida, decidira-se a viajar no mais fácil, no mais cómodo, mesmo que lhe saísse mais caro.

No banco tinha a conta em saldo negativo e devia dinheiro à família. Tinha um cartão para o mês seguinte mas nunca o usava para não perder o rumo. Ainda assim gastava muito. Tinha médicos e receitas, tinha galões e pães com manteiga, tinha prendas de aniversário para todos os amigos, tinha despesas da casa, do carro e da vida.

Tinha o mundo ao contrário. Sabia disso. Prometeu virá-lo numa nova maré.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Desabafo

I’m good. Really good!! E tenho uma equipa do caraças!!!

[desabafo murmurado à saída da garagem, a poucos minutos das nove da noite. Sei que não posso fazer a festa. Largar foguetes. Abrir o champanhe. Que sair cedo não é a regra. Apenas a excepção. Ainda estamos em fase de enamoramento. Eu [muito] controlada. Faço tudo por tudo para não passar das marcas. Respeitar o espaço deles. Delas. Somos uma equipa de mulheres. Fantásticas! E elas esperam para ver. Ainda estão a avaliar se podem confiar. Eu espero não as desiludir.]

Afectos [viii]

Há horas que valem por dias inteiros. Em que tudo faz sentido e o riso despudorado é sinal da sanidade mental que ainda me resta

[sem] palavras*


[* porque encontrei isto aqui e me lembrei disto]

terça-feira, outubro 24, 2006

Há pessoas fantásticas, não há?

S. tem 35 anos. Solteira, nunca casou, nunca viveu com nenhum homem. Teve sempre azar com os que escolheu, casados, com filhos, que se serviram dela para passar uns bocados. S. acreditou que era amada e prosseguiu, naquelas pseudo-relações, feitas às escondidas, guardadas entre os colegas no maior secretismo.

Não vive em Lisboa. Ainda demora uns bons 40 minutos a chegar à capital. Entra às seis da manhã, o que quer dizer que acorda, todos os dias, às 4h30. Ontem liguei-lhe pouco passava das 20h e estava a preparar-se para ir dormir. Preparava-se sozinha, para ir dormir sozinha.

S. não tem mãe. Morreu há pouco tempo, doente, mas o pai compensa-a com os mimos de uma velhice em solidão. Vão de férias juntos, para se sossegarem mutuamente. Fazem praia. E gostam.

Mas S. tem uma irmã. E é nesta relação que mais me surpreende: Vai todos os dias buscar o sobrinho de ano e meio à escola, dá-lhe jantar e banho, toma conta dele como uma mãe. Quando a irmã chega do trabalho também já tem jantar na mesa e, quanto ao cunhado, não há que duvidar: prova dos belos cozinhados de S. todos os dias da semana.

Ao fim-de-semana S. afasta-se. Diz que quer dar espaço à irmã e ao cunhado. Eles não se importam. Ela já fez todo o trabalho da semana, desde tomar conta da criança, às limpezas e cozinhados. Não a chamam. Ela não vai. Segunda-feira S. volta a fazer parte da família.

S. diz que é feliz. Vai duas horas por dia ao ginásio e ocupa-se do sobrinho, que adora. De resto, pouco lhe importa não receber, da irmã, sequer um obrigada, 'ela é mesmo assim, nem ligo'. E S. prossegue a sua tarefa diária de empregada e ama, sem ser paga, e sem ter um gesto de carinho. Apenas a satisfação moral.

A caminho, vem outra criança. Assim será fácil, não é?

segunda-feira, outubro 23, 2006

Até já

O sentimento geral é de cansaço. Desorientação. De que não controlo nada. O trabalho aparece feito. As páginas não vão em branco. Mas ao terceiro dia contínuo sem entender como chego ao fim. Dêem-me mais uns dias. Quem sabe se no final da semana não tenho algumas respostas.

sábado, outubro 21, 2006

O grande dia

O branco ficava-lhe tão bem! Era um presente dos padrinhos, que tinha custado uma fortuna. Assentava-lhe como uma luva graças às três provas que tinha feito nos últimos meses. Estava à medida, como tem de estar o vestido do dia do casamento. Era o grande dia, o dia dos sonhos, o dia esperado, o dia que tinha preparado com a devida antecedência, com o trabalhao dobrado, com a ajuda de todos. O grande dia de todas as mulheres.

A cabeleireira tinho ido a casa e passou-lhe a tesoura pelo cabelo. Não levava véu e o cabelo, curto, desprendia-se com leveza para não precisar de mais nada. Brilhavam as orelhas com uns brinquinhos pequenos que tinha comprado para a ocasião e tinha, em cima da cama, o famoso bouquet. Uma amiga tinha-lho preparado, com tulipas vermelhas e folhas verdes em volta. Simples. Bonito. Contrastante.

Foi no carro do irmão para a igreja, descapotável para que todos soubessem que ia casar. Não chegaria atrasada mais do que dez minutos, uma questão de respeito, e de desejo. Porque a ocasião não era de atrasos nem de esperas. Queria-se já. Vivida.

Ele disse-lhe que estava linda, quando chegou ao altar. Todos os olhares já lho tinham dito, à medida que passeara, ao lado do pai, naquela passadeira vermelha que parecera então infinita. Sorriu. Sorria apenas de felicidade, de encanto, de alívio, também. Estava ali. Tinha valido a pena.

***

Foi estes momentos que recordou cinco anos depois, já sozinha, vestida de negro e com um vermelho vivo numa blusa decotada. Ao contrário do grande dia, neste, usava pérolas (falsas) que lhe caiam pelo peito até ao umbigo e deixavam o nó no fundo do decote. Ela também tinha um nó, mas na garganta. Quando fez as contas ao tempo quis que ele parasse, pensou se queria voltar atrás. Mas depressa mudou de ideias e sorriu para o futuro. Voltar atrás para quê? Para voltar às dores maiores que tinha vivido desde o grande dia?

Não haveria outro grande dia, e até ali os dias tornaram-se pequenos. Todos. Sem excepção. Ainda assim, todos juntos eram maiores que o primeiro e podiam fazê-la mais feliz. Limpou uma lágrima do rosto e cruzou as pernas, no banco da sala de espera da psiquiatria. Tudo se encaminhava para o fim do suplício, mas não era fácil. Pegou nas pérolas com a mão e espreitou o mau temepo pela janela. Tinha uma riqueza falsa e precisava, o mais depressa possível, de torná-la verdadeira. Não vinda do fundo do mar, mas do fundo da alma, de uma coração preso ao passado, preso às memórias, preso a uma amor encerrado. Soltou o colar e pegou no telefone. Mandou uma mensagem ao namorado, de férias a 10 mil quilómetros dali. Ele sabia que dia era aquele. Ela nunca esqueceria a data. Mas podia torná-la mais suave, e encurtar as horas sempre que fosse 20 de Outubro.

A médica chamou-a e entrou. Já não chorava.

sexta-feira, outubro 20, 2006

O peso da responsabilidade *

Saiu de casa com as calças pretas que lhe ficavam bem e a camisa vermelha, meio opaca - meio brilhante que lhe fazia sobressair o peito. Não tinha sido de propósito mas sentiu, ao descer pelo elevador, que não iria passar despercebida. Não era só pela roupa. Não naquele dia. Naquele dia sobressairia também por ela, pelo que dissesse, pelo que escrevesse, pelo que mandasse, pelo que acatasse - ou não - pelo que sentisse.

Nunca se tinha sentido tão bela e tão insegura. Teve a certeza que pouco importava aquela aparência atraente, quase sempre irrestível, um abanar próprio do corpo, um penteado que lhe moldava um rosto fino e agradável. Hoje tinha um batom sem cor. Apenas luzidio, apenas o reflexo suficiente para se desejar um beijo. Ou uma palavra.

Chegou ao jornal mais do que a horas para um café e tomou-o, sozinha, enquanto fumava o segundo cigarro do dia. Fazia aquilo com destreza e com uma certa sensualidade. Mas hoje o fumo parecia-lhe fogo e o café não era sinal de break, mas de uma nova era, um novo passo na carreira, um aceitar de responsabilidades de que não estava à espera. Coordenadora? Editora? Pouco importava o título. O trabalha ia dobrar - já sabia - e os olhares iam amontoar-se nos seus ombros. Respirou fundo e viu a reedacção ainda vazia: 'Vamos lá!', pensou. E saiu da sala de fumo.

O dia passou num ápice, como sempre acontece quando temos muito trabalho. Os sorrisos misturam-se com a tensão e com as rugas já marcadas quando franzia o sobrolho. A meio da manhã já o brilho do batom tinha desaparecido. Naquele dia não houve tempo para retocar. Assistiu à reunião do lado de dentro do gabinete envidraçado que sempre se habituara a ver de fora. Lembrou-se de imaginar as palavras, pelos gestos, pela postura dos que lá estavam, no interior. E agora era ela que gesticulava, que falava, ainda a medo. Que era ouvida. E outros olhavam, do lado de fora.

O dia passou num ápice. Já disse.

À noite, só deu pelo escuro quando foi obrigada a ligar os médios. Tinha a cabeça feita em água e o penteado já fora do sítio. Continuava bonita. Tinha o sorriso cansado de quem tinha cumprido a tarefa. E bem. Sentiu que assim seria todos os dias. Não havia razão para ser de outra forma. Retocou o batom para se ver no retrovisor. Ajeitou a franja e meteu a primeira. Naquele primeiro dia tinha passado a prova. Com distinção.

O resto viria depois. Um problema de cada vez. Uma solução para cada um. Era assim na vida. Porque não o seria no trabalho?

Quando se deitou adormeceu. E sonhou que vivia agora uma realidade que tinha sonhado acordada. Era preciso aproveitar!


* Ou um beijo de boa sorte!

quinta-feira, outubro 19, 2006

Carrie no mundo das pessoas crescidas

Não é tanto pela responsabilidade. Não é pela carga horária. Nem sequer pelas reuniões intermináveis. Ou pela hipótese de ter que mudar de lugar. É mesmo o desafio de manter a boca fechada. Contar até 1000 antes de atacar. Pensar. Medir. Pesar. Cada palavra. Cada gesto. De saber quando termina o meu espaço e começa o dos outros. Válido para ‘cima’. Principalmente para 'baixo'. Controlar o autoritarismo. A mania que sei. Posso. Faço. Mando. Lembrar-me que tenho mais a aprender com eles do que o inverso. Ouvir. Ajudar. Acelerar. Despachar toda a gente para casa a tempo e horas. Para já medo. Muito medo. Pânico.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Águas passadas

Chove torrencialmente e só a custo cheguei a casa ilesa. O Peugeot 307, habituado a andar acima dos 140, manteve-se na casa dos 70 Km/hora, por precaução. A chuva turvou-me a vista e talvez por isso tenha recuperado as imagens do passado, sem me deixar olhar em frente. Às vezes o olhar prega-me partidas e deixa que outras águas me caiam dos olhos, como se valesse a pena molhar o rosto.

Como uma gelatina de morango às colheradas. Dizem que faz bem. Como uma todas as noites, assim como também como, todas as manhãs, um iogurte com cereais misturados. Questões de saúde, recomendações médicas. Dos mesmos médicos que me disseram para te esquecer, os que me ajudam a sair de ti, os que te querem tirar de mim. Mas a chuva volta a turvar-me a vista e fico a rodopiar nas águas, à deriva, em pião.

A música que a RFM passou, já vinha quase a chegar, fez-me pensar nisto tudo. Eu até tive uma noite saborosa, recebi presentes, jantei bem acompnhada, resolvi problemas... eu até estava em paz com a minha cabeça. Mas aquela maldita música começou a ser traduzida nos meus ouvidos como se houvesse alguém, do outro lado do receptor, a dizer-me cada palavra em segredo, em português, para compreender melhor. Não chorei. Deixei que a chuva fizesse o esforço de continuar a correr vidros fora.

Ainda me fazes falta. Não sei porquê. Não sei para quê. Não sei se é um vício se uma necessidade. Não sei se é o mês - lembras-te? é quase dia 20 - se é a vida, apenas, em cada dia. Gostava de poder abraçar-te e não sentir pena, nem remorsos, nem mágoa. Gostava de me livrar de ti de uma maneira carinhosa.

Mas nem o abraço chega, nem sequer consigo ver-te - não fossem os sonhos, claro - nem foges da minha vista, que turva com as águas, mas deixa bem clara a tua presença. Caem bátegas, lá fora. Cá dentro ainda estou de olhos secos.

terça-feira, outubro 17, 2006

O gosto dos outros

Não é fácil gostarmos todos da mesma coisa. Nem terá de ser assim. Como diria a minha avó,'é da maneira que o mundo não tomba'.

Mas há coisas de que os outros gostam que eu detesto. E há coisas que os muito próximos de mim gostam, que eu detesto. E aí é que reside o problema.

Se duas pessoas se entendem na maioria das coisas mas não partilham a mesma opinião em duas ou três, consideradas fundamentais, como fazer? Ter paciência? Refilar? Não dizer nada? É que nunca se chegará a acordo. Disso tenho a certeza.

O gosto dos outros tem de ser respeitado, sobretudo se gostamos deles, dos outros. Mas se detestamos o gosto deles também os detestamos a eles? Não me parece, mas apetece-me. Apetece-me detestá-lo por ele não gostar do que eu gosto. Pior: por gostar do que eu não gosto.

Não vou conseguir uma vida a dois como ela se quer, pois não?

A favor da despenalização. A favor do voto. [II]

Sócrates manifestou-se ontem a favor da despenalização do aborto. Diz que vai exercer “um dever cívico”, dando a cara pelo SIM. A conferência foi ontem, escassos dez minutos depois de Teixeira dos Santos ter apresentado ao País o OE para 2007. A intervenção do primeiro-ministro, desculpem, do secretário-geral do PS, que merece o meu aplauso, peca no timming. Convenhamos. Enquanto o País discute se vai pagar mais ou menos impostos, alguém esteve interessado na declaração de Sócrates? Alguém leu hoje nos jornais?

Há dias assim...

Preciso de energia.
Algo que me faça mudar.
Novidades na minha vida.
Força para fazer de novo.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Afectos [VII]

Juro que tentei. Empurrei-as pela janela do 6º andar. Atei-as com uma corda, fechei o saco que atirei de uma ponte abaixo. Dei-lhes 605 forte. Atirei-as para debaixo de um comboio. Mas não matei as saudades...

30 anos

Fazia 30 anos. Mas já tinha vivido, aos 29, muito mais do que muitas pessoas com 40. Tinha viajado, tinha sido mãe, tinha tido várias experiências profissionais, tinha sido feliz - e depois infeliz - com vários homens, tinha sido o centro do mundo, tinha gostado disso, tinha odiado sê-lo.

Mas hoje fazia 30 anos e acreditava numa viragem.

Parabéns! Era tudo o que podia dizer-lhe.
Com o coração a acreditar num futuro ainda melhor.

Noites mal dormidas

Há duas noites que não durmo. Literalmente. Esta voltou a trazer-me uma enxaqueca que tento reduzir com um 'Migretil', e um desabafo neste post. Sinto-me sozinha na noite das trovoadas e dos relâmpagos com uma dor que é sempre minha, demasiadas vezes minha, e que quero expulsar mas não partilhar. Escrevo às escuras apenas com a luz do écran a iluminar-me o rosto, ligeiramente descaído, para não ser ofuscada e assim contribuir para o aumento da dor. Podia estar na cama mas tenho medo. Fecho os olhos e vejo coisas terríveis. Assim não: Deito cá para fora os meus anseios, os meus receios de madrugada. Ninguém sabe, por agora, só eu. A casa mergulha no silêncio mas sei que, por estas horas, já há quem esteja prestes a sair para trabalhar. Esta segunda-feira regresso, depois de 15 dias de férias, à Editoria. Talvez esteja a antecipar esse stress, esta minha dor, ou talvez esteja apenas a queixar-se do fim do descanso. Sem ele.

A chuva cai. Estava previsto o homem do jardim chegar às 9h. Não creio que venha fazer alguma coisa. Preciso de ver a relva colocada e as plantas a crescer. Preciso de um horizonte mais bonito que umas ervas dominadoras que amareleceram com o sol e cresceram sem rei nem roque. Preciso que cada parte da minha vida se organize para que, cá dentro, as coisas tomem um rumo de vez.

A noite passada foi em Aveiro. Um desastre. Não estava sozinha mas o medo não me deixou dormir. Acordei o Rei para lhe chorar no ombro e queixar-me das partidas dos sonhos. Ele passou-me a mão pela cabeça e aconchegou-me. Hoje não tenho essa sorte e peço o aconchego das teclas que me deixam desabafar. Os sonhos eram maus, muito maus. Assustadores, a ponto de não pregar olho, ter medo, falar alto, gritar. Eu não quero deitar-me com o terror de não dormir. E passaram assim duas noites.

Oiço a chuva na varanda e as pingas mais grossas que batem no metal oco. Já não acordo com o barulho porque os meus olhos não se fecharam. A cabeça explode. As veias querem saltar cá para fora. Digo-lhes que é lá dentro que devem permanecer. É melhor assim. Não estão convencidas, mas eu serei mais forte.
Eu e o 'Migretil' que nunca mais faz efeito.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Satisfeitas[os]?

[listagem não exaustiva das pesquisas dos leitores que chegaram ao mais cidade por motores de busca. pergunto-me se algum deles terá ficado minimamente esclarecido...]

Mulheres dominadoras sádicas
Desejos molhados
Viver na mesma casa com um homem em camas separadas
Como comportar-se na cama
Com gripe – aves
Mulheres gajas raparigas com sexo
Benefícios do sexo

Viagens

[Com sorte] As viagens de trabalho são parentes pobres das férias. Algumas que são apenas enfadonhas visitas a aeroportos. Conheço o de Frankfurt e Heathrow quase tão bem como a Portela. Nunca visitei Frankfurt e as visitas a Londres resumiram-se a duas estadias de menos de 24 horas.

Fui de Lisboa a Cannes num Volvo S80. O volante esteve várias vezes na minha mão. Tremi quando me apercebi que o conta-quilómetros estava nos 200km/h. Há quem ainda trema quando se fala nesta viagem. Passamos a fronteira e dormimos em Itália. Ainda passei pelos casinos do Mónaco. Conheci Cannes uns anos antes. Uma semana passada no centro de estágios de uma das minhas empresas xpto. Horário das 8h às 18h. Duas horas de almoço. Piscina mesmo à mão de semear num Junho repleto de sol. A mesma piscina para onde fui atirada vestida. [Era a única que, novata naquelas andanças, não tinha levado fato de banho. Desde então, mesmo no Inverno, o biquíni vai sempre na mala. Como o chapéu-de-chuva no Verão.] Conversávamos até altas horas. O conceito de bar aberto era levado à letra. Depois do café os empregados desapareciam. O líquido das garrafas também. St. Paul de Vince. Uma vila medieval de sonho de onde, uma noite, fomos expulsos devido ao barulho.

Vi S. Francisco em dia e meio. O suficiente para me apaixonar por aquela terra de contrastes. Passaram quase 10 anos e ainda me lembro do átrio do hotel cheio de ‘teenagers’ em noite de baile de finalistas. Lembro-me das ruas de Chinatown e de como voltei a encontrar os mesmos cheiros meses depois em Nova Iorque. Dessa vez ganhei quatro dias de férias. Estadia garantida em casa do marido de uma amiga que mal conhecia. Com viagem paga era impossível recusar a proposta. Andei tanto naqueles quatro dias que me doíam os tornozelos de cada vez que os pés tocavam o chão. Quando comecei a trabalhar na noite de terça era uma mulher feliz. Há postais de Nova Iorque perdidos nos arquivos do blog. E há memórias de Orlando. Dos parques temáticos para onde fugíamos à noite depois das conferências. Uma das cidades mais feias que me foram dadas a conhecer. O contrário de Washington. Uma cidade linda, ainda que vista pela janela do carro. Fica a memória de um almoço com gente interessante.

Fui à apresentação do Peugeot 407. Aterrei em Geneve. Andei dois dias pelas estradas molhadas da Suiça. Vi nevar pela primeira vez. Decidi que queria seguir o sector automóvel. É a verdadeira boa vida. Excluídas que sejam as conversas sobre monitorizações, cilindradas e afins. Dois dias a testar o carro de um lado para o outro. Ao terceiro voei para Paris. Foi a primeira vez que adormeci numa conferência. A única em que versava sobre motores de automóveis! Fiquei convencida que não tinha sido feita para aquilo. Mesmo assim, há dois anos testei uma Astra no sul de Inglaterra. Fiz parceria com uma amiga de longa data. Sorte a minha, ela não gostar de conduzir.

Paris foi a primeira cidade que conheci em ‘trabalho’. Aspas, muitas aspas. Conhecer a cidade a convite do Turismo de França. Três dias de bónus oferecidos pelos esforços de nove meses de trabalho. Visitei a cidade de uma ponta à outra e ainda fui à Disneyworld. Já lá voltei umas quantas vezes depois disso. Nunca mais de 24 horas. É pena.

Madrid é quase só cidade de pernoita. Jantares mais ou menos secantes, com pessoas normalmente aborrecidas. Acho que a isto se chama trabalho.

Se a memória não me falha, falta só a Eslovénia para completar o périplo pela Europa. Lubliana conhecida ao final da tarde. À pressa. Uma hora entre o check in e o jantar de gala. Prova de vinhos. Acordar de madrugada para fazer quilómetros de autocarro. Conferência. Autocarro. Aeroporto.

A Maputo fui como assessora de imprensa. Mas durante um dia fui secretária, fotógrafa, ama-seca. Ganhei uma ida ao Kruger Park. Ainda me falta a viagem a Angola. Não perdi a esperança.

O Brasil é uma história à parte. Porto Alegre. Rio de Janeiro... Vão as arquivos se quiserem.

Há um lado mau nestas viagens. O stress dos fusos horários que obrigam a acelerar para cumprir os prazos de Lisboa. As refeições que não se fazem porque o deadline não permite. Horas perdidas em aeroportos. O cansaço de acordar sempre mais cedo do que em casa. De deitar tarde à custa de jantares formais com os gestores xpto. Operações de charme. Uma seca para nós e para eles. O desespero de passar tanto tempo sentada num avião. É trabalho, certo? Uma pessoa habitua-se. Mas há uma coisa que durante todos estes anos nunca consegui ultrapassar. É um contra-senso. Aparece sempre quando me deveria estar a divertir. Nas horas passadas a conhecer as cidades. Aquela sensação de isto-é-muito-bonito-mas-falta-aqui-qualquer-coisa. E essa qualquer coisa é sempre alguém com quem partilhar o momento. E não chega serem aqueles colegas que conhecemos há anos. Que quase tratamos como amigos. Esse alguém devia ser no mínimo tão especial como o momento. Por isso estas viagens sabem sempre a pouco. Mas é trabalho, não é?