segunda-feira, setembro 14, 2009

Envelhecer

Olha para as fotografias tiradas nas férias e vê as rugas que rasgam os olhos castanhos sem maquilhagem. Um pequeno papo surge muitas vezes abaixo do pescoço, apesar de ser parte de um rosto fino, longe dos dias em que as bochechas eram atracção principal de uma feira sem vaidades. Ancas robustas e pernas a acompanhar sem vontade de perder peso no lastro de cremes de marcas mais ou menos baratas. E o cabelo que cai. Fraquinho, fraquinho, de cor encarniçada para disfarçar os brancos que atropelam as orelhas pequeninas. O aparelho recente nos dentes dá um certo ar de adolescência mas é feio, dá nas vistas, torna-se único ponto de focagem no espelho. As dores nas costas acordam com o levantar e agudizam-se no rato do computador. Sobem à cabeça, tantas vezes... Chamam-lhe Dona e Senhora, menos vezes Menina. Três comprimidos de manhã e meio ao deitar, sem falhas, já lá vão quatro anos. Barriga flácida, à espera de um filho que ainda não foi gerado. Entusiasmo relativo, noites de sofá em frente a uma série de televisão antiga, ausência de exercício e inscrição paga na piscina a 50 metros da porta de casa. Falta de memória, falta de tempo para tratar das unhas e da celulite e da conta bancária e do cartão de cidadão que o BI caducou. Estava velho. Ausência de imaginação, incapacidade de contar histórias e escrever de forma arrebatadora, contagiante. A menos de 4 anos dos 40. Divorciada. Realizada q.b. mas mal paga para a experiência e para a função. Apaixonada de novo mas sem vida inteiramente partilhada. Sente que o tempo urge. Carro à porta a celebrar 8 anos, sem garantias de substituição. Serve. Casa a ser paga mas em vias de mudança. Sem vontade de procurar uma nova, apesar da necessidade e da magia que um novo canto há-de trazer. Parada no tempo, muitas vezes no passado, quase incapaz de ver o amanhã. Tenta. Continua a tentar.

6 comentários:

dondoca disse...

porque temos nos de ter bochechas, casa nova, cabelo forte, figura invejavel, unhas super, muitos filhos, andar a correr e nao podemos ter papos na cara, carro velho, aparelho nos dentes, barriga ate' 'as coxas, porque temos que ser super tudo. A felicidade e' ser uma barbie com um ken e um cerebro Einstein, uma cas na cote de azur? Porque?

LurdesMartins disse...

Já te disseque gosto de te ler?! Que me leio a mim muitas vezes nas tuas palavras?!
Um texto verdadeiramente à Samantha.
Obrigada pela partilha.
Beijinhos

Montana disse...

Já tinha saudades de ler um texto assim.Obrigada por partilhares os teus pensamentos.

Buttafly...fly...fly... disse...

E um sorriso nos lábios, sff. Já. Urgente. Vá....

;)

Catarina disse...

Como eu compreendo tudo isto... Devemos andar sob o mesmo céu. E "sob e "no" fazem toda a diferença.

Ana Red Nose disse...

Belas palavras, triste o sentir... agora fiquei assim, também parada no tempo.
Será que tenho dupla personalidade e sou também tu sem saber?
Um beijinho!