terça-feira, novembro 28, 2006

Esperança

E se o céu for um jardim onde plantam as mais belas flores?

segunda-feira, novembro 27, 2006

Dor, incredulidade, saudade

A notícia da morte de alguém que me é próximo já me acompanha desde os 14 anos. Foi precisamente no dia desse meu aniversário que tive consciência de que tudo está preso por fios e que, quando se partem, provocam uma dor enorme e uma saudade que não se apaga. Mas nunca a perda de alguém me tinha causado uma dor tão intensa, não só emocionalmente falando, mas sobretudo do ponto de vista físico. Todo o meu corpo se enrodilhou num nó, o estômago estava em chamas, os músculos doridos de tão tensos. Penso que, com a partida abrupta da minha querida Zé, tive, pela primeira vez, a consciência da minha própria morte. E dei-me conta de que sou tantas vezes egoísta e insensível com as pequenas coisas do dia-a-dia, magoando as pessoas por nada, queixando-me sem ter razão. A Zé era o sorriso mais doce que eu conhecia, mesmo sabendo eu que passou por grandes perdas e algumas duras mágoas. Mas mantinha o sorriso doce, o olhar límpido, a voz afável de quando a conheci há 15 anos na Universidade. Houve depois um tempo em que nos encontrávamos amiúde profissionalmente e depois veio um tempo em que a distância se instalou. Agora partiu para sempre e ainda não o consigo aceitar. Dizem-me que é a fase da negação. Não sei. Sei que espero de Deus algum conforto e que aprenda a honrar a vida e tudo o que ela tem de bom, mesmo nas coisas mais singelas, como fazia a minha querida Zé. Que Deus a guarde em paz, que eu a guardarei no meu coração, sempre.

domingo, novembro 26, 2006

Dor

Há a dor de não ter dito adeus. De não estar preparado para a injustiça da vida. Há notícias que não o deveriam ser. O paraíso, principalmente o paraíso delas, não deveria ter-se transformado em inferno. Há mortes mais estúpidas que outras. Depois das lágrimas fica apenas um vazio imenso. E a certeza que a minha vida foi mais rica graças à Zé e à Cláudia. Saudades.

Bond, James Bond

Gosto do novo James Bond, Daniel Craig. Convenceu-me em duas horas e meia de filme com um genérico fantástico a rimar com Casino Royale. Em qualquer parte do mundo, este Craig é o melhor: e o filme passa-se na República Checa, e nas Bahamas, e em Veneza, e no Montenegro, e em Inglaterra. Este Bond faz-nos viajar um bocadinho pelos antigos Bonds, com os saltos, as corridas, as perseguições, as piadas, a ironia, o show of dos tempos de Sean Connery.

Não é que seja fácil esquecer Pierce Brosman. Não é. Mas tem piada ver um Bond responder à pergunta: shaken but not stirred? com um 'e acha que eu quero saber como vem o raio do martini?'. Tal como tem piada responder à pergunta 'usa um Rolex', 'não, tenho um Omega'. Está tudo lá, os impossíveis do cinema, as maravilhas da técnica, os sorrisos, os olhares, as bond girls - mas agora, uma novidade, este Bond apaixona-se à séria e mais não digo - o corpo genial, o sangue, o inimigo. Este James Bond faz-nos rir, assusta-nos na cadeira, faz-nos torcer por ele e faz-nos odiar os inimigos, que são sempre feios, têm sempre cicatrizes, têm sempre uns feitios lixados e gostam de tratar o crime por tu.

Daniel Craig vai bem no papel e os olhos azuis, de um azul intenso, ajudam muito. Também ajuda aquele peito largo e musculado, aquele corpo definido que até é elogiado no filme. Fica-lhe bem o smoking mas, naquele corpinho, qualquer trapinho assenta bem. É um James Bond à antiga, digo eu, com os impossíveis a acontecerem, e as improbabilidadaes a tornarem-se reais.

Por tudo isto, mas sobretudo porque é mais um Bond adaptado de Ian Fleming, vale a pena ir ver.

sábado, novembro 25, 2006

Solidão IV

Acordou a suspirar. Tinha tido um jantar fantástico mas não sabia até que ponto queria repeti-lo. Aquele Rui tinha um sentido de humor fabuloso, fizera-a rir toda a noite, mesmo antes dos quatro gins tónicos que bebeu. A partir daí as coisas tinham começado a ficar menos nítidas e mais engraçadas. Ria-se por tudo e por nada mas lembrava-se dos pormenores. Recusou o quinto gin e pediu um café. Sabia que era a maneira de voltar à normalidade e, pelo menos neste primeiro encontro, queria acordar sozinha, na cama dela, sem complexos de culpa mesmo que com uma ressaca dolorosa.

Ouviu a chuva começar a cair forte, lá fora. Eram bátegas grossas que lavavam os vidros e enxugavam os olhos que se focavam num ponto, no exterior, e que a intrigava havia meses. Era num apartamento em frente, numa divisão da casa que ainda não tinha percebido qual. Ligou o rádio para ouvir as notícias do meio-dia e virou-se para o outro lado. Viu a almofada suja de maquilhagem. Bolas! Tinha-se esquecido de limpar o rosto como fazia todas as noite. Cheirou o tabaco no cabelo e sentiu-se mal-disposta. As notícias falavam das cheias por todo o país e anunciavam os alertas laranjas, amarelos e vermelhos, como um código que ela compreendia melhor, naquela manhã que era já início de tarde.

Felizmente era sábado e estava de folga. Não tinha de apressar-se para nada. Ficou ali mais uns minutos a recordar a noite anterior e as palavras e a silhueta de um homem conhecido via internet. Era como o imaginava. Não demasiado magro, sem ser gordo, cabelo castanho e pele morena, cara lavada e bem barbeada como ela gostava e um sinal. Ele tinha um sinal. Discreto, no queixo que fazia covinha. Não era um homem bonito, daqueles que deslumbram, mas não era feio. Tinha uns olhos castanhos que lhe captavam a atenção e umas mãos bonitas, bem tratadas. Tocara-lhes várias vezes sem segundas intenções, mas arrepiada sempre que sentia a pele masculina.

Levantou-se com o pijama enrolado ao corpo e meteu-se primeiro na cozinha. Prfecisava de um copo de leite para desintoxicar. Com que imagem teria ele ficado dela? Boa, talvez. Ainda tentou uma aproximação quando se desopediram, mas ela desviara a cara e rira-se da tentativa. 'Não vamos estragar tudo' - disse-lhe - e saiu do carro. Um Peugeot de um modelo que desconhecia porque não era dada a estas coisas. Ficou feliz por saber que aquele homem de 41 anos, divorciado, não tinha ainda um cabriolet. Era sinal de sanidade e de saber estar no tempo. Não tinha filhos e isso também a alegrara, no seu conservadorismo.

Interrompeu os pensamentos quando o telefone tocou: Rui, dizia o visor. Sorriu antes de atender.

Sábado

Rebolei na cama até perto das seis da tarde. Tinha-me deitado cedo e não havia razão para ficar tanto tempo a dormir, tanto tempo a sonhar, tanto tempo a ruminar os sonhos acelerados que me faziam abrir os olhos de 10 em 10 minutos. Aparentemente não havia razão.

Acordei de vez com o telefone. Era a minha mãe que queria saber como eu estava. Não lhe soube responder. Talvez por ainda estar deitada, imaginando-me a dormir, talvez porque o meu sentido de presença própria ainda não estivesse activado, talvez por não saber de que maneira me encontro.

Saí para um galão e uma fatia de bolo cheio de creme. Não queria fazê-lo porque a balança diz-me que engordei 5 quilos, mas o estômago, a gula, falaram mais alto e acompanhei o doce com um pão de cereais e manteiga. Não almocei. Não janto. Além desta refeição o meu dia teve, em jeito de pequeno-almoço, uma taça de cereais com iogurte. O estômago encolhe e alarga à medida que os dias passam: às vezes pede-me tudo o que não devo comer, outras afasta-me de tudo o que devo comer. Em suma, alimento-me mal e engordo. Não sei o que é uma refeição de peixe, não como frutas nem legumes e só como sopa porque no refeitório as restantes ofertas são repugnantes. Excepto à quarta-feira, quando há cozido à portuguesa. Nesses dias sento-me à mesa como as pessoas crescidas.

Há um vazio na minha cabeça de sonhos não programados, quase sempre indesejados, quase sempre cheios de tormentos, de passados mal resolvidos, de agruras e de torturas. São sonhos que não quero ter mas que vêm e regressam à medida que expulso a primeira parte. São como uma série que não pára de dar episósios e que, no início de cada um, me diz, 'no episdódio anterior foi assim...'. E continuam a magoar-me a não me deixar dormir. Tiram-me o descanso da noite e obrigam-me a dias difíceis.

Acordo e saio da cama para não sonhar. Não sorrio o resto do dia. Quando acordo já anoitece e não pude ver o sol. Porque hoje não consta que tenha chovido. E a lua já lá está quando saio à rua e tudo o que desejo é que avancem as horas para voltar para a cama, esconder-me debaixo do edredão e imaginar o melhor para os meus sonhos.

Oiço os U2. Cantam Vertigo. É como estou: numa vertigem da vida e não sei se conseguirei o equilíbrio.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Questões a precisar de resposta urgente

Quero uma vida ou uma carreira?

terça-feira, novembro 21, 2006

Ralações

Converso com a C. sobre relações humanas. As minhas. As dela. Rebatemos pela milésima vez os mesmos argumentos. Não há volta a dar. Há meses que não saímos do mesmo sítio. Nem eu. Nem ela. A equação é de resposta simples. Os homens são uns cobardes. Acomodam-se com demasiada facilidade. Mesmo quando são infelizes. Ficam com mulheres que não amam. Em nome da família. Do conforto. Com medo de assumir situações mais difíceis. Das que dão luta. As mulheres não são complicadas. Não são demasiado exigentes. Os homens é que se contentam com pouco. Ficam satisfeitos com um amor de pantufas. Há excepções. Mas deixem-me generalizar. Irritar-me com quem não luta pelo que é seu de direito. Com quem compromete a sua felicidade. Arrasta a tristeza dos outros. Já lhe disse que vou por ela falar com ele. Explicar-lhe por A mais B que está a fazer tudo errado. Talvez eu e ela troquemos de papéis. Talvez ela tenha mais facilidade em decifrar-me.

Há um Ferrari estacionado na garagem do meu prédio

Há um Ferrari estacionado na garagem do meu prédio. Estava lá esta manhã quando sai para abrir o portão. [Continuo a pedir ao Pai Natal que me ofereça um comando.] Há um Ferrari na garagem do meu prédio e eu arregalei os olhos. Abri finalmente a pestana, num daqueles dias de acordar difícil. Deixei o despertador tocar de nove em nove minutos [não são dez nem cinco, são nove minutos entre um toque e outro] por quase uma hora. Mas pelo menos hoje não acordei virada do avesso. Aconteceu-me ontem. Não acontecia há muito tempo. Talvez a culpa seja da sangria de champanhe. Da cama estreita de uma casa saloia. Do silêncio em excesso. Da saudade. Nestes dias nem sei o que tenho. Sei que não estou bem.

José, o grande Cid

Acabei de chegar de um espectáculo único, ao vivo e de graça, no Casino de Lisboa. O chamado espaço Arena Live tinha hoje José Cid em palco redondo, com Mike Seargent à guitarra e uma multidão louca a cantar tema por tema, todos os refrões. Disse ele que, em 50 anos de carreira, tinha sido o público mais afectuoso e o coro mais afinado de sempre. Não sei se é hábito de José cid mentir às multidões, mas se o fez, esta noite, fez mal, porque de facto, o público, era cinco estrelas. Uns por gozo, outros por recordação, outros por militância, talvez outros por curiosidade - eu estava lá pelo puro prazer de regressar aos anos 70/80 - todos aplaudiram, cantaram, gritaram, apoiaram o cantor que se auto-intitula a mãe do rock português.

Cid está anafado, gordo, diria mesmo, e o branco já não lhe fica bem, ao piano. Pulseira no braço e aliança no dedo, fio ao pescoço e os mesmo óculos escuros de sempre, revirou o público que esqueceu as máquinas do Casino para ouvir a máquina que ainda é o homem de ontem, hoje e amanhã. Tocou os grandes êxitos e ainda teve oportunidade de pôr tudo aos saltos com o refrão do Amanhã de Manhã, das Doce. Fez homenagem ao Tó-Zé Brito e trouxe o Rei D. Sebastião do nevoeiro. Claro que não faltaram êxitos como Amore, Amour ou A cabana. E todos, todos cantaram. Havia quem se chegasse ao pé do palco - visto em três níveis diferentes neste novo Casino, para se prostar, ajoelhar perante a carreira de José Cid.

Foi, sobretudo, um concerto muito divertido. Foi bom ver a minha geração - a dos 30 -a geração dos meus pais e outros que podiam ser meus sobrinhos - filhos, não - a entoar as mesmas canções, a retirar dali o mesmo prazer, a pedir mais e mais a um José Cid emocionado e, quem sabe, de lágrimas nos olhos. Cid bisou duas vezes, e saiu com vários seguranças atrás. Os espectadores queriam mais. É que o espectáculo foi mesmo bom!

A Farol - editora do cantor - ofereceu-lhe um dico de platina - creio que é já o segundo - pelas vendas deste último álbum. Um disco de memórias que mostra que Portugal ainda vive num certo passado, ainda gosta de recordar tempos antigos, ainda precisa de olhar para trás para continuar com força. José, o grande Cid, também deixou mensagem. E talvez esteja ainda nas letras moribundas de um macaco que gosta de banana, o impulso para acordar com um sorriso, apenas por se gostar de alguém. Seja qual fôr o termo de comparação!

domingo, novembro 19, 2006

Solidão (III)

Andava à procura de um casaco para o Inverno enquanto pensava no e-mail que tinha recebido. Era simpático o que lhe dizia o tal Rui, e acabava com um convite para jantar, naturalmente. Ela ainda não tinha decidido. Primeiro tivera a certeza que valia a pena apostar assim, numa coisa nova, num método moderno; mas depois vieram os receios, o medo de ser uma pessoa demasiado 'dada' aos olhos dos outros, o próprio Rui poderia achá-la leviana por aceitar um convite de um desconhecido, de um homem que se limitara a conhecê-la por umas linhas no seu blog. O vermelho ficava-lhe bem. Era comprido de botões prateados e começou a pensar com que roupa poderia vesti-lo. Fez, na cabeça, duas ou três mudas onde o casaco assentaria perfeitamente e resolveu dar os 99 euros que estavam marcados na manga. Poderia responder-lhe nesse dia. Estava frio e já podia usar uma coisa que lhe disfarçasse as ancas. Sempre tivera complexos por causa das ancas. Mas era uma ideia feita apenas na cabeça dela. Pagou e saiu da loja com a consciência tranquila e uma decisão tomada. Nessa noite iria agarrar-se ao computador!

meia-lua de leite ou Solidão, uma parte dela

Mais cidade que sexo

As quatro mulheres deste blog juntaram-se para um fim-de-semana de 'despedida de solteira'. Não foram dias de folia, com objectos fálicos pendurados ao pescoço, nem tão pouco houve alcóol a mais (mesmo tu I., não falaste francês o suficiente).

Houve um brinde pela eternidade, pela felicidade e, sobretudo, pela amizade.

Pela minha parte, só posso agradecer às outras três desta casa onde quase sempre habitam apenas duas de nós. Não importa. Fora da escrita e do imaginário, na vida real e de todos os dias, somos realmente amigas.
E sinto que isto é para sempre!
Que o seja também o teu casamento I.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Mulheres*


[*Tira gentilmente roubada na mesa do lado]

[Afectos X]

Não entende este amor. O medo. A ausência elevada à potência máxima. Mesmo quando a noite é partilhada. As mãos que se encontram nos sonhos. A pele que se sente. Faz-lhe falta o toque. O cheiro. O olhar. A voz. A cada hora.

O jardim

São Pedro de Alcântara está em obras. Agora passo por lá todas as manhãs. Regalias de quem tem lugar de garagem, ainda que emprestado. Gosto daquele jardim que me faz sempre pensar em sardinhas assadas e no Paul Auster. O gajo que escreve como ninguém e que contou a uma jornalista que gosta de Portugal pelas sardinhas assadas. A entrevista foi dada quando veio apresentar o Oracle Night. Na mesma altura em que passei duas horas na Fnac do Chiado à espera de um autógrafo. Foi difícil de escolher o livro que guardaria a assinatura do mestre. Acabou por ser aquele mesmo. Capa azulada, papel grosso e grosseiramente aparado. È edição da Henry Holt, como são ultimamente todos os livros do senhor. São os únicos que não consigo esperar por ver traduzidos. Os únicos que me fazem quebrar o meu jejum forçado de Fnac. Sei que gosta de sardinhas assadas porque estava escrito na Atlântico. A revista que me levaram à hora de almoço, enquanto eu via a cidade do outro lado da avenida. Tenho uma capacidade extraordinária para me lembrar de coisas absolutamente inúteis. Esta é sem dúvida uma delas. Não foi sequer um dos melhores dias. Estava frio para Junho e o céu carregado de cinzento a ameaçar chuva. Quero voltar a sentar-me naqueles bancos para construir novas memórias. Mas São Pedro de Alcântara está em obras.

Solidão (II)

Ao fim de três meses a blogar já tinha umas quantas visitas. Não muitas, mas uma boa meia dúzia que deixava sempre comentário. Havia um anónimo que se divertia a escrever parágrafos atrás de parágrafos. E dava-lhe conselhos, e dizia que se sentia como ela, e partilhava dos sentimentos que ela ali descolava. Ela andava hesitante com tudo aquilo, mas aprendeu com um amigo e passou a ter, para além da caixa de comentários, um endereço de e-mail. Para os que quisessem alguma privacidade no contacto com ela. Esperava que o anónimo acusasse o toque e passasse a ter um nome, uma personalidade, uma figura.

Escreveu então o post do convite - não sei se já repararam mas agora tenho e-mail - e ali explicou as maravilhas da caiza postal electrónica para pessoas como ela, solitárias, dependentes do computador para a vida profissional e para o dia-a-dia, capazes de separar as águas e ter um hotmail pararelo ao endereço lá do trabalho. Estava nisto quando recebeu uma mensagem. Era do anónimo. Chamava-se Rui, ao que parecia, e também lhe mandava a mensagem de um hotmail. 'O anónimo sou eu', dizia, e prosseguia com uma série de frases que encaixavam na perfeição naquilo que ela queria ler. Foi quando se questionou se devia ou não responder-lhe...

quinta-feira, novembro 16, 2006

Dinheiro para gastos

Estou farta de viver à conta do mês seguinte. Farta de dever dinheiro a toda a minha família, farta de não ter dinheiro para comer o que me apetece, para vestir o que me dá na gana, para comprar o que gosto de ver nas montras, para decorar a minha casa de outra maneira, para pagar as dívidas fixas ao fim do mês. Estou farta que o dinheiro não me sobre. Estou farta que o meu ordenado não seja suficiente para uma vida regrada, serena, equilibrada, como a das pessoas normais, as pessoas que ganham menos do que eu e ainda têm filhos e outros gastos que eu não tenho. Estou farta de ser desorganizada, de não mandar para o banco todos os papéis que me pedem. A tempo. Farta de contar com o subsídio de Natal esquecendo-me que parte vai ser gasto em presentes, farta de não comprar os presentes que as pessoas merecem, farta que o dinheiro que tenho não chegue para aquilo que quero.

Pago a casa, e a água, e a luz, e o gás, e o ginásio, e a mulher-a-dias (só três horas por semana), e a lavandaria, e as portagens, e o gasóleo, e a TV cabo, e a Internet. Pago ainda o seguro do carro, o condomínio, as refeições de todos os dias. Não pago o supermercado que a minha mãe me oferece. Não pago o carro que os meus pais me deram há cinco anos; não compro roupa mas às vezes recebo-a de presente. Pago os médicos, os medicamentos, os estacionamentos, e às vezes corto o cabelo e arranjo mas mãos. Às vezes. Não pago discos, nem livros, nem dvds porque mos oferecem todos os dias no trabalho, não pago livros infantis para os meus sobrinhos lerem quando cá vêm a casa, e pago presentes de aniversário todos os meses. Também sou convidada para casamentos, e para baptizados, e para festas, para simples jantares onde não gosto de ir de mãos a abanar.

O dinheiro voa e não sobra para os gastos. O dinheiro está mais caro e a carteira fica sempre vazia, o multibanco queixa-se todos os meses, a conta-ordenado vai acabar e não quero usar o American Express. Mas já o usei. Porque as dívidas amontoam-se, porque todos os dias avaria uma coisa nova - o congelador, por exemplo, cujo arranjo me custou 90 euros - e todos os dias tenho de tomar o pequeno-almoço, e tenho de beber os meus galões, e não almoço porque também não tenho fome, e janto fora quando me convidam e pagam o jantar.

Esta é uma vida miserável que pode ser a minha, ou a de tantos outros. Vivemos acima das nossas possibilidades, não temos extras para o que der e vier, não somos organizados nas nossas contas mensais. Não temos dinheiro e somos pobres por isso. Não os pobres verdadeiramente pobres que, de facto, não têm dinheiro, mas os pobres que não sabem usá-lo, guardá-lo, mantê-lo. Somos os pobres dos tempos modernos.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Serviço público*

Os homens portugueses dão às mulheres muito menos jóias e viagens como presente de Natal do que estas desejam, e abusam das roupas e, sobretudo, dos CD e DVD, de acordo com um estudo hoje divulgado pela consultora Deloitte.

As viagens são a quarta prenda preferida pelas mulheres (46 por cento de respostas positivas) e as jóias a sexta (27 por cento), mas apenas dois por cento e nove por cento dos homens, respectivamente, as oferecem, segundo o estudo Natal 2006, hoje divulgado. "Muitas mulheres irão ficar desiludidas este ano. Elas esperam receber mais jóias e sonham em ir de férias. Pelo contrário, receberão um livro, roupas, CD ou DVD", afirma a consultora.

Para a Deloitte, "os presentes tradicionais, como perfumes e roupas, são escolhas seguras", mas "um bom conselho para os homens que ainda estão indecisos é comprar cheques-brinde, uma vez que parecem ser apreciados pelas mulheres e causarão menos desilusão".

O presente preferido pelas mulheres portuguesas é o livro (58%), seguido das roupas (53%) e perfumes e cosméticos (48%).

A maior discrepância entre os anseios femininos e os presentes surge na categoria "CD, cassetes, DVD e vídeos" – 32% das mulheres querem, 46% recebem.

As mulheres portuguesas revelam ainda uma preferência em larga medida insatisfeita no que diz respeito a televisões de ecrã plano e a computadores.

No que diz respeito aos adultos em geral, o estudo da Deloitte indica que os presentes mais apetecidos são livros, roupas e viagens, surgindo no fundo da tabela telemóveis e jóias.

"No entanto, os artigos de áudio e vídeo digitais são os produtos mais oferecidos, embora seguidos de perto pelos tradicionais presentes", que são "apostas mais seguras", diz a consultora.

(…)
In Lusa

[*em versão não-digam-que-não-avisámos]

Lamentos

Já repararam como a temperatura desceu? Parece que o sol ficou, de um dia para o outro, cansado. Ouviu o despertador, abriu a pestana, levantou a cabeça do travesseiro e decidiu que não tinha forças para continuar. Meteu na cabeça que precisava de tirar umas férias. Licença sem vencimento. Qualquer coisa. Desde que não tivesse que acordar todos os dias de madrugada e fazer cara alegre como se nada tivesse acontecido. Mandou um substituto. Fraquinho, fraquinho. Como eu o percebo... Mudei de horários. Mas não mudei de vida. E se mudei foi apenas para pior.

Há que ser honesta e admitir os nossos [meus] próprios defeitos. Eu sou a gaja que passa a vida a queixar-se. As minhas prosas têm algo de muro das lamentações. Talvez seja só isso mesmo. A necessidade de me queixar de qualquer coisa. Da falta de tempo. Do Verão que acabou. Da obrigação de ir comprar a roupa para aquele dia. Da falta de dinheiro para passar a hora de almoço na Fnac. Da casa que não se arruma sozinha. Do gasóleo que está mais caro. De nunca chegar a casa a horas. De não ver os meus putos. De não namorar mais contigo... Como dizia uma amiga minha... porque sim e porque não. Desde que me possa queixar...

[Nada disto, faz sentido… mas a Samantha exigiu que viesse aqui dizer que estou viva. Estou. Por enquanto..]

terça-feira, novembro 14, 2006

Solidão (I)

Abriu os olhos na escuridão e passou a mão na almofada do lado. Estava vazia. Como sempre estivera. Ela insistia em pôr lá aquela almofada, vestida com a fronha dos bordados rosa, a condizer com o lençol, discreto, que a mãe lhe fizera quando estava de licença de parto. Fechou outra vez os olhos e imaginou quem gostaria de ter ali ao lado... não lhe ocorreu ninguém. Estava num ponto de solidão que já nem sabia quem desejava ter por companhia. Pôs os pés no chão e enfiou os chinelos. Na cozinha fez pequeno-alomoço para um mas deixou, à frente da sua, uma segunda caneca pronta a fumegar de leite. Não a encheu para não desperdiçar. Mas pôs também uma colher e um guardanapo. Comeu a olhar para a loiça vermelha, polida, comprada nuns saldos de uma casa com anúncios para listas de casamento. Ela entrara para ver o que tinham os casados, em casa. E comprou umas coisas. Tudo aos pares. Mas entrou e saiu sozinha.

Já tinha tomado banho e escovado os dentes com a escova azul. Tinha uma verde para o caso de alguém, um dia, ir lá dormir a casa. Um homem, uma amiga, um familiar... qualquer pessoa que servisse de companhia naquele fase de tristeza profunda que atravessava. Nunca tinha sentido a falta de nada nem de ninguém. Fora escolha dela, viver sozinha. Mas agora, passados três anos, começava a sentir-se envelhecer e não há nada mais triste que envelhecer sozinho.

Saiu de casa aprumada. Estava sempre com as roupas e acessórios do ultimo grito da moda. Não tinha problemas com o dinheiro e tinha bom gosto, graças também a três anos que fizera do curso de arquitectura, antes de mudar a vida completamente ao contrário e entrar em engenharia do ambiente, no Técnico. Agora trabalhava para o Ministério e tinha bons contactos no Governo. Entrou no gabinete onde trabalhava sozinha e o seu 'Bom Dia' recebeu apenas uns sussurros de todos os que já estavam no 'open space' imediatamente antes do gabinete dela.

Passou o dia entre o computador e a sala de café. Não fumava mas não passava sem o expresso várias vezes ao dia. Quando a máquina avariava descia as escadas a correr e ía lá abaixo, à Dona Alice, um cafézinho de esquina que também servia fatias de bolo caseiro. Perdia-se, por lá, por isso preferia o café do gabinete.

Era sexta-feira. Não tinha planos para o fim-de-semana a não ser os do costume. Telefonar aos pais que viviam a 200 quilómetros e prometer-lhes uma visita para breve, ler o jornal na esplanada e dormir. À noite enrolava-se no sofá e via filmes. Uns atrás dos outros.

Era uma mulher interessante, inteligente e de boa conversa, quando tinha oportunidade. Mas afastara-se do mundo e o mundo esquecera-se dela. Os amigos achavam que ela estava sempre a trabalhar, a família já tinha esquecido o seu nome para os convites de almoços e jantares, os colegas tinham vidas próprias e mulheres, e maridos e filhos. Ela não.

Tinha-se interessado recentemente pelos blogues. Abrira um a que dera o nome de 'Loba Solitária', não era muito atractivo, mas tinha um belo lay-out, concebido pela potencial arquitecta. Aos 35 anos já não sabia mais que fazer para descrever os dias que passava em deserto. Por isso decidira escrever.

Um dia, começou assim: Sinto-me tão sozinha nesta vida...

domingo, novembro 12, 2006

Está uma bela tarde para um lanche no jardim...

Vejo daqui a relva plantada em escalracho, pronta a crescer e a multiplicar-se, até cobrir o rectângulo que tenho lá fora e que foi, até há poucos dias, a minha vergonha, o meu desespero, um dos sinais da minha intranquilidade e desorganização. Hoje sinto-me bem a olhar para as buganvílias plantadas nos canteiros laterais, e com cores alternadas de rosa e branco para crescerem misturadas e darem flor de duas tonalidades.

A partir de agora esta casa será diferente. Há mais vida para além da minha. É preciso cuidar dela como preciso de cuidar de mim - para começar vou arranjar as mãos amanhã de manhã, e pintar as unhas de carmim. Arrojado. - Vivi dois anos de horror a olhar pela janela e a ver um jardim que parecia a selva, no Inverno; os campos tunisinos, no Verão. Um espaço sem beleza, onde a vida das plantas se misturava com a morte; as secas consumiam as mais resistentes, e as ervas não deixavam brotar as flores. Era um jardim ignorado, mal-tratado, incontrolável porque nunca mexido.

Pensei muito e vi que não era capaz. Como na vida, nos jardins também precisamos de ajuda para crescer, para mudar, para apagar a imagem do passado e construir uma nova, de raiz, apenas com a mesma terra enquanto base. Este jardim representa-me. Sou também uma pessoa a florescer, aos poucos, com umas pinceladas aqui e ali de cor. A terra que me sustenta, a minha personalidade, não mudou, mas mudam agora as formas de estar, de sentir, de viver, de avançar.

Vou olhar todos os dias para o meu novo jardim e pensar nisto. Vamos crescer juntos. E trataremos um do outro, para que nenhum esmoreça e perca as folhas viçosas.

É que todos os dias podem ter uma bela tarde para um lanche no jardim...

Cedo demais

Acordo às sete da manhã de um domingo porque os sonhos não me deixam o sono. É como se muitas criamças se abeirassem da minha cama prontas a ver os desenhos-animados. Volto-me para um lado e para o outro e digo-lhes o que fazer com o comando da televisão mas, mal fecho os olhos, uma delas vem pedir-me que lhe esclareça uma dúvida. Assim são os meus sonhos: repetem as histórias e pegam no ponto em que estavam quando os abro e fecho outra vez. E ainda têm a desvantagem de não ter a voz doce e ternurenta das crianças que conheço.

Decido-me pelos cereais e saio da cama. Espalho bem o iogurte e misturo aquele creme branco com os All Bran que a mãe me deu. Sabe-me bem começar assim o dia, mas os olhos continuam a fechar-se, e só não me deito porque temo aquele sonho em que a minha sobrinha vai sozinha à farmácia e lhe acontecem alguns percalços, de tal maneira que tenho de ir atrás dela, para protegê-la e garantir que nada lhe acontece. Nos meus sonhos há bonecos que falam, animais que se transformam noutros, teclados que apitam, discos voadores que caem do céu, nas minhas mãos... há de tudo o que é mais inverosímel e sem graça.

Escrevo este post para desabafar. Embrulhada a uma manta porque dormi nua. Sozinha, mas despida porque o corpo pode querer respirar no seu todo. Vem-me à cabeça o pesadelo em que um dos meus colegas de trabalho perde um olho. Terrível. Sai de lá um líquido viscoso e, em segundos, volta a ter olhos castanhos e a chamar-me pelo nome. Nunca tinha sonhado com ele - que me lembre - mas esta noite andou por ali, a rondar-me, as horas que pôde.

Estou cansada. Depois deste post vou fazer uma nova tentativa. É domingo de manhã e não se ouve uma mosca. Os miúdos podem ver os desenhos animados, se quiserem. Estão em quase todos os canais. Mas hoje não vieram e acordam em casa dos pais. Provavelmente há muito que o fizeram.

Agora sonho com um sonho que gosto de ter. Um de que não me lembro pela manhã mas sei que me deixa serena.
É que ao domingo gosto de me levantar mais tarde.

sábado, novembro 11, 2006

Castanhas

Estavam assadas e eram 12. Uma dúzia por dois euros. Enroladas em papel arrancado às Páginas Amarelas, na letra 'N', como se a lista estivesse a acabar.

Estaladiças quando as abriu, uma a uma, sentou-se num banco, egoísta, a saborear as castanhas.

Era Dia de S. Martinho.
E nenhuma trazia bicho.

Saudade

Deitou-se de barriga para cima no tapete da sala, aquele fofo e que ela adorava o
puxar nas pontas. Era mais ou menos do tamanho dela, de braços abertos. Foi nessa posição que ficou longos minutos, a olhar para o tecto, a perceber os contornos do candeeiro pendurado a direito, a ler de cima para baixo as lombadas dos muitos livros nas várias prateleiras da sala. Viu que as paredes estavam completamente brancas e gostou do contraste que um Monet fazia numa das fachadas. Ela preferia Miró mas aquele tinha-lhe sido oferecido, pelos amigos, no dia em que casou. Já lá iam cinco anos e agora ali estava sozinha, divorciada, já com um novo romance na história da vida que fazia agora dia após dia.

Virou as palmas das mãos para cima como se esperasse que a felicidade andasse por ali, a pairar, e pudesse ser agarrada, assim, sem mais nem menos, desprevenida. Continuou a rodar o pescoço pelas partes altas da casa, apenas iluminadas pela luz de vela acesa, que fazia tremelicar a chama e ainda cheirava bem, a baunilha. Sentia-se só naquela noite, entre o passado que insistia em amarrá-la e o presente que vivia serena. Estava só com ela, naquela noite, porque ele estava do outro lado do rio, cumprindo tarefas de filho pródigo, afastado dela por uma ponte, próximo ao primeiro toque de um telefone que deixava ouvir, da linha de lá, um gosto tanto de ti. Gosto mesmo. E depois fazia piii...

Prendeu os olhos na chama e quase se deixou hipnotizar, à medida que revisitava situações da vida, passada e recente, situações de sofrimento, e outras de doçura. Escolhia as de doçura e tentava arrastá-las, torná-las mais demoradas, estendê-las no tempo. Vinha sempre o passado interromper, nestes dias em que se deitava no tapete. Mas também lhe acontecia deitada na cama ou no sofá. Era indiferente: aquele sorriso, aquele abraço, aquele adeus, aquela esperança, aquele choro, o desespero... Tudo lhe vinha à memória para competir com a tranquilidade de um beijo nos olhos, de uma carícia nas mãos, de um afagar no cabelo.

Fechou os olhos com força e concetrou-se nesses momentos. Imaginou-o, redondo, ao lado dela, bigode aparado e barba tão bem feita que parecia ter pele de bebé. Imaginou-o com a camisa para fora das calças de ganga de marca - que não dispensava -e de mangas arregaçadas porque, para ele, estava sempre calor. Deu-lhe a mão nos sonhos que então deixava chegar até ela, e apertou-o com força. Sentiu-se confiante, mesmo quando percebeu que apenas tinha, entre os dedos, os fios grossos do tapete castanho.

Deixou-se embalar pelos pensamentos que ele lhe trazia. Sabia que pensava nela, estivesse onde estivesse, que pensava nela. Abriu os olhos devagar e lá estava a chama a fumegar. A vela parecia não gastar-se, naquela noite e a noite parecia não terminar, para aquela luz. Então sorriu.

Puxou uma manta num arrepio de frio e ali ficou, à espera que a luz acabasse. Via pela janela uma lua em quarto minguante, que desapareceria com os dias que passam. Ela gostava da lua. Mas preferi-a cheia, brilhante, segura num céu que de negro se fazia azul, com as estrelas e polvilhá-lo, vistas daquela casa tão pouco iluminada. Pensou que o abraçava e que o beijava na testa. Disse-lhe boa noite e deitou-se em posição fetal.

Ainda rezou pelos dois. Por eles os dois.
Esqueceu-se dela. E adormeceu.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Sintomas

Digam-me por favor quais são os sintomas do amor. Acho que ele anda por aí mas tenho medo de aceitar os sinais... Sente-se o quê, afinal?

terça-feira, novembro 07, 2006

Gotas de chuva

Gotas de chuva no meu terraço. As ervas foram arrancadas esta manhã e a terra está agora pronta para receber uma Primavera antecipada. Um jardim que desejo há meses e que finalmente se planta.

Mesmo se chove a cântaros, oiço-te do outro lado das gotas, por mais grossas que sejam. Se a água cai, é la com ela... Nós conseguimos manter levantada esta emoção, esta ternura que agora nos une.

Por mim, podes vir, quando quiseres, passear no meu jardim.

She's Like a Bird

Esta profissão que eu tenho traz-me diariamente muitas surpresas, tem a vantagem de raramente ser maçadora, tem ainda a vantagem de me fazer cruzar, todos os dias, com pessoas novas e diferentes, e consegue, imagine-se, ao fim de 13 anos, surpreender-me.

Desta vez a aposta foi levar ao Jornal da Noite a Nelly Furtado, a menina que começou a cantar 'tipo' santa, o I'm Like a Bird, e que agora anda semi-nua a dizer que é uma devoradora de homens, no mais recente êxito Meneater. Quando estava a escrever a peça de apresentação que era uma espécie de biografia da rapariga, deixei-me levar por quase todos os sons, desde esse passarinho que voou em 2000, até à Força que ela trouxe para o Europeu de Futebol, em 2004. Músicas que dão sempre para bater o pé, abanar a perninha ou qualquer coisa desse género. Simpatiza-se. Depois, os clips mais recentes, mostram-na com outro look, tipo mulher fatal, em músicas que dão pelo nome, por exemplo, de Promiscuous! A peça saiu limpa, com respirações para que cada música se pudesse ouvir, meramente informativa, como tem e deve ser...

E eis quando senão Nelly me aparece à frente, vestida de negro, cabelo à Maga Patalógika, e uns olhos de um azul céu, enormes, simpáticos, duas romãs abertas a olhar para mim e um sorriso franco, branco, bonito. Deixei-a passar pela carpete vermelha e lá foi ela em direcção ao estúdio, onde ia ser entrevistada à séria. Num português muito bom, para quem sempre viveu no Canadá, Nelly lá foi falando e rindo, falando e rindo.

Eu estava embevecida a ouvi-la. Não como nos embevecemos a ouvir um concerto de música clássica sem uma única desafinação; nem como quando vemos um filme que nos traz lágrimas aos olhos. Não. Fiquei apanhada por tanta simpatia, tanto à vontade, tanta simplicidade e tanta confiança. Riu-se muito e ao princípio até podia parecer tonta. Mas no fim da terceira resposta já tinha desarmado toda a gente - a mim pelo menos - e já tinha a câmara a mostrá-la resplandecente. É que as câmaras também fazem das pessoas feias e antipáticas, se a postura delas enveredar por aí. Nelly nã. Consegue captar nos olhos todas as atenções, no sorriso todos os outros sorrisos, nas gargalhadas quebra o gelo e é como se já estivessemos na sala a beber um chá e a conversar sobre a vida.

No fim da entrevista falou comigo enquanto bebia um galão. Abraçou-me na despedida. Olhei para aquela mulher linda, um espanto, uma sex symbol, sem dúvida, e senti que até podíamos ser amigas. É curioso: já tinha sentido esta proximidade com a Shakira. Creio que a explicação é uma só: observamos as pessoas e fazemos delas um determinado juízo. Criamos-lhes uma imagem conforme a nossa apreciação, admiração... mas tudo isto ao longe. Porque ao pé de nós, mesmo as estrelas, são pessoas normais, que gostam de conversar e relaxar, que pedem uma opinião e gostam de ouvir a resposta, que surpreeendem, não por serem surpreendentes, mas porque tínhamos feito delas pessoas que elas não são.

Nelly voou da forma certa, neste trabalho que fizemos juntas. Ela é de facto um pássaro, com uma força que ninguém pode parar. Quanto a ser uma Meneater, tenho dúvidas... lá está: faz parte do teatro que cada um tem de fazer em certas alturas da vida.

segunda-feira, novembro 06, 2006

E ainda não é Inverno

Chego a casa quando a noite se faz dia. Faltam algumas horas para que os relógios digam que é manhã. Para que comece o bulício de segunda-feira. O vai e vem dos carros. Dos rostos carregados. Zangados com a vida. Com a mulher. A semana que não acaba. O trabalho que consome. A conta bancária que emagrece no mês que mal começou. O carro da frente que não anda. E a chuva que não pára... Chego a casa quando a noite se faz dia. Sinto-me segura aqui sentada no meu tapete vermelho. Protegida da trovoadas. Das cheias. Da água. Da lama. Da vida que se faz mais pobre.

domingo, novembro 05, 2006

Carlos do Carmo

Acabei de chegar do Auditório dos Oceanos onde assisti, a convite do Rei, ao concerto de Carlos do Carmo com a Sinfonietta de Lisboa. Exemplar. É o que posso dizer: exemplar!

Este homem de mais de 60 anos e cabelo todo branco mantém uma voz firme e terna, um ar simpático, palavras doces e, melhor do que tudo o resto, uma capacidade e um gosto enorme por cantar bem. Venho entusiamada e até admirada. Há muito que não ouvia fado, e há muito mais tempo que não ouvia o Carlos do Carmo. Ele cantou os temas de sempre, A Canoa e A Lisboa Menina e Moça... mas também outros, de autores que desconhecia; e temas novos, de uma novo disco que está para chegar com poemas de autores tão estranhos (ao fado) como Nuno Júdice ou Fernando Pinto do Amaral... Palavras lindas saídas em verso de uma voz límpida e com a noção perfeita dos tempos, da métrica, das pausas, das palavras como devem ser ditas e cantadas no fado.

Mas houve mais quem me impressionasse. O Ricardo Rocha. Eu conhecia o disco do Ricardo Rocha, que toca guitarra portuguesa, e achava que ele era bom. Enganei-me: ele é muito bom. Uma espécie de querubim de Carlos do Carmo, o homem não precisa de mais nada para que se faça o espectáculo. As mãos dele sepenteiam a guitarra e tiram dela os sons mais afinados que ouvi nos últimos tempos. A guitarra realmente chora, mas será de emoção, nas mãos de Ricardo. E depois, a atitude. Sereno, não se ri com as piadas do cantor, que até se mete com ele por causa disso, e mantém uma postura profissional, quase infantil, como se ficasse zangado sempre que os seus acordes não são necessários numa ou noutra parte da música. É um virtuoso: o único que tocou todas as músicas de cor, e ainda improvisou para torná-las mais brilhantes.

Voltarei a ouvir Carlos do Carmo mal saia o novo disco. Fiquei com vontade de adormecer com aquela voz a entoar poesia nos meus ouvidos, a falar de amor e de saudade, de Lisboa e do Tejo, em palavras que encaixam e não se banalizam, mesmo que repetidas vezes sem conta. E o fado também se faz de repetições.

Por mim, este concerto podia ser amanhã outra vez!

sábado, novembro 04, 2006

Afectos [ix]

Sem saberes, proteges-me nos sonhos. Intimidas os pesadelos, que nestas noites não passam da ombreira da porta. Adormeço na curva do teu ombro e durmo o sono dos justos até de manhã. Bom dia.

Irmão do Meio

Tens nome de álbum do Sérgio Godinho mas a tua onda musical é outra. Aliás, não é nenhuma porque limitas-te a ouvir o que passa na rádio e nãos gastas dinheiro em discos e em dvd's. Não importa, tens o teu próprio som, e isso agrada-me.

Puseste-me as prateleiras direitas, tão direitas como tu próprio tentas ser, na vida. Recto, correcto, disciplinado, coerente e equilibrado. E exiges o máximo a todos, mas todos mesmo, os que te rodeiam. As decepções lá vão surgindo por isso mantens un naipe curto de amigos. Mas quando tens um, és mesmo dele, e ele é mesmo teu. Como comigo: calhou engraçares com a tua irmã mais nova e agora ela é a tua protegida, a tua filha mais nova, mesmo quando tens outra com pouco menos de um mês. És ríspido, às vezes cruel, mas és como aqueles pais que fazem tudo para nosso bem. Só que és irmão. O do meio.

Perdeste o teu melhor amigo quando eu perdi o meu. Isso uniu-nos mais porque sentimos ambos a falta de alguém, mas agimos de maneira diferente: eu chorei-o e ainda o choro vezes sem conta; tu expurgaste-o, afastaste-te dele e quiseste afastá-lo de mim. Lembras-te da aposta em que dizias que deixavas de fumar? Perdeste e pagaste-me uma viagem aos Pirinéus... uma semana sem gastos. Foi bom porque estava nas lonas, para ti foi bom também, porque me fizeste o que farias sem aposta nenhuma e ainda tiveste um pretexto.

Não te peço conselhos porque sei que és o teu maior crítico, e por isso criticas tudo à tua volta. Mas nem preciso de pedi-los, estás sempre a dar uma opinião, mesmo quando os teus silêncios se prolongam. E como são grandes os teus silêncios. Gostas de ouvir e pensar, pensar, para agir sem falhas. Às vezes falhas demais, mas apenas porque persegues a perfeição.

Tens mãos de príncipe que conseguem arranjar tudo aquilo que tocam. Escolho-te para meu carpinteiro, canalizador e pintor. Chegas quase sempre atrasado mas vens. Vens com o teu humor próprio, a tua ironia, fazes de conta que me fazes um favor, e pensas orgulhoso que o fizeste a ti mesmo: mais uma vez, numa simples acção, ajudaste a tua irmã a ser melhor, a crescer melhor, a evoluir melhor.

Não tens de ter medo de rir. Muito menos de sorrir, abraçar e dizer que gostas. Assusta-te, a alegria partilhada e as provas dadas, de amor, de ternura, de agradecimento.

Nunva lerás este post porque não faz parte dos teus hábitos andares por este caminho. Talvez por isso possa dizer-te tanto, sem nunca te dizer quse nada.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Apetites

Há coisas que não mudam. Por muitos anos que passem. Por muito que aprenda. É assim com as minhas repentinas mudanças de humor. Um milissegundo entre a gargalhada e a lágrima. Do choro à euforia. Sempre sem explicação [aparente]. Mudo de ideias. De amores. De vontades. Simplesmente mudo. Há quem lhe chame indecisão. Eu chamo-lhe dinâmica. Em coisas tão elementares como os planos para uma sexta à noite. As combinações de fim-de-semana. A roupa que escolho de manhã. O livro da mesinha de cabeceira. As prioridades, e a sua ordem na minha vida, mudam em proporção directa da falta de tempo. Por estes dias recuso-me, ainda mais do que o costume, a fazer fretes. A estar disponível para quem não tenho paciência. Faço o que me apetece quando me apetece.

Não sei escrever de outra forma

Sento-me para escrever com a consciência que estou em falta. Não passa de hoje. Reclamas a minha presença porque te sentes abandonada. Há quem a exija apenas porque lhe faz falta. Leio o que escrevi e tenho consciência que esta é a minha interpretação. Talvez apenas sinta falta das palavras porque se apaixonou. Quando não eram mais do que isso. Caracteres de um mundo que não era o dele. Quando o anonimato ainda me pertencia. Tenho saudades desse tempo. Em que [muito] poucos conheciam a cara por trás dos frases. Dos tempos em que as prosas eram percebidas por alguns ‘iluminados’. Aqueles que apareciam dentro dos posts. Tenho saudades dos posts que lia que só eu percebia. Há uma dose enorme de prazer nas palavras estendidas à vista de todos que tem um único destinatário. Eu gosto. Queria continuar a escrever com essa liberdade. Porque não sei escrever de outra forma.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Irmão mais velho

Sempre tiveste uma grande lata e isso fez de ti, muitas vezes, o preferido de todos. Até certa altura tiveste boas notas e, até hoje, consegues ser dos mais espertos e inteligentes que conheço. Sempre informado, tens sempre uma opinião e uma palavra a dizer. E não és daqueles que dão seca. Às vezes tornas-te arrogante, é certo, mas as tuas qualidades estão acima de qualquer crítica.

Lembras-te dos tempos em que me prendias os braços e me imobilizavas o corpo para fingir que cuspias na minha cara? E eu virava-me de um lado para o outro a fugir à saliva que gostavas de exibir, para mostrar a tua superioridade em relação a mim. Esses tempos já lá vão. Hoje - tenho a certeza - se visses alguém fazer tal coisa corrias em minha protecção. Habituaste-te a proteger-me.

Quando eu mais precisaei e até agora. Os teus telefonemas caíram-me sempre como salvação, em momentos que prefiro nem recordar. Eras, do outro lado da linha, o meu fio condutor, o meu conselheiro, o meu ouvinte, aquele que me abria os olhos mas não me criticava, aquele que me entendia, aquele que me serenava.

Recordas-te da noite em que te bati à porta às 4h da manhã? Deixaste-me entrar e chorar, chorar, chorar. Percebeste logo o que se passava e não quiseste interromper o meu desabafo para pedir pormenores. Se eu tos desse - como dei, depois - melhor, senão, ali estaria o teu ombro, na mesma, a tua paciência, o teu sono levado pelo meu pranto.

E a noite do cinema? O filme que quis evitar uma experiência mais dolorosa. Estiveste comigo naquela sala de um cinema que não recordo, era um filme com um actor tão conhecido que me esqueci do nome dele. Foi um filme que vi para não pensar 'naquele' assunto, para chegar a casa e estar já tudo tratado, como aconteceu. Foste comigo até lá. Entraste para perceber que reacção teria. Foi muito má e presenciaste-a. Não tinha e não tenho vergonha de exprimir tudo o que sinto, ao pé de ti. Quiseste levar-me, ficar comigo, estar presente. E estiveste, mesmo sem estar lá.

És o mais velho. Ultimamente já não precisas tanto de me apoiar, de me telefonar, de me sondar. Mas estás sempre atento, Sei que estás. E isso tranquiliza-me. O teu número é dos poucos que sei de cor. E do outro lado, atendes-me sempre. E nunca disseste que não tinhas tempo.

Obrigada por tudo.
É bom ter um irmão mais velho como tu.