domingo, setembro 30, 2007

Lições

“O que você sabe sobre o esquecimento, mais-velho? Há muitos exercícios para melhorar a memória, há até medicamentos, mas ninguém nos ensina a esquecer. Como alguém faz para esquecer?

O outro solta um riso manso.

“Tu não é daqui, certo? Tu não é brasileiro. Pela figura deve ser africano.” Suspira. “Minha avó era africana. Ela sempre me dizia que nunca se esquecem as lições aprendidas na dor. Vejo isso assim, como uma lição.”

'O ano em que zumbi tomou o rio', José Eduardo Agualusa

Tóquio

Ou como passar uma noite a rir à gargalhada até doerem todos os músculos do abdómen. Tricotar várias camisolas, numa secção de corte e costura, enquanto se dança até cair. Perceber que os Xutos escreveram a música que pode ser o meu hino de todos os didiários: A qualquer dia / A qualquer hora/ Vou estoirar, para sempre. Ter várias pessoas a apontar para mim quando a música começa... Compreender que não estamos sozinhas no escárnio e maldizer. Que há muita gente mal-fodida. Que se não o fossem a nossa vida seria mais fácil. É o mesmo sítio de sempre. Em versão melhorada pela necessidade urgente de sair de mim. O sítio onde, como diz a C., renovam a carteira profissional. ‘Quem quiser saber quem sai e quem entra dos jornais, só tem que passar por cá à sexta-feira à noite’. Um rés-do-chão mal amanhado, apertado, sem ventilação, de onde saio empestada de fumo, mas com o maior dos sorrisos. Deito-me cansada, mas feliz. Tenho que fazer isto mais vezes.

sábado, setembro 29, 2007

Estupidez feminina





Até onde pode chegar a estupidez feminina? Longe..., garanto-vos. Se não, vejamos:
Numa imagem digna de qualquer episódio do "sexo e da Cidade" cá estou eu, sábado à tarde, a fazer a ménage caseira, vulgo lide caseira porque isto da ménage sugere sempre andanças mais interessantes do que esfregar a cozinha ou descascar os lumes para a sopa que tenho ao lume.

Acabam de tocar às porta. É o senhor do supermercado com as compras e eu peço ao parceiro para o ir receber porque já não aguento dar mais nem um passo.

Cansada de esfregar? Nada disso. Mas já não me aguento em cima destes saltos de quase 10 centímetros que vieram agarrados aos meus novos sapatos lindos de morrer - como diria a Carrie - e em cima dos quais tenho passado as últimas duas horas de lides domésticas.

Estivesse eu nua com estes sapatos, uma meias de ligas e um avental e talvez até tivesse sorte nesta tarde chuvosa. Mas está frio e estamos de janelas abertas.

E enquanto não me conseguir aguentar nestes saltos sem fazer figura de gaja-parva-que-insiste-em-andar-com-aqueles-saltos-mesmo-parecendo-que-vai-dar-um-trambolhão-a-qualquer-momento resta-me continuar a usá-los em casa, ao fim-de-semana entre uma máquina de roupa e outra.

Há coisas fantásticas neste universo feminino, não há?

sexta-feira, setembro 28, 2007

O Sonho

Há sonhos quase tão antigos como o princípio dos dias. Os meus dias. Há memórias que me foram passadas. Reminiscências de outros que o tempo me impôs no cérebro. Hoje, tantos anos depois, é como se fossem minhas. Como se eu tivesse andado no planalto. Na serra. Junto ao mar. Memórias que recuperei numa versão mais distante – e noutra mais insular – muitos anos depois. Uma terra que me acolheu e onde me senti em casa. Há o cheiro de uma terra que foi minha por muito pouco tempo.Calor. Cores. Sons. Ambientes. Há um sonho que me tornou naquilo que sou hoje. Na profissão que tenho. Há dias em que penso que chegou o momento. Uma vontade do tamanho de um enorme agora-ou-nunca.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Com canetas?

quarta-feira, setembro 26, 2007

Fantasmas

Na verdade não tenho nada para dizer. Mas como toda as meninas abandonaram o barco, cumpre-me a tarefa de vos ir mantendo entretidos. Talvez pudesse falar de fantasmas. O do Hitler e o outro. Aquele com quem me cruzei um destes dias à hora de almoço. A meio de uma garfada de crepe embebido em chocolate de leite, com um pedaço de strawberry cheesecake no topo. Almoços pouco saudáveis que faço com a C. de tempos a tempos. Sabem bem grandes doses de calorias enquanto o calor que resta do Verão ainda se passei pelo Chiado. O garfo no ar a centímetros da boca e de repente lá estava ela. Demorei alguns segundos a reconhecê-la. Perdi a conta aos anos. Aos que passei sem a ver. Aos que passaram sem que me lembrasse dela. Nunca esqueci os anos em que me foi imposta. Com alguma condescendência da minha parte. Afinal os outros só magoam enquanto deixamos. Durante dois anos ‘partilhei’ com ela o mesmo homem. Partilha não é o termo certo. Pelo menos não era em simultâneo. Ou quero acreditar que não era. Ele, sem dúvida um dos homens da minha vida, tinha poucas ou nenhumas certezas na vida. E ia alternando entre as duas. Acho que dependia do lado para que acordava. Nunca percebi o que o motivava. Eu deixei-me andar ao sabor desta vontade até ao dia em que disse basta. Eles continuaram. Por uns tempos, pelo menos. Eu segui para outra vida com a consolação que ele não saiu a ganhar. Os homens da minha vida trocaram-me sempre por mulheres mais feias do que eu. Fraca consolação? Talvez. Ao vê-la por estes dias, sem um espelho por perto, tenho consciência que continuo a fazer virar cabeças. Duvido que ela se distinga numa rua cheia de gente. Acho que o R. tinha razão. Só havia um motivo para que aquele homem me trocasse por ela. Olho-a de novo quando saio da loja e penso no que ele repetia de cada vez que a víamos: ‘ela deve ser muito boa de mãos e de boca’...

Não me parece uma má sugestão

Estou a fechar o computador às 21h48, talvez o mais cedo que consegui esta semana, quando pisca no quanto inferior direito uma nova mensagem. Assunto: ‘Don't get mad, get Valium!’ Numa semana que começou no domingo e a que ainda faltam dois dias estava capaz de dar um saltinho ali à farmácia…

[E lembro-me do J.V.. Sim, eu sou aquela que passa a vida a queixar-se]

Ainda existem histórias de amor


O filósofo André Gorz, cofundador do Nouvel Observateur, e a sua mulher Dorine suicidaram- -se na segunda-feira em Vosnon. Ele tinha 84 anos, ela 83. É uma história de amor.

[...]
Dirigiu-se a Dorine, inglesa de origem, numa noite de neve, em 23 de Outubro de 1947, para a convidar para dançar e nunca mais a deixou. Ela foi atingida por uma doença evolutiva há numerosos anos. Tinham escolhido não ter filhos. André Gorz disse ao Libération em Setembro de 2006: "Em minha opinião, os bons pais são os que sentiram a falta de um pai na sua infância. Eu não tinha vontade de ser pai porque não amava o meu pai. (...) Nós os dois não temos continuidade, nem nada a transmitir. Não tínhamos de fundar uma família para lhe transmitir o que quer que fosse, porque nós próprios jamais tivemos família. Se tivesse tido filhos teria tido ciúmes de Dorine. Preferia tê-la apenas para mim."

No Público

Entre um blog e outro

Muitas vezes é numa noite de insónia que a gente abre os olhos.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Morrer de amor*

A C. diz-nos que agradece à mãe o facto de a lembrar que toda a vida jurou que morreria de amor. Diz que isso a ajuda a manter os pés na terra. Pressinto-lhe na voz alguma desilusão. Acho que gostaria que desta vez fosse a sério. Não para morrer. Apenas para ter a certeza que este é um amor maior.

Há alturas em que as ilusões - ainda que muitas não tenham um final feliz - ajudam a dar colorido à vida. Fazem-nos sair da cama de manhã. Lembro-me da primeira vez que acreditei que morreria de amor. Tinha uns 10 ou 11 anos. Não mais. Lembro-me do objecto dessa suposta morte. Não me lembro do porquê nessa altura específica. E durante uns dias praticamente não comi. Passei a acreditar que morrer de amor significa morrer de fome. A dor repetiu-se tantas vezes ao longo da vida. Achei sempre que nenhuma é tão grande como a que sentimos naquele momento. Nunca consegui por os sentimentos em perspectiva. Compará-los. Dissecá-los numa mesa de laboratório. Lembro da última vez que achei que morreria de amor. Foi a mais dolorosa das mortes. Com ela foi-se a capacidade de acreditar em histórias de amor. Achava eu. Agora, com a perspectiva que a distância permite, percebo que continuo a acreditar em histórias de amor. Há apenas uma diferença de género. Nem mesmo no grande ecrã todas as histórias acabam em drama.

[*ou um dos muitos posts que se acumulam há meses no blogger]

domingo, setembro 23, 2007

O princípio

Há um ligeiro tremor de mãos. Os olhos que não param quietos. As mãos que pensam mil vezes nos cigarros guardados na carteira. E de repente o trânsito pára. Vai lento pela lateral da avenida. Os números mudam rápido no relógio do carro. Está adiantado, mas nem isso me salvará de chegar atrasada. Desisto nos Restauradores. Agradeço os sapatos rasos e corro até à rua da madalena. Perco o fôlego na primeira subida. No Caldas tenho a certeza que vou desmaiar. O coração que pula na garganta. Boca seca. Dor de burro. Abrando o passo como quem abranda a vontade. Se chegasse realmente tarde nem valia a pena ir. São pensamentos fugazes. Há muito que não estava tão decidida a nada. A corrida seca-me as lágrimas que não param há dias. É do Outono? Talvez seja. O medo do fim.

Já estive aqui. Na noite de santos. Bebia-se cerveja e ginginha a rodos. Eu era aquela que, às 3h da manhã, continuava sóbria. A primeira a desistir. Saudades de casa. Do sofá. Da cama que se rebela quando lhe devo horas de sono [a expressão é tua. Eu sei. Está num dos primeiros mails]. Saudades de tudo menos daquilo. Daquela hora. Daquele sítio. Daquelas pessoas. Só estou bem onde não estou. Escreve bem o poeta. Talvez seja hora de lhe mostrar que nem sempre tem razão.

É um prédio branco. Mal tratado. Maquilhagem supérflua que não resguarda os efeitos dos anos. As escadas lembram as da Martinha. São apenas um pouco mais largas. Paredes descarnadas. Tinta a cair em postas. Nada ali é convidativo. Acolhedor. Ele espera-me a porta. Cabelo tão branco como a camisola de lã. Está quente ali dentro. A idade talvez lhe tenha arrefecido a carne. Convida-me a entrar. Há desarrumação por todo o lado. Os olhos fixam-se num painel de madeira. Olho sem ver. Quero começar. Acabar o mais depressa possível. A conversa vai ser longa.

sexta-feira, setembro 21, 2007

A explicação de todos os meus males

"A felicidade é um aborrecimento."

Titulo de uma peça do Ípsilon de hoje.

Alguém tem um escadote

“Às vezes os nossos desejos ficavam suspensos dos ramos mais altos das árvores mais altas e nunca conseguíamos subir o suficiente para lá chegar. Ou então esperávamos pacientemente até eles nos caírem no colo.”

in Paralelo 75 ou O segredo de um coração traído, Jorge Araújo e Pedro Sousa Pereira

sábado, setembro 15, 2007

Um pico de fé...



... dá jeito a qualquer um.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Dias para Recordar 1

Não usei véu na cabeça porque o meu cabelo era curto e nunca gostei muito do glamour daquele tecido à transparência. Tranparentes queriam-se os sentimentos. E só neles confiei naquele início de tarde de Sábado, 20 de Outubro de 2001. Em casa houve visitas e fotografias. As da praxe, com a família, mas sem espelhos e imagens reflectidas, telefones onde se finge falar, beijos trocados para a imagem. Não quis nada disso. Pedi naturalidade. E tive-a, em máquinas digitais, a cores e a preto-e-branco. Desci do terceiro andar com o vestido na mão, evitando os pisões tão típicos aos vestidos de noiva. O meu assentava-me bem e fazia de mim uma bonita menina, nos meus 28 anos que talvez parecessem 25; um pouco de salto para não crescer demasiado, mantendo a necessária elegância para a ocasião. E uma cor ténue no rosto.

Entrei no Peugeot descapotável do meu irmão. Ia ser conduzida por ele naqueles 500 metros até à Igreja, percurso que tantas vezes fiz a pé. Recebeu um telefonema: temos de esperar, os sogros ainda não chegaram. Pausa. Carro estacionado com noiva lá denro à espera dos pais do noivo. Hilariante. Podem seguir. E lá fomos, átrio adentro, saída em classe, ramo na mão direita e tulipas vermelhas, pose, sorriso, o meu Pai. Dei-lhe o braço e apertei-o. Era o momento.

Cantava-se o Ave Maria de Gunout. O órgão marca os passos na passadeira vermelha que tantas vezes pisei sem tal solenidade. Todos olham para mim. Sorrio. Sorriem-me. Uma espécie de montra adorada onde todos querem pôr defeitos mas, naquele momento exacto, só conseguem ver virtudes. As noivas são sempre tão lindas, não é?

A cerimónia começa. A música que os meus amigos cantam enche-me a alma. O espírito daquelas 300 pessoas faz-se sentir no silêncio que preferem preservar enquanto avançamos mais um passo. As alianças de ouro branco surgem na mão das crianças. Trocamo-las de voz trémula, um ou outro sorriso, um riso mais alargado. E as promessas de Amor. As que queremos para sempre.

O Padre esquece-se do abraço da Paz mas ele beija-me na testa como que a confirmar o acto. Estamos casados. Naquele momento ninguém imagina que é por pouco tempo. Estamos casados. Sorrimos e damos as mãos. Cantamos. Crianças fazem uma festa, fitas coloridas sobem ao alto, em arco; meninos trazem quadros pintados à mão que recebemos em tom de oferta. São os meus doces sobrinhos. O grupo continua a tocar, músicas que compus e escrevi, outras que outros fizeram, passagens de filmes que vimos. Alegrias feitas acordes. E no fim já todos dançam e batem palmas. Não é um casamento cigano, apenas alegria partilhada por dezenas de pessoas que gostam dos actores principais. O casal!

Estás muito bonita, disse-me mal cheguei junto dele quando o meu pai me passou a mão. Obrigada, consegui dizer. E, nesse dia, nunca chorei.

Workaholic

Regresso com vontade de trabalhar. Passo a semana de férias a pensar em projectos, ideias, coisas para fazer. Adormeço a imaginar reportagens, rubricas, temas para novas peças... e acordo com luzes a piscar, mais ideias, mais projectos. Ao fim do segundo dia de trabalho continuo sem dormir. São três da manhã. Ontem passava das quatro quando finalmente caí no sono. Leve. Hoje não sei a que horas o farei. É uma loucura esta vontade incontrolável de abrir o computador, carregar pastas de coisas 'a fazer', trabalhar, trabalhar ininterruptamente. Como se o dia não tivesse horas suficientes para fazer tudo. E não tem, por isso ocupo a noite com tais pensamentos. Há muito que isto não me acontecia. Olho para qualquer coisa e logo me surge nova forma de pegar no assunto. Trago na mala um caderninho onde aponto o que me lembro já fora do local de trabalho. Estou viciada. Não é saudável, mas é inevitável. Preciso de descansar o cérebro mas ele insiste em carburar. Peço-lhe que se cale a partir da meia-noite, que me deixe dormir, pensar na minha família, nos meus amigos, no meu namorado. Não. Atropela-me os pensamentos para mais uma ideia que me parece genial. No dia seguinte, mais um e-mail para os Directores. 'OK', dizem-me, 'Segue'. E tenho uma lista infindável de projectos para pôr de pé. Não sei como controlar este estado de ansiedade. Não consigo imaginar uma saída para esta amargura que é não pensar em mais nada. E daqui a nada levanto-me para ir trabalhar.

terça-feira, setembro 11, 2007

10 de Setembro, 14h18, 3870 kgs

Passamos minutos intermináveis a olhar, prendendo a respiração, falando em tom delicodoce, tocando ao de leve no lençol. De repente um som estridente inunda o quarto e um minuto de carícias depois cai o silêncio profundo. Passaram só algumas horas mas o amor começa a desmultiplicar-se em catadupa cá dentro. Foi assim, nos primeiros momentos que partilhei com o Tiago. O meu sobrinho é lindo e a sua vida resume-se por enquanto ao que está no título. Mas vai trazer-nos longos anos de alegrias. Disso não há dúvida.

P.S.-A C. é uma mãe e pêras, não fosse ela minha mana!

Arrumações

Eu já tinha lido em qualquer revista feminina, ou visto num programa da Oprah, que se pode aferir muito do nosso interior pela forma como organizamos (ou não!, no caso) os milhentos pormenores da nossa rotina. Achei que era mais uma daquelas metáforas que alguém laboriosamente produz numa redacção onde se publica uma vez por mês ou há 20 produtoras de conteúdos. Mas não são só pérolas da psicologia "de trazer por casa". Notei uma real coincidência, por estes dias, entre a dificuldade em pôr ordem na minha cabeça e na minha secretária (e bagagem do carro, e mesa da cozinha, e armários de roupa, e....uff). Já peguei vezes sem conta em caneta e papel para elaborar daquelas listinhas ordenadas do "a fazer", tanto em matérias de sacos de revistas, camisolas que não uso e embalagens fora de prazo; como com os passos seguintes para a minha vida a muito curto prazo. Claro que tinha a desculpa da falta de tempo para o primeiro caso e de falta de informação para o segundo. Mas não é verdade. Perco algumas horas preciosas em frente ao AXN e Fox e já tenho dados mais do que suficientes sobre o que é expectável para os próximos meses, a nível pessoal e profissional. Mesmo assim, vou adiando as arrumações. Algum dia ainda me caem as revistas no chão ou os sentimentos aos pés. Espero que me venha a fúria das limpezas de Primavera (interna e exterior) antes da dita estação do ano!

domingo, setembro 09, 2007

Dias para Recordar

Entrei a medo no confessionário. Tinha andado semanas a preparar-me. A catequista, a Dona Emília, dissera-nos que tínhamos de ir lá e dizer os nossos 'pecados', aquilo que tínhamos feito nos últimos 7 anos, já que foi nessa idade a minha primeira confissão. Segundo ano da catequese, 2ª classe na Escola Primária, e um sem número de erros a recordar para dizer ao Padre. Sei que era psicólogo, o padre, e estava habituado a estas confissões de garotos, receosos dos males do mundo. Sentei-me à frente dele numa cadeira de madeira. Perguntou-me o nome, talvez me tenha perguntado outras coisas, não sei... Ter-lhe-ei dito os meus pecados de enfiada, poucos, provavelmente, num esforço de memória para não ficar mal. Ouviu-me carinhosamente e explicou-me o que fazia eu ali... Para mim era apenas a preparação para o dia em que vestiria o vestido cor-de-rosa, até aos pés, em que poria na cabeça a fita florida a condizer. O mesmo fato que tinha usado para levar as alianças num casamento. Mas havia mais: estava ali para me preparar para comungar. E eu sabia que só as pessoas boas e livres do tal 'pecado' podiam fazê-lo. Diz o Acto de Contricção... 'Meu Deus, porque sois tão bom...' Reza dois Pai-Nossos e uma Avé Maria. Saí sentindo-me uma santa, um daqueles pastorinhos que tinha conhecido num livro e que tinham visto a Nossa Senhora. Os joelhos assentaram trémulos no banco da Igreja e rezei. Quando saí estava feliz. E lembro-me de ter pensado na minha avó. Se ela comungava todos os Domingos, era porque era também Santa, ela sim, uma mulher tão boa, a quem eu não via um só defeito. Disse-lhe isto, quando cheguei a casa. E dois dias depois vesti o vestido e comunguei. Amen. E voltei para o meu lugar.

Quinta do Lago 4


sábado, setembro 08, 2007

A Fábula - 3

Naquela noite ficaram sozinhos na mesa da esplanada. Ele brincava com o copo com três pedras de gelo a refrescar o whisky. Ela bebia um gin tónico, sabor a cenoura. Conversavam. Não estavam à vontade para falar de tudo, mas já se sentiam próximos o suficiente para partilhar ideias. Todos os amigos tinham partido. O Panda coçou a cabeça e cofiou o pêlo do bigode. Falavam sobre literatura e ela deixava-se levar pelas suas palavras sábias. Às vezes interrompia-o, para uma ou outra pergunta. Ele olhava-a nos olhos e oferecia-lhe as respostas como quem dá um ramo de flores. A coelhinha tinha as orelhas bem ao alto, feliz por aquela conversa, pela oportunidade de ouvir o panda falar do que tão bem sabia. No interior da discoteca tocava Madonna e dançava-se ao som de Hung Up.

Perdeu-se nas explicações literárias e imaginou-o num beijo quente, pêlo com pêlo, nariz contra nariz, patas esquecidas no corpulento panda gigante. Ele recitava Pessoa e mostrava-lhe cada estrofe de Tabacaria. Não imaginava o que lhe corria no pensamento. O barman chegou junto deles quando viu o copo de whisky vazio. Sim, mais um, com as três pedras de gelo. A interrupção fê-la acordar e voltou à literatura. Ele estava agora calado, olhar no Rio que brilhava em frente com a lua cheia a dar-lhe cor branca. Tocou-lhe na pata. Então? E Pessoa? O toque assustou-o e fê-lo sorrir. Veio o whisky. A discoteca estava agora cheia mas o espaço que ocupavam, na esplanada, parecia vazio. Não importava os empurrões, as cadeiras que batiam umas nas outras, as vozes sonantes que faziam o burburinho do bar. Importava que estavam ali, só os dois, finda uma noite que se fez animada pelo resto da floresta. Voltaram a conversar, mas falavam agora de cinema. Pararam no Paraíso, com Giuseppe Tornatore e as lágrimas cairam do focinho da coelha. Emocianava-se sempre, com esse filme. Ele continuou a falar de Totó até reparar no pêlo molhado, nas orelhas caídas, no bigode sem vida. Eu também choro com esse filme, disse-lhe. E confortou-a com a grande pata, passando-a sobre a cabeça. O gin acabou e ele limpou-lhe os olhos. Quando a discoteca fechou saíram juntos. Era quase manhã.

Quinta do Lago 3

O Sol já se pôs na Ria Formosa. As férias chegaram ao fim. Comemos no Gigi mais uma vez, agora com os amigos. Pedimos um Pregado (um peixe) para seis. Vemos depois na factura que pesava 2.38 Kg. Custou-nos 185 euros, só o peixe! As gaivotas sobrevoam a praia e deixam toda a gente a olhar para o céu. Passam os aviões já com o trem de aterragem, vão aqui para perto, para Faro, onde chegam turistas todos os dias. Continuamos rodeados de ingleses. São agora mais barulhentos. Talvez porque tenham bebido. Jogamos Trivial em grupo e aproveitamos todos os momentos para mais um cartão. Rimo-nos com as respostas e elogiamos a cultura de cada um. Há coisas fantásticas. Na piscina tomamos banho ao fim do dia. A água está morna e só temos frio à saída. Voltamos a jogar. Saímos quando o sistema de rega nos dá outro banho e as melgas saem de casa para nos vir morder. Estamos todos picados e não comprámos Fenistil. São as férias de Verão. Bebemos sangria e vinho tinto. Eu não, fico-me pela coca-cola com gelo e limão. E bebo um galão antes do jantar. As osgas acumulam-se na parede da casa. Branca. Contámos 10. Pequenas e grandes, imóveis. Já não me assustam. As baratas desapareceram. As dores de cabeça é que não. Consumimos um House atrás do outro, mesmo os repetidos. Deitamo-nos tarde e só saímos da cama quando a SIC Notícias anuncia o Jornal do Meio-Dia. Kate e Gerry McCann foram constituídos arguidos. Pavarotti morreu. Estamos no Algarve dos ricos. Mas tenho saudades de casa.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Começaram as aulas

Lembro-me do frio do estômago. Uma sensação muito parecida à das borboletas. A ansiedade dos últimos dias. Era muito mês de férias! No final havia uma ida à Baixa. A papelaria ficava ali a meio da subida da rua da madalena. É claro que já não existe. De lá vinham os livros. Os mesmos que folheava com muito cuidado. Mas primeiro abria-os a meio e enterrava lá o nariz. Aspirava com força. Repetia o exercício com todos. Como se o cheiro da matemática, ou do meio físico e social, fosse diferente do de português. E havia os cadernos e os dossiers. Sempre gostei mais de folhas soltas que depois arquivava em argolas. Era mais fácil manter um caderno limpo. Sem gralhas. Sem rasuras. E depois havia as canetas. Uma palete inteira de cores com que nunca consegui fazer nada de jeito. Ainda hoje jogar ao Pictonary é um verdadeiro tormento. O estojo. A mochila nova [nos anos de sorte]. Espalhava tudo em cima da cama. Contava os dias que faltavam para o início das aulas. Para encher os livros de letras e de números. E na véspera não dormia. Ficava deitada, de olhos fixos no tecto, à espera da hora de acordar.

quinta-feira, setembro 06, 2007

À porta do Céu II

Chegava a casa já noite escura vindo da mercearia de Campolide. Passava o dia a pesar a fruta na balança que, naquele tempo, não era electrónica e exigia contas de cabeça. Lembro-me dele com a caneta pendurada na orelha, sempre pronto a apontar os números num papel, capaz de somas e divisões num segundo. Também o vejo a cortar o frango numa altura em que não existia ASAE. Tirava o bicho já morto do frigorífico e cortava-o em quatro para depois embrulhá-lo em papel pardo. Com, ou sem miúdos, conforme o pedido do cliente.

No passado, outras profissões: sapateiro e guarda-nocturno. Ainda hoje sei onde estão gurdados os materiais que usava para arranjar meias-solas. Colou-me alguns sapatos e sabia cosê-los como ninguém. Noutros tempos, fazia-os novos para a minha avó vender na Feira da Ladra, em Lisboa.

Chegava a casa já noite escura. Subia ao terceiro andar já com algum custo pois a idade começava a pesar. Eu teria uns seis ou sete anos e esperava-o cá em cima. Já lhe conhecia o andar na escada de 52 degraus. Entrava na primeira porta à direita, o quarto dele e da avó. Eu já lá estava. Desapertava-lhe então os atacadores e não o deixava baixar-se. Tirava-lhe os dois sapatos e punha-lhe os chinelos a jeito. Ele calçava-os pronto para ir lavar os pés, descansá-los em água morna. Mas antes, a recompensa: tirava do bolso das calças um punhado de Smarties. Eu que não gostava de chocolate fiquei a adorar aqueles pedacinhos coloridos, vindos da mão do meu avô.

Esteve 10 anpos com um cancro e fez inúmeras operações e muitas mais passagens pelo hospital. Era um doente exemplar. Não se queixava, era simpático, agradecia todo o apoio prestado. Tinha até uma enfermeira, do Hospital Amadora-Sintra, que lhe mandava postais no Natal. Confesso que tinha ciúmes. Falava dela como de um anjo da guarda, o mesmo nome que me deu quando, já muito próximo da morte, olhou para mim enternecido depois de mais uma crise de dor.

Há momentos que não podem ser escritos. Há pedaços da nossa vida que não têm letras capazes de os exprimir. Já passaram oito ou nove anos, confesso que me perdi nessa data. E ainda bem... prefiro guardar os sorriso e outras memórias como a mão cheia de Smarties coloridos. Eu acredito no Céu. Sempre acreditei. E imagino-o por lá, ainda solteiro - é tão bom manter a minha avó - talvez num jogo de cartas com os amigos, passatempo que lhe ocupou boa parte da velhice. Ou então a tocar guitarra e a cantar músicas que não voltei a ouvir.

E já estará de chinelos, para não magoar os pés.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Memórias de um almoço [*]

"Não tenho memória. Acordo todos os dias feliz."

"Andamos todos a fingir que somos normais."

[*Com uma daquelas pessoas que sentimos que gostam realmente de nós quando insistem em ver-nos mesmo depois de 20 desculpas e 10 reuniões que atrapalham e adiam almoços combinados. Pelos sorrisos, pelas lágrimas, pelas gargalhadas.Obrigada F.]

terça-feira, setembro 04, 2007

À porta do céu

Abriamos a porta do galinheiro pela manhã e lá íamos nós. Eu mais a receio, sem saber muito bem o que esperar das galinhas. Haveríamos sempre de encontrar um ovo posto pela fresca pronto a estrelar para comer com pão. Foram assim muitas manhãs de verão da minha infância. Ovo posto, ovo no prato, com sabor exclusivo a férias grandes. Por vezes eram verdadeiros acampamentos casa fora. Mais de 10 primos a partilhar camas, alguns dos quais nem falavam português e outros em idade de não saber falar mais nada. Mas lá nos iamos entendendo e, meio a medo, perseguíamos vacas até que elas se virassem para trás pondo-nos em fuga e corriamos atrás de sapos na esperança de que não fossem eles a correr atrás de nós. E ela, orfã quase desde sempre, adorava ter a casa cheia.
Desses dias recordo-me também de ir apanhar toranjas com a minha avó e do dia em que as primas-meninas a sentaram no alpendre e, como que brincando à bonecas, lhe fizeram trancinhas e lhe pintaram os lábios com baton. Nunca antes deveria ter posto baton. O meu avô não gostou. Deve ter achado a brincadeira jocosa, ao ver a mulher que nunca soube ler ou escrever sentada com laços na cabeça. Mas nada disso, só queriamos "enbonecá-la". Poucos anos depois ele morreu, deixando-a atarantada. Ele sempre fora o homem lá de casa e ela nem sequer dos tostões tinha noção pois as contas sempre as fizera ele enquanto ela amassava o pão ou ia buscar água à fonte. Pelo que, pelos meus 20 anos, veio feliz dar-me uma moeda de 20 escudos.
Aprendi a gostar mais da minha avó já crescida. Velhinha, já tão velhinha, foi a primeira pessoa a dizer-me que estava na altura de eu sair de casa, de "juntar os trapinhos" porque o casamento era coisa de outros tempos.
Acho que a idade lhe apurou o humor e era muitas vezes assim que nos entendíamos. Trocando piadas e piropos. Nos últimos meses que passou num lar, deram com ela várias vezes de manhã a perguntar à companheira de quarto se ainda estavam vivas ou se já tinham morrido. "Se estamos a falar uma com a outra é porque não morremos", concluiam. E preparavam-se para mais um dia. A minha avó foi uma resistente. E eu que não acredito no céu adorava que ele existisse nem que fosse só por esta noite pois tenho a certeza de que o meu avô estaria sentado à porta à espera dela.
E vocês, do que é que se lembram?

Em nome da verdade

Até posso aceitar que façam links para o blog ‘da’ Samantha, mas que lhe desejem que se concretize um horóscopo que me é dirigido… Aí parece-me importante repor a verdade. Até porque a Sam é, de facto, ‘naturalmente calma e encantadora’. No meu caso aquela previsão é uma verdadeira piada, por certo entendida por poucos.

Adiante. O mais cidade é um blog partilhado. Somos quatro. Juntas há dez anos e sem intenção de nos separarmos. Os nomes estão ali em cima do lado esquerdo. Logo no topo da coluna para não haver enganos. Já viram? É certo que da Miranda lemos pouco, da Charlotte nem vale a pena falar, mas quando aparecem, aparecem com [muito] estilo. Toda a gente sabe que quantidade não é sinónimo de qualidade. [Não desfazendo amiga Samantha]. Por isso, e para que não se cumpram os receios da Samantha logo ao início do blog, eu prometo estar mais presente. Mas agora vou ali escrever sobre economia angolana e chineses. Volto já.

Tenho a vida de empantanas [*]

Leia-se o amortecedor do carro está a pingar. A garantia a chegar ao fim. O seguro não está pago. Podia ser pior. Tenho o seguro do carro na família. Só assim consigo que me enviem a carta verde ainda antes de pagar um tostão. Não por falta de dinheiro. Ainda que este não abunde. Mas pela incapacidade de me lembrar que devia ter informado a mudança de morada. A factura deve andar por ai. Algures entre Lisboa e a Serra. Um dia destes deve voltar ao destino.

Faço listas intermináveis de coisas por fazer. Num [raro] acesso de responsabilidade para o resto da minha vida. O resto da minha vida é aquela que teoricamente existe fora do jornal. Estou a ser injusta. Há vida e há pessoas que me aturam. Que me apaparicam. Mimam. Acaba aqui o aparte para poder continuar a queixar-me da vida. Estou a meio da lista de ‘to do’ para hoje. Tem tudo a ver com o carro. O peugeot que faz um ano. Que perde a garantia dentro de dois dias. Que tem o desplante de ter um amortecedor furado. E a oficina sem hora para me aturar. A concorrência vai emprestar-me um carro para substituir o meu. Tudo graças aos bons ofícios da minha eterna estagiária. Amanhã fico sem carro. E com a vida ainda mais empantanas.

[*Em versão post-em-diferido. Ontem não houve tempo para acabar]

segunda-feira, setembro 03, 2007

Quinta do Lago 2

A empregada brasileira fala inglês connosco. Pede-nos desculpa quando se lembra que somos, afinal, portugueses. Os únicos do jantar, até à chegada de um casal simpático com um pastor alemão. Na ardósia o menú está em inglês. Mas não pedimos o que está lá escrito e como apenas uma tosta mista, ao jantar. Pagamos com American Express, o que até tem graça... As cadeiras de vime estão cheias de estrangeiros que pedem fast food e vêem televisão. São calmos, apesar de turistas. Ninguém grita. Ainda assim, constato que os britânicos vestem mal, que elas são mal feitas e que todos têm dinheiro. Não gosto das sandálias que usam e custa-me vê-los com a pele vermelha do sol. Deviam pôr mais protector. A empregada volta a falar inglês e pede desculpa. Sorrimos e respondemos na língua de Camões. Mas, secretamente, penso que gostava de ter aquele sotaque shakespiriano. A Quinta do Lago está cheia de gente rica.

A Fábula - 2

Estava lua cheia e a toca também. Numa mesa da esplanada a coelhinha sorvia vagarosamente um sumo de cenoura sem alcóol. Bebia pela palhinha colorida que lhe tinham dado ao balcão. Estava maquilhada, mas discreta: um rímel negro a realçar-lhe as pestanas e, no pêlo do rosto branquinho, um blush rosado que lhe ficava bem. Estava com duas amigas, uma girafa simpática e uma lontra sorridente. Ela também sorria. Na mesa ao lado estva o panda gigante com o grupo do costume. Bebia um whisky com três pedras de gelo e batia a pata ao som da música, um hip hop que nem sequer admirava e do qual desconhecia o autor. Mas estava na moda. Não tirava os olhos dela e um dos do grupo reparou. Não lhe disse nada mas contava fazer uma ou duas perguntas no dia seguinte, quando estivessem a sós. Ela estva sossegada, nessa noite, com o corpo respirado e o pêlo sequinho apesar do calor da noite. Era Verão. Já tinham sido apresentados mas estavam ainda no limiar da vergonha quando os seus olhos voltaram a cruzar-se. Ela sorriu envergonhada e ele levantou-se. Tremeu. Foi encostar-se à cadeira da girafa para dar as boas-noites e comentar a música. A lontra começou a falar mas não era com ela que queria conversa. O sumo de cenoura chegou ao fim. Uma pedra de gelo ficou a derreter no copo de plástico.

domingo, setembro 02, 2007

A Fábula - 1

Viviam os dois na imensa floresta. Ela, uma coelhinha triste, divorciada de um sapo que nunca chegara a ser príncipe. Ele, panda gigante, uma espécie de Rei na terra onde tantos o admiravam e dele faziam exemplo. Era um urso quase feliz, não fora a solidão que conhecia havia 10 anos. Um dia - já noite feita - dançavam os dois na toca do costume uma música alta que pedia suor. Ela, no meio da pista, batia os pés de coelha no chão de terra, agora um tambor. Ele abanava as ancas, pesado, copo na mão e cigarro no canto da boca, orelhas espetadas e olhar de lince que havia belos animais naquela toca nocturna. Numa determinada música cruzaram olhares. Ela teve apenas tempo para sorrir; ele respirou baixinho e um suspiro doce exalou o fumo do Marlboro Ligh. Tinha já o pêlo eriçado e caíam-lhe as calças do corpo felpudo. Coçou a cabeça e viu-a abanar o rabo: duas vezes. Depois saiu. Ainda foi atrás dela mas desistiu quando a viu entrar no carro. Apanhou um taxi e atravessou o rio. Pensou nela enquanto dormia.

Foi preciso ‘abalar’ Agosto

Trago para casa o som das ondas a enrolar na areia. Rasteiras. Mar chão como gosto. Trago o riso das crianças. Areia a rodos. A pele vermelha. Cheiro a creme. Mimos partilhados sob um sol escaldante. Jornais cheios de areia. O livro a mais de meio. Os pés que se queixam dos saltos de sexta à noite. Os membros entorpecidos por horas de dança. Tóquio e Jamaica em versão ‘quinta-de-casamento’. O álcool que não chegou a fazer efeito. A cabeça [finalmente] vazia. Foi preciso abalar Agosto…

Promessas

"A forma naturalmente calma e encantadora como vai esta semana contactar com os outros vai tornar mais agradável o seu ambiente quotidiano."

[O meu horóscopo, na Notícias Magazine, para semana que ai vem.]

sábado, setembro 01, 2007

Quinta do Lago 1

Almoçámos no 'Gigi'. E que almoço! Carabineiros, uma corvina assada com o mais apurado dos temperos, ameijoas, picanha, mexilhão e claro, uma meia de leite a fechar. Preço de amigo e um grupo simpático como companhia. Atravessámos a Ria Formosa pela ponte de madeira, primeiro maré baixa, depois águas subidas e a passarada fora de terra.

Esta é uma terra de gente com dinheiro. O nosso almoço no 'Gigi' ficaria em perto de 100 euros por pessoa, não foramos nós amigos do dono. Ainda assim, quando chegámos, havia fila de espera, portugueses e estrangeiros aguardavam um lugar no restaurante de madeira negra entre a praia e a Ria. Gente conhecida, claro, e o patrão, que hoje fez 70 anos.

A Quinta do Lago destaca-se neste lado do Algarve. Quarteira é um horror, com aqueles apartamentos empoleirados, ruas cheias de gente, anúncios luminosos dos anos 80 e semáforos em cada esquina. Vilamoura é assustador, com uma marina decrépita e restaurantes com karaoke. A Quinta do Lago destaca-se por causa do ambiente: tudo verde, estradas cuidadas, jardins bem regados, e as casas escondidas entre o arvoredo.

É por isso imperdoável que estejamos num apartamento repleto de osgas e baratas gigantes. Já matámos dois destes insectos nojentos e, à hora a que escrevo este post, duas osgas enormes passeiam-se sobre a janela do quarto. Felizmente, do lado de fora!

À parte a flora... tudo corre bem. O apartamento é espaçoso e vai custar-nos quase nada - mais uma vez graças ao amigo Gigi - temos um jardim ao lado da sala e um belo relvado para descansar. Três salas de banho! E uma pequena cozinha para os pequenos-almoços de cereais com iogurte. Também tem TV cabo.

Eu não sou fã do Algarve, mas espera-me uma semana de calmaria com a metereologia a dizer que o sol vai brilhar. Tenho a companhia certa e nada para fazer. Apenas os livros, a praia, filmes para ver na PS2...

Vou dando notícias...

Uma espécie de exéquias

"Como é que eu não hei-de sofrer do coração?", ouço do outro lado da linha como se a expressão ainda se aplicasse neste mundos dos telemóveis. Mas que ficou, ficou. E é assim que do outro lado da linha (da antena?)a conversa vai chegando ao fim. São lamúrias de mãe às quais, tanto quanto o possível, tento manter-me imune. Mas percebo-a. O filho, meu irmão, morreu. E o pior é que ainda está vivo.
A minha mãe não se conforma. Não entende, não admite. Eu ainda admito, talvez por achar que entendo. Vejo-lhe nos olhos todos os fantasmas que também já foram os meus e mais alguns, que lhe entraram alma dentro com a idade e dos quais nunca se livrou. Sem grande luta, tornaram-se residentes. Culpas, tê-las-á. Ausências, certamente.
Sempre que penso nele assusta-me saber que somos da mesma cepa. E tento encontrar aquele momento no tempo que terá ditado a cada um a sua sorte. Uma vírgula no ponto certo da frase, uma pausa mais demorada, um olhar mais lato, um amor mais ponderado. E amigos que fizeram toda a diferença e sem os quais nunca seria quem sou.
O meu irmão morreu? Ainda me custa acreditar... É que não tenho mais nenhum.