quarta-feira, abril 30, 2008

com vista para o mar

Para combater o mal estar. Para afastar a inércia. Porque os dias se querem de férias. Por isto tudo, arrasto o corpo para fora da cama, para longe do sofá. Entramos no carro sem destino definido, apenas com a vontade de sair. Acabamos em Peniche. No forte que um dia se fez prisão. Paredes altas, pátios de tamanho reduzido, onde um dia escorreram vidas mal tratadas. É estranho estar ali. O meu corpo não se faz meu, naqueles momentos, como se quisesse entrar na história dos outros. Acontece-me quando estou próxima do ‘segredo’, no pátio da cisterna, no parlatório, à vista das cartas escritas como cabulas numa letra indecifrável, perante os relatórios quase pornográficos de actividades tão inocentes como almoçar no restaurante x ou y fora dos muros do forte. Acontece-me de novo, o corpo que não quer ser meu, a vida demasiado insignificante, quando chego ao último piso do museu, as paredes que parecem sempre demasiado próximas, as celas demasiado pequenas, os miúdos de escola secundária que, sentados no chão do refeitório, ouvem a guia repetir, numa voz monocórdica, o nome daqueles que conseguiram fugir à prisão. Os mesmos miúdos que encontrei pela primeira vez no andar de baixo, por entre rendas de bilros, conchas e corais, ela a andar às arrecuas, ele com o braço à volta da sua cintura, alheios a tudo, olhos nos olhos, beijos [pouco] inocentes, ela a tropeçar na colega que parou para apertar os atacadores, a imagem que parece saída de um filme cómico. Os mesmos miúdos que vão comentar, à porta da cela onde esteve preso Álvaro Cunhal, ‘ena o gajo tinha vista para o mar’.

terça-feira, abril 29, 2008

altura de ir à bruxa

Foi preciso entrar de férias para ficar doente. Ou tenho mesmo muito azar ou há alguém que me quer muito mal.

quinta-feira, abril 24, 2008

Abril

Há uma brisa quente, como se o Verão tivesse vindo celebrar a liberdade. Há a música que entra pela janela. Famílias que descem a rua para desembocar no largo onde se fez Abril. Há isto tudo e uma festa na outra margem. E eu continuo fechada num open space laranja.

quarta-feira, abril 23, 2008

apetece-me [muito]


imitações

Leio, em jeito de obrigação, o ‘a casa quieta’ de Rodrigo Guedes de Carvalho. Em jeito de obrigação porque me inscrevi num painel da LeYa [ao que consta o bicho papão dos editores] para ‘dar opinião sobre livros’. ‘A casa quieta’ chegou pelo correio no final da semana passada e não li mais do que uma vintena de páginas. Sejamos sinceros. O livro é chato. Rodrigo Guedes de Carvalho tem pretensões de Lobo Antunes. Algo que claramente não é. E pior do que um mau original [28/5 a caixa de comentários está aberta para desancares] só mesmo uma péssima imitação.

terça-feira, abril 22, 2008

desafios

Três das adolescentes da minha equipa [a C. será sempre desta secção] comemoram os seus aniversários com poucos dias de diferença. À falta de agenda na altura certa combinam por estes dias uma saída para jantar e acabar no sítio do costume. Querem que dure a noite inteira. Parece que sou difícil de embebedar.

Quero estes!!!!!!!!!

Entre um blog e outro

Aqui está um post que eu gostaria de ter escrito. Que até pensei escrever. Este ficou de certeza melhor e diz o mesmo. Obrigada.

domingo, abril 20, 2008

Dias com Música

Lá andei pelo CCB - em trabalho, é certo - ouvindo aqui e ali as afinações de um violino, os sons de um acordeão, a sonoridade de uma flauta de bisel, o impacto de uma grande Orquestra. Os Dias da Música vieram colmatar a falha que ficou depois de se ter acabado a Festa. Dizem os saudosistas que foi uma pena, que nada substitui o que antes havia, que antes é que era. Talvez. Mas é de louvar o esforço de Mega Ferreira, que tenta, com menos espaço e meios, fazer um Festival de música para todos. E é ver famílias inteiras pelos corredores do Centro Cultural de Belém, é ver as crianças em workshops matinais que aprendem como se toca o si e o dó; é ver as avós que levam os netos, os filhos que levam os pais, os melónamos que se levam a sério.

Um acordeão, soube-o ontem, pode pesar 20 quilos. É incrível! Os acordeonistas têm cuidados com a coluna que passam pelo exercício físico. É que carregar o instrumento é carregar um grande peso. Quase como um balde de cimento, nas obras. Mas com a ajuda de alças protectoras e com o aval da élite. E um acordeão, para ser afinado, tem de ser aberto, o que acontece, normalmente, duas vezes por ano, na passagem para o Inverno e na passagem para o Verão. É um instrumento cheio de curiosidades. Consta que esta manhã, no concerto com a Orquestra do Algarve, foi um sucesso. As imagens mostravam o público a aplaudir de pé!

Gosto desta perspectiva de tirar o lado chato e elitista à música clássica. Os Dias da Música servem para isso: ouviu-se a música de câmara, certo, mas também world music e jazz. E para o ano, será Bach, o tema, depois de uma edição de "Duos, Trios, Quartetos & Outras boas companhias".

Curiosa foi a ausência do novo ministro da Cultura. Pinto Ribeiro, que à SIC Notícias disse, há dias, que queria fazer renascer a Festa da Música, faltou ao convite do CCB. É que faltam espelhos, nas salas de concerto...

sexta-feira, abril 18, 2008

o meu [projecto] jardim





























[o pior é identificar as ervas daninhas. Perceber o que é bom ou mau. Flor ou resto. Conheço as coroas imperiais, flores imponentes que de um dia para o outro, decidiram reinar neste projecto. Conheço o abacateiro, ali ao fundo, junto ao muro, uma cana a amparar-lhe o caule. A salsa também gostou da terra, já está boa para o corte, e as alfaces mesmo ao lado, falta-me plantar a hortelã e quem sabe alguns coentros. Quanto ao resto não sei, não faço ideia. Se não derem flor um dia lá terei que as arrancar.]

Basta!

Apesar de existirem tantas outras coisas que se podem fazer à chuva, nenhuma delas me dá o mesmo prazer do que se pode fazer ao sol. Já era hora de deixar entrar a Primavera. A sério.

terça-feira, abril 15, 2008

Centrum

Há dias não consegui lembrar-me do que tinha acontecido de grave em Nova Orleães. Dei voltas e mais voltas e tive de pedir a ajuda do público para concluir que, afinal, o Katrina tinha passado por lá. Sabia que tinha sido devastador, mas não me recordava do quê... Pela minha memória terá passado um furacão sem nome de mulher mas com terríveis consequências. Esqueço-me de coisas importantes. Não são coisas do dia-a-dia, apenas. Essas resolvem-se com uns lembretes no telefone e uma boa agenda de outlook... Não. São informações a reter: nomes de actores, de políticos ou de capitais... são dados históricos, relações internacionais, cultura geral. Perdi parte do que sabia. Esqueci, para sempre, temo. Não consigo lembrar-me do nome de dois dos assistentes de Hitler, quando acompanho de perto - por gosto - o período da Segunda Guerra Mundial; não me vem à memória o nome de um filme, de quem o realiza e de quem nele participa e, por vezes, nem sequer me lembro se já o vi - dei por mim, na FNAC, a pensar se já terei visto o "Fúria de Viver", com om mítico James Dean. Terei perdido esta pérola?. Parece-me que sim, que o vi, mas nem a presença de Dean me diz nada. E nas séries, por exemplo em "House", começo sempre por dizer "eu não vi este episódio" quando, descubro mais tarde, até identifico as caras e as doenças, as falas e os momentos de riso. É preocupante.

O mais incrível - e óbvio - nesta minha perda de memória é que, o que deveria ter esquecido, mantém-se firme na minha memória. Cá estão as más recordações, as mágoas, os momentos que me fizeram chorar... e aparecem assim entorpecidos como se tivessem acontecido mas pudessem repetir-se que eu nem me importava. É injusto. Em 35 anos de vida e alguma experiência juntei dados que gostaria de manter e recordar: visitei países e cidades interessantes (se não escrevesse os nomes nas fotografias esquecia-me de algumas); li livros e vi filmes incontornáveis, ouvi músicas e pessoas a não esquecer... porém, tudo o vento levou. Sem Clark Gable (olha, lembrei-me deste!).

Costumava dizer que tenho cultura de autocarro: sai tudo na paragem seguinte. Queria com isto dizer que só acumulava na memória o que me interesseva para um certo período. Ainda acontece assim. Por exemplo, se faço uma reportagem, preparo-me o suficiente para saber tudo sobre o assunto. Entrevisto, escrevo. E eis que uns dias depois não consigo referir dois dados que tenha retido do assunto ou da pessoa. Triste? Pior do que isso. Esta cultura de transporte público é tão ou mais preocupante quando se tem uma função em que todos nos julgam um bocadinho melhores, mais espertos. "Tu é que és..."... dizem-me. Sim, sou. E não me lembro porque me deram a mim tal cargo. Te-lo-ei merecido? Para já sei o meu nome e a minha morada de cor (excepto o código postal para o qual tenho uma cábula), sei o nome das pessoas de quem gosto e consigo adjetivá-las com duas ou três qualidades (esqueço-me do vocabulário para mais)... mas não me lembro de quem antecedeu a Putin no Governo russo... não consigo dizer agora qual foi o vencedor dos óscares do ano passado e também me esqueci do que li em "100 anos de Solidão". Exemplos do que é não saber. Não ter memória. Não existir ou, simplesmente, ter um passado que de nada valeu.

sexta-feira, abril 11, 2008

Sem voz

O Dia Mundial da Voz é depois de amanhã, sábado, dia 12. Mas não é sobre isso que venho discorrer. Penso hoje naqueles que têm voz mas preferem ficar sem ela, omiti-la, escondê-la. Penso nos que calam, nos que não podem falar, nos que não conseguem fazê-lo. E não, não são questões políticas que os impedem. Apenas o ser. Ser como são. Os que guardam a voz têm para si os problemas, vivem com eles, não partilham, não dizem a ninguém, não querem ser ajudados porque acreditam que não precisam de ajuda. Silenciam e são silenciados, amordaçados por uma maneira de estar. Tenho um caso bem próximo. Começa a complicar-se a vida que partilha com outra pessoa. Um problema por resolver, por falar, por destrinçar. E uma crise que se agudiza, mesmo quando, do outro lado, mais não há do que compreensão e afecto. Não discutem. Ele reserva para si o que o incomoda. Ela procura-o, enternece-se, cria plataformas para o diálogo. Nada, não existe. Ele amua ou exalta-se quando sente que a privacidade de algo por resolver não é respeitada. Esquece-se que já não é o único a sofrer com o que vai mal. Ela já não sabe como falar-lhe, escuta mas não consegue ouvi-lo, observa e não pode vê-lo. Não se encontram na cama. Raramente. Porém, amam-se. Deitam-se muito juntinhos, beijos na cabeça e no nariz, palavras doces e sábias, momentos de carinho e ternura. Nada mais. O sexo foi posto de parte como se a vontade tivesse partido para um lugar distante e não tivesse encontrado o caminho de volta. Ela martiriza-se, questiona-o, sabe que o problema não está do seu lado, mas do lado de lá. É ele quem precisa de agir. Mas não. Ele espera que o tempo passe e que a vida se arrume por si, como numa revista de interiores onde as almofadas jogam com o tapete. Ela sente-se sem chão. Age como se nada fosse mas sabe que tudo se passa. As mãos tocam-se. Partilham o espaço, os dias e as noites, partilham o carro e até o emprego. Os interesses. Partilham como irmãos. Quase... Ele quer, diz-lhe já no limite. Mas não pode, não consegue. Ela deseja, mas não depende apenas de um. E enquanto ele não for feliz, numa vida qualquer que não tem a ver com ela, não poderão ser felizes os dois. Calam-se, quando o silêncio pesa. E lá fora celebra-se a voz e muitos já falam tão alto...

quarta-feira, abril 09, 2008

apetece-me

terça-feira, abril 08, 2008

Fora de série

Não importa a hora a que chego a casa. À minha espera, um ecrã de 32 polegadas e vários canais no cabo. Faço zapping à procura de uma que tenha começado naquele momento, que se prepare para começar. E há sempre uma série para ver. Ontem vi três episódios de "House". Vi o primeiro episódio da primeira temporada que, por acaso, nunca me tinha passado pelos olhos - apesar de guardar religiosamente, em dvd, as três temporadas já editadas. Foi uma das séries que parou, por causa da greve dos guionistas em Hollywood. Presumo que, por isso, a Fox esteja a repetir episódios da temporada IV, agora no ar. A coisa foi de tal forma nos EUA que, Hugh Laurie, britânico, decidiu ir a casa com a família enquanto os homens dos guiões não se decidiam a regressar ao trabalho. E se é genial, o guionista de "House"! David Shore, se não me engano. Sim, é esse o nome.
Tenho visto muita coisa de crime: às vezes páro nos "CSI" mas gosto, sobretudo, do que se passa em Las Vegas. Os actores são mais credíveis. Por outro lado, apesar de achar que David Caruso é um cretino, que põe sempre os óculos da mesma maneira, que tem o andar pedante de todos os polícias que não valem nada... apesar de tudo isto, acho-lhe piada. Os gestos exagerados e o facto de levar sempre a melhor com um certo espírito de filme dos anos 30 faz-me gostar da série. Ainda assim, prefiro "A Patologista". Gosto dela. Não tanto quanto gosto de toda a equipa da Casa Branca, especialmente de Sam Seaborn ou de Josh Lyman. Aaron Sörkin (não sei se está bem escrito) é um judeu muito bom. Escreve lindamente para televisão e, nesta série, "Os Homens do Presidente", ficamos a perceber melhor porque se batem Hillary Clinton e Barak Obama por um lugar na liderança do Partido. Perceber esta série é entender melhor o sistema político dos Estados Unidos. Tenho andado a ver os episódios em dvd, um a um. São sete temporadas mas ainda vou na terceira, a caminho das eleições.
E depois há "Boston Legal". Fantástico, o Alan Shore. Um advogado de primeira com tudo o que é preciso para se gostar dele: o charme, a inteligência, o sentido de humor. Não precisa de ser bonito. É essencialmente um excelente actor.

É uma pena que não tenhamos capacidade para guiões destes, para séries deste calibre. Honra seja feita a "Conta-me como foi" que nos conduz ao passado recente do tempo de Salazar. Mas nada mais temos que se veja. Já não lamento as telenovelas - que abomino - mas as séries que não temos. Acho que é, sobretudo, um problema de conteúdos. Não temos quem pegue numa história e desenvolva um bom guião. Tudo nos sai assim teatral, à antiga, pouco profissional.

Felizmente o Reino Unido e, sobretudo, os EUA, dão-nos pano para mangas no que respeita a séries. Não gosto de todas. Não acho piada a "Perdidos" ou à "Betty Feia" (apesar dos prémios). Mas gosto de "Donas de Casa Desesperadas" como gosto de "Irmãos e Irmãs", como gostei de "Sete Palmos de Terra". Uma espécie de ar fresco na televisão que nos chega, uma escola de actores e de profissionais que me faz querer mais, para além da pura descontração. Tenho-me esquecido dos livros, é certo, mas não consigo afastar-me dos mundos diversos que uma boa série me oferece em casa.

Agora vou ver mais um ou outro episódio.

segunda-feira, abril 07, 2008

Da pertinência de um blog

Não fiquei nada surpreendida pelo facto da Carrie ter causado o pânico geral quando anunciou o seu adeus do presente blog. E, tal como salientou a Samantha, haverá concerteza leitores mais assíduos (dependentes, até) deste blog do que eu, que dele faço (?) parte.
Um blog como diário, um blog como psicólogo, um blog com caixa de mensagens, um blog como repositório, um blog como aconchego, um blog como diversão, um blog como licença de voyeur...
Há muitas razões a enquadrar a pertinência de um blog e tantas outras para não os ter, os ler, os partilhar. Válidas e pueris, egoístas e inexplicáveis, secretas e irracionais.
Mas basta haver um (autor, leitor, pesquisador, crítico) para que se lhe cole a qualidade de imprescindível. Tal como os diários, os psicólogos, os padres e todos os outros repositórios/alter-egos/confidentes de emoções do passado.
Outros, como eu, ainda não trilharam esse caminho e não conseguem deixar escorrer para os dedos os turbilhões de pensamentos que encerram na cabeça.
Porque é mais fácil, porque é mais cómodo, porque ainda não subiram esse degrau na escada da partilha ou da auto-estima.
Bem haja autoras (adoro-vos) e leitores (adoro-vos por adorarem as autoras) deste blog.

Assumidamente (!), Charlotte.

P.S.-Ganhei um portátil e, aparte algumas pesquisas de notícias e de leitura do mail, esta é a primeira "criação" intelectual/emocional que fiz a partir dele. Mas tal não configura nenhuma promessa de continuidade. A saber, por todas as razões acima enunciadas.

Velhice

Emocionam-me, os velhinhos. Não esquecerei uma reportagem sobre um lar em chamas, velhotes a serem retirados pela janela, alguns de fraldas, eu na redacção, lágrimas pela cara abaixo... Acho que foi da convivência, desde sempre, com os meus avós paternos. Ambos viveram comigo desde que nasci: no caso da minha avó, até casar e sair de casa, com 28 anos. No caso do meu avô, um pouco menos porque não resistiu a um cancro na próstata. Quando toda a gente se emociona com histórias de criancinhas eu viro-me para os velhinhos; quando toda a gente gostaria de ser útil num infantário ou numa casa de adopção, eu penso num lar ou num centro de dia. Quem sabe, no futuro, irei lá parar com o meu tempo livre, para poder dar uma mão, ouvir coisas antigas, sorrir com quem já nada tem para rir...

Oiço muitas histórias de velhinhos. São difíceis, muitos deles. A partir de uma certa idade - é verdade - regressam à infância e exigem cuidados, atenção e mimos que só um menino de 3 anos também exige. Às vezes mais. Contam-me histórias de mau feitio: idosos que reclamam com os filhos, que se dizem maltratados quando têm o melhor dos mundos, velhinhos que dizem "leva-me para um lar", avós que mentem, inventam doenças e males de alma para terem a eterna companhia dos filhos. Tornam-se pessoas egoístas, às vezes más. Sei de uma que há muito não sabe o que é viver do dinheiro que ela própria ganha. Nunca sobreviveu apenas da reforma, paga os medicamentos e nada mais: vive em casa da filha - sempre viveu - não compra alimentos, nem roupa, não paga luz, água ou telefone... Ainda assim, já na casa dos 90, reclama. Todos os dias reclama com a filha. Que não gostam dela, que estaria melhor num lar, que não a tratam bem... A filha sofre, chora, desabafa comigo e procura explicações para uma mulher que ama e de quem ouve, demasiadas vezes, "por ti o melhor era eu morrer, ficavas mais descansada...". Duro e injusto. Contam-me sobre outra. Na casa dos 80, vive com a irmã. Também ela já esqueceu muito do que devia lembrar-se. Também ela faz escolhas e, no caso, escolhe uma filha em detrimento dos outros. Também ela, injustamente. E um terceiro caso, de mais uma idosa, a viver sozinha, que procura todos os dias a visita do filho. Recusa-se a ir ter com ele, a passar os dias com ele, a estar na casa dele com a mulher que ele há anos escolheu como esposa. Porém, quere-o todos os dias debaixo das suas sais e, para isso, cria problemas, inventa mazelas, sofre sem pecisar de fazê-lo. Curiosamente todas mulheres: eis os casos de três mulheres, entre os 85 e os 95 anos. Acho que os velhotes são mais simples e mais cordiais, agradecem mais o bem que lhes fazem mas, infelizmente para eles, duram menos anos.

O que fará destas doces avós pessoas tão cruéis? Porque lhes dá a idade este direito de prejudicar, de magoar? São todas católicas. Praticam o bem na Igreja e temem a Deus. Porém, em casa, deixam que um certo "mafarrico" tome conta delas e fazem chorar quem mais as ama. Filhos e filhas suspiram e perguntam-se sobre o que mais podem fazer. Pouco ou nada, direi. Se às crianças podemos dar uma palmada e educá-las, aos velhinhos nada mais podemos fazer senão suportar, compreender, ter paciência. Custa, imagino. Mas só temos de rezar por não vir, um dia, a ser assim. E já, agora, que os nossos filhos sejam como nós... Ou como estes filhos de que aqui falo.

Pesadelos

Estava na Jordânia e não me lembrava do nome da capital. Só me vinha à cabeça a cidade maior do Paquistão. Mas eu estava na Jordânia. Havia helicópteros e eu, jornalista, ia num deles com o meu caderninho de capa castanha, o que trago agora na mala. Iam mais jornalistas, todas mulheres, naquele helicóptero que sobrevoava a cidade em chamas. Havia casas a arder e podíamos ver as pessoas a fugir, as divisões vazias, os telhados caídos que tudo deixavam a descoberto. Havia mais jornalistas e o R. estava entre eles. Perdi-me dele mas sabia que nos voltaríamos a encontrar. Quando acordei lembrei-me de Amã.

O meu irmão insistia em perseguir-me, em mentir-me, comprou um carro em nome dele e queria convencer a minha mãe de que o carro era para os dois. O meu irmão do meio. Havia um prédio de vários andares e correu atrás de mim piso a piso. Eu passei por famílias a ver televisão, cozinheiras de momento, sofás vazios... e ele à minha procura, aparecia sempre onde eu julgava estar escondida. Chorei toda a noite.

Eu nunca estive em Amã e nunca fui jornalista de guerra.
Eu e o meu irmão sempre nos demos lindamente e, nos tempos em que partilhámos carro, fomos sempre justos um com o outro... Já lá vão uns 7 ou 8 anos.

Que sonhos são estes, então? Virá Freud explicar-me?

domingo, abril 06, 2008

Reclamação

Só aceitei vir trabalhar porque os senhores da meteorologia disseram que ia estar mau tempo. Onde assino para ter o meu dia de volta?

estados d'alma [xii]*

Como um elefante numa loja de porcelana.

[*repetição por motivos nada técnicos]

sábado, abril 05, 2008

serviço público

Chego a casa e ligo a televisão à procura de alguma forma de abstracção. Liga-se como sempre na RTP1. Não oiço o que dizem, sabe-me bem a ‘companhia’, mas percebo que é um documentário. Quando olho para a televisão vejo uma mulher a beber qualquer coisa de dentro de um pequeno recipiente de plástico, do tipo que se usam nas recolhas de sangue para análise. Falam de comida e sabores. Só quando aparece a segunda a dizer que é ‘doce de ligeiramente frutado’, seguida da voz off é que percebo que estas mulheres estão a provar sémen. Para descobrir o que comeram os companheiros [se fizesse uma lista das palavras que odeio, esta estaria lá de certeza], diz a tal voz off. Alguém me explica a utilidade de tal coisa? Não seria mais fácil olhar-lhes para o prato?

Vício

Não trabalho mais que 10 horas por dia. Evito fazê-lo. E tenho sempre uma voz que me chama, final do dia, estômago a dar horas, as séries à espera de serem vistas e compreendidas na televisão. Arrasto-me de manhã de uma cama quente num quarto escuro que é só meu. Sou rápida nas coisas do banho e da roupa, um pózinho na cara para disfarçar olheiras... Mas é lento o tempo que passa entre o toque do despertador e o primeiro pé no chão. Dói-me. Custa-me. Pede-me a alma que não saia dali, que retome o sono e procure um sonho que me faça dormir melhor. Ainda assim saio, levanto-me, sigo de olhos semi-abertos até ao duche que me ajuda a viver mais um dia. A partir daí, o cérebro entra em acção.

Este ritual diário que me deixa doente todas as manhãs, as reuniões que se seguem, duas horas de paleio, egos cruzados e dores de cabeça, ideias falhadas e apostas ganhas; tudo isto me faz querer trabalhar mais. Ao fim do dia, já a lua no céu, penso que não deveria regressar já a casa. Lá vem a voz de que aqui falei. Desligo o computador, não sem antes passar os olhos pelo dia seguinte, pela agenda, pelas coisas por fazer. E tudo isso levo comigo. Esqueço-me de tudo no intervalo para a refeição (a única decente do dia) e no momento do chá em frente ao ecrã. Às vezes cidreira, às vezes sabores. Sempre com mel. Se partilho o sofá fico até mais tarde naquele consumo desenfreado de episódios de um dvd genial. Se estou só, calcorreio os canais como se fosse um homem e deixo-me ficar nos programas sobre crimes e advogados, sobre famílias e mulheres desesperadas, sobre médicos e casos de urgência. E de morte.

Desisto quando o que me resta é aquele canal que tem um tipo a fazer visitas pornográficas. Boçal. Evito o livro porque não quero pensar (é pena) mas vêm-me então os pensamentos do dia. Nessa altura, às voltas na cama, experimentadas todas as posições de descanso, o meu cérebro actua como se o duche estivesse de novo a molhar-me. Faço contas e balanços, planos e previsões; penso no que fiz e no que devia ter feito, no que disse e no que devia ter dito. Penso nas pessoas a quem não telefonei, imagino ideias para os dias seguintes, organizo um mapa que é tanto de trabalho como de complicações. Quando, finalmente, adormeço, estou já esquecida da razão que me levou a pensar em tudo. E isso obriga-me a fazer tudo de novo, no dia seguinte.

sexta-feira, abril 04, 2008

da paciência

E a meio da discussão é como se me tivessem posto um espelho à frente. Oiço-me pela primeira vez em anos. Apercebo-me da minha linguagem corporal. Da agressividade. Estou em território amigo e percebo que ajo como se estivesse em campo de batalha. Assusto-me. São milésimos de segundo para entender o que nunca tinha percebido. A pausa não chega para me travar. O tom irritado. A voz muitos decibéis acima do normal. A consciência de que não preciso de falar mais alto para me fazer entender. Que posso vencer apenas pela argumentação. Sei que estou certa. É assim todos os dias. Com tantas pessoas diferentes. Esgotei a paciência. Faltei à última distribuição do racionamento deste bem cada vez mais escasso.

Mentira

Eu não gosto de mentiras e há muito deixei de mentir. Aos 19 anos mentia ao meu pai quando, às cinco da manhã, ele seguia para o trabalho e eu me cruzava nas escadas com ele. Cansda, olheiras e cheiro a vodka-laranja, dizia-lhe que estava a chegar do trabalho. Ele acreditava. Mas eu ainda não era barwoman do Plateau...

Depois comecei a mentir ao meu namorado. Houve uma mentira dura, que veio depois de uma dura verdade. Numa noite de Inverno, quase a chegar ao fim do ano, num hotel à beira-mar, consegui contar-lhe que o tinha traído. Coisa complicada porque, já se sabe, as mulheres (muitas) quando traem, fazem-no com o coração. E eu estava com ele nas mãos, o meu namorado nos braços. Atirou-se para o chão a chorar. Foi penoso vê-lo naquele estado. A cena demorou muuito tempo, tanto que não sei se foram horas ou minutos, mas quando demos por nós estávamos já no dia seguinte. Perante as explicações e os porquês, perante a dor que me dava pena, perante a incredulidade e a injustiça, resolvi mentir. Disse-lhe que não, que não o tinha traído, que estava apenas a testá-lo, que me perdoasse a "mentira". Ele ficou descansado e voltou a sorrir. Não sei se alguma vez fez o mesmo mas, se sim, terá sido merecido. Anos mais tarde, já a caminho de assinar os papéis do divórcio, falou-me dessa noite e de como continuava sem saber o que realmente tinha acontecido. Arrependo-me hoje dessa mentira. Mais: arrependo-me (tanto) de o ter enganado porque essa é a mentira que mais abomino no ser humano. Nada justifica uma traição, penso agora. Nada. E demorei anos a perceber isso. Por isso não minto. A ninguém. Sou hoje clara como água e até evito as meias verdades. Aquela desculpa de não contar a verdade toda não me preenche, não chega.

Vem tudo à mesa isto por causa do dia das mentiras. Uma data universal que todos - e especialmente a Comunicação Social - usamos para uma pequena mentira. São, geralmente, mentiras que não prejudicam ninguém, uma espécie de "Inimigo Público" num só dia. Mas eu não gosto. Não colaboro, não minto. Serei como os ex-fumadores que se tornam fundamentalistas no dia em que abandonam os cigarros. Talvez seja assim... mas, de forma alguma, digo uma mentira. Sem querer parecer aqueles concorrentes do Big Brother cuja maior qualidade é ser "frontal" (adoram ser frontais!), sou assim uma espécie de grilo falante de mim própria, o anjinho a falar mais alto e a ensinar-me como dizer a verdade sem magoar em demasia. Às vezes falho. Mas prefiro essa falha a uma mentira. Verdade?

O Blog

De facto, como pergunta - e bem - a Carrie, para que serve um blog? Para que serve um blog onde deveriam escrever quatro pessoas e para o qual só duas contribuem regularmente (sim Miranda, sei que estás aí a ler - a Charlotte nem isso, paciência)? Serve para nós, que escrevemos, ou para quem nos lê? Acho que para todos. Eu escrevo no blog como quem escreve um diário. Às vezes invento, outras vezes conto o que me vai na alma; às vezes misturo ficção e realidade, muitas vezes divago. Venho aqui falar convosco e comigo própria. É como ir ao psicólogo, alguém nos ouve e pouco ou nada diz, mas nós falamos e ouvimos o que dizemos, em voz alta. Esse ouvir faz-nos pensar, meditar, tomar posições e fazer alguma coisa para mudar o que está mal. Quando passo por aqui sinto-me assim. Não leio muitos blogs. Na verdade, quase não leio blogs. E tenho pena. É como falhar os programas e as séries de telvisão que achamos interessantes: sabemos quais são, qual o canal e a que horas são transmitidos, mas raramente ligamos o aparelho. Com os outros blogs sou assim. Passo por um ou outro, raramente deixo um comentário, respondo muito pouco ao que comentam nos meus posts. Não é falta de educação, nem tão pouco desinteresse. É uma forma de estar na blogosfera. Dizia que gosto de aqui vir. Gosto de ler a Carrie porque é minha amiga e assim estou sempre a par do que se passa com ela (não é verdade que falhamos, tantas vezes, o contacto com os nossos amigos?). Acho-lhe piada e, claro, se ela abandonasse este barco, eu ia com ela. Este blog é, acima de tudo, um espaço de amizade. E gosto de quem por cá passa. Gosto de saber que nos lêem (não faço ideia quantas pessoas são por dia, não sei sequer usar aquele meter não sei das quantas) e acho óptimo que nos comentem. E sim, creio que isto é um pouco do que eu sou. Não está cá tudo mas, confesso, não escondo muita coisa. A maior parte dos que por aqui passam não me conhece, pessoalmente, mas talvez seja já capaz de traçar traços (e passo o pleonasmo) da minha personalidade que muitos dos que comigo lidam desconhecem. Sempre gostei de escrever, tenho uns caderninhos espalhados por aí com coisas que escrevi ao longo da vida. Quase sempre coisas tristes. Mas também diários de viagem e outro tipo de pensamentos. Passo os dias a escrever e a ler, o que eu escrevo, o que outros escrevem. Às vezes penso no blog como um prolongamento do trabalho e não me apetece ligar o computador. Outras vezes deito-me a imaginar o que gostaria de ter escrito, quase me levanto para vir aqui, mas então desisto e penso que amanhã também é dia. Depois passam-me as ideias e fico sem dizer nada. Já vai longa a meditação, assim tudo de seguida, sem parágrafos, que os abandonei neste blog. Queria apenas deixar claro que a blogosfera me agrada, mesmo que não discutamos aqui a política nacional, as opções mundiais ou o intelecto do povo. Às vezes são as coisas simples que nos fazem felizes. E esta cidade já contribui para a minha felicidade.

quarta-feira, abril 02, 2008

Adeus [ii]

O post ali de baixo foi mesmo uma brincadeira de primeiro de Abril. Mas os comentários dão que pensar. Conheço todas as pessoas que comentaram à excepção dos anónimos. Ou talvez conheça, não sei. E é com os anónimos que fico pasmada. Afinal quem são as pessoas que nos lêem?

Há quase três anos o Bandeira lincou a cidade e eu envie-lhe um mail, totalmente a despropósito, como são muitas das coisas que faço na vida, a perguntar porque o fazia. Depois fui percebendo que os links são aleatórios. Há quem linque todos os blogues sem qualquer critério, quem linque porque conhece os autores, quem linque porque gosta do que lê. Há muito de voyeurismo na leitura dos blogs.

E depois há pessoas como o anónimo das 9:10 AM… Escreve ele[a]: “Espero que seja um também devaneio, ou melhor, que seja uma mentira algo maldosa (porque magoa quem lê)”. Magoa? Mas que raio esperam de nós? Como se pode magoar quem não conhecemos? Quem não sabemos que existe?

Caro anónimo, desculpe se pareço pouco sensível ou mesmo bruta, quem me conhece sabe que não é defeito é feitio. Mas esta Cidade é uma brincadeira. Esta Cidade não somos nós. É apenas um pedaço de nós.

faço anos em Junho

terça-feira, abril 01, 2008

adeus

A vasculhar o documento Word que alberga muitos dos meus devaneios nesta cidade sem sexo, à procura de uma carta de despedida escrita há meses, encontro uma frase solta. “Qualquer coisa que precises tu diz-me (inclui castrações ao domicílio).” É uma frase das conversas esquizo que tinha com a Dia, noites longas partilhadas na janela do msn quando esta cidade fazia sentido. E esta cidade faz cada vez menos sentido.

A carta é um dos muitos drafts que durante muito tempo se amotinaram no blogger. Pensei em publicá-la hoje. Mas já nem isso faz sentido. Tantas vezes me perguntei hoje porque raio tenho um blog, sem chegar a conclusão nenhuma. E de repente a única coisa que faz sentido é pôr um ponto final do assunto. Não no blog que continuará por certo a albergar a Samantha. Mas apenas na existência da Carrie.

Por isso, a todos os que leram, comentaram, criticaram ou elogiaram, o meu agradecimento.