terça-feira, outubro 31, 2006

Outra vez

Mais uma enxaqueca.
Sinto-me atordoada.

A cabeça roda como se estivesse de ressaca. O corpo endurece cada vez mais e podia ser batido com um pau, que não passaria de um tapete pendurado à janela, à espera que lhe tirassem o pó.

Os olhos fecham-se e as olheiras marcadas até à alma, não enganam ninguém.
Os pés movem-se sem saber para onde e nem porquê. Querem ir para casa, para a cama, mas não podem. O cérebro, a parte que funciona, não os deixa sair.

Estou outra vez derrubada. Caída no chão. A funcionar por habituação.
Preciso de um dia novo.

domingo, outubro 29, 2006

Amor no meu imaginário

Penso em ti à distância de um oceano que nos separa. Sei que voltarás, em breve, e conto os dias que faltam para receber os apertos no nariz, as lambidelas no rosto, os mimos diversificados, a palma da tua mão na minha, o olhar que me segura. Grito quado metade disto acontece mas já não posso passar sem eles, sem os sinais do teu gostar, do teu amor, da tua saudade e da forma como me queres bem. Eu não sabia que havia alguém a querer-me bem assim. Eu não sonhava. Nem precisaste de mo dizer. Adivinhei pelos teus gestos, pelos teus olhos, pela forma como sempre entras no meu dia, seja de manhã, tarde ou noite.

Eu não sei o que viste em mim. Sou tão diferente daquilo que durante anos procuraste. E então descobriste-me e ainda me descobres, aos poucos, e ajudas-me a descobrir-me também, porque há coisas que nem sei de mim e há tantas que já esqueci. O amor existe? Eu não sei se te posso amar. Eu não sei se já não te amo. O amor é esta falta que tu me fazes? O amor é uma saudade que se deita ao meu lado todas as noites e acorda comigo de manhã cedo? Será isso o amor?

Eu já não sei. Perdi-o ou penso que o perdi e não sei como é amar ou penso que não sei. Amar até à morte, acreditar assim, amar para sempre, acreditar nesta forma de estar. Eu não sei se te amo ou se saberei amar-te como mereces, mas o teu amor enche-me de medo e de vontade de gostar de ti, também eu, sem saber se faço bem ou mal, se é desta ou de outra maneira qualquer.

Fazes-me falta agora, nesta sala onde escrevo depressa num teclado negro onde vejo o brilho do verniz vermelho escuro das minhas unhas que preferes brancas. Leio-te nas capas de alguns livros que povoam os meus cestos e as minhas prateleiras e sei que estás nelas como se estivesses aqui. Leio-te nas crónicas do Lobo Antunes de quem tanto gostas, mesmo que o considere distante e arrogante, e inútil. Mas tem a tua aprovação e isso merece o meu respeito. Vejo-te nos dvd's das séries que gostas de ver enquanto te ris sozinho, e que voltas atrás para repetir cenas e contas aos amigos em pormenor e sabes quem entra, quem realiza, quem caracteriza, quem produz. Sabes tudo como se também soubesses se te amo ou não. Coisa que eu não sei e não te vejo a querer saber. Por medo, não queres saber.

Beijava-te neste momento com a ternura que há mais de um ano nos une e ultrapassa barreiras que julguei intransponíveis. Por esta hora lerás um jornal, verás um filme, ou simplesmente dormirás com o teu sono pesado que me acorda se dormes comigo que me deixa louca a respirar o ar da noite, que não me deixa descansar, mas que me deixa descansada porque a tua presença é mais importante que o meu sono quieto. Beijava-te agora as mãos, sempre quentes e deixava que me embalasses nos teus braços gordos, no teu grande corpo que não me importo que tenhas, que não pensei vir a ter, que não julguei agarrar e que agora só me toca, e esse toque faz-me bem.

Do outro lado do Atlântico virás com sabor a sal, pouco queimado sem praia, mais culto e sabedor de tudo o que já sabes porque os livros entram na tua vida à velocidade da luz e só quando eu chego se apaga essa luz para que se acenda outra, talvez a das estrelas, talvez a que nos faz sonhar, talvez a que me faz pensar. Será isto o amor?

Fim-de-semana [ii]

O fim-de-semana condensado em 24 horas. Acordo cedo. Estremunhada. Rabugenta. Sofrendo por antecipação. Sabem a pouco estes sábados. Café tomado à pressa. Depois ligo. Inventar qualquer coisa para não pensar no trabalho. O pasquim que agora nunca me sai da cabeça. Estou ligada à corrente de manhã à noite. Descanso compacto, disfarçado de horas de leitura. O som dos comboios que fazem 150 anos, estacionados ali ao lado. Aquece-me o sol. Refrescam as ideias. Acalma o nervoso miudinho ao sabor da corrente do Rio. Prometo que amanhã volto.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Fim-de-semana

Chegou devarinho numa sexta-feira ao fim do dia. Instalou-se ao meu lado e prometeu-me descanso. Acolhi-o com força e acreditei. estava a precisar dele como quem precisa de um copo de água para matar a sede. Fizemos planos juntos, mas sem grandes pressas. Um jornal aqui, um pequeno-almoço prolongado ali... um café com uma amiga e um almoço em família. O resto viria com o tempo.
E tínhamos dois dias para disfrutar.
Que bom!

Telefone

Ouvi a tua voz do outro lado do Atlântico e soube-me bem. Tocaram à porta para te entregar um jantar que vais comer sozinho. Como acontece comigo, sempre que não estás.

Tinhas uma ternura doce e quente quando falaste comigo. Senti-me tão bem que posso deitar a cabeça na almofada e serenar.

Tenho saudades. Ainda bem que voltas um destes dias.

quinta-feira, outubro 26, 2006

O mundo ao contrário

Vivia ao contrário de toda a gente: levantava-se tarde, quando o mundo acordava, no máximo, às 8 da manhã; deitava-se cedo, às vezes mais cedo que o resto do mundo. Não comia. Às vezes jantava, mas nunca almoçava. Bebia galões e comia pães com manteiga, integrais ou de Deus - às vezes croissants - tinha o frigorífico vazio, o congelador avariado, a despensa cheia de produtos fora de prazo.

Trabalhava com afinco mas nunca estava completamente satisfeita. Queria fazer mais mas perdia as forças, fazia o que podia, deixava-se levar. Às vezes lutava e conseguia. Às vezes assegurava os mínimos e vivia ao ritmo de um lugar conquistado.

Dormia mal, a maior parte das noites. Tinha sono de dia. Acordava a sonhar de noite e nunca sonhava acordada. Não tinha objectivos e pensava um dia de cada vez. Não tinha futuro e nada previa a não ser o dia de amanhã. Quando muito, até meio da tarde porque a noite era sempre uma surpresa.

Deixara de sair e chegava a casa antes de baterem as 12 badaladas. Se chegasse mais cedo ia logo dormir porque não tinha companhia, nem jogos, nem programas, nem comida, nem nada que lhe ocupasse o tempo. Às vezes lia. Tinha centenas de livros. Mas depressa se cansava e fechava as páginas ao fim de 5 ou 10 minutos. Tentara todos os estilos literários, mas nenhum a prendia mais do que isso. Tentara todos os canais e todos os filmes em DVD, mas nenhum a mantinha acordada.

Era um mundo esquisito, sem controlo nem sabedoria. Era um mundo vivido a cada minuto, sem projectos nem concretizações. Estava tudo ao contrário e não sabia como virar tudo outra vez.

Às vezes ia ao ginásio, mas fartava-se dos exercícios repetitivos e das músicas para relaxamento. Tomava o pequeno-almoço fora de casa, e comia sempre a mesma coisa. O homem do bar já sabia e mal a via entrar tirava-lhe logo um galão. O mesmo faziam os homens e mulheres de cada bar que conhecia, no trabalho ou noutro sítio qualquer aonde tivesse entrado mais do que cinco ou seis vezes. Já conhecia o barulho da máquina e tinha uma cor e uma temperatura certas para beber aquele leite com café. Não gostava de café, mas bebia-o com leite. Sentia-se mais acordada e às vezes servia de ponto de encontro, esse galão a meio da tarde.

Vestia roupa diferente todos os dias mas já estava farta de abrir o guarda-roupa. Não tinha dinheiro para comprar mais e o que tinha sobrava-lhe para três Invernos. Se chovia saía de gabardina; e se estava sol não calçava as botas. Não tinha regras mas costumava agir assim. Não escolhia a roupa no dia anterior, limitava-se a abrir o roupeiro e a retirar as primeiras peças. Às vezes escuras. Às vezes refrescantes, conforme o pessimismo dos dias, porque nunca era optimista.

Fazia sempre o mesmo percurso e pagava sempre o mesmo valor de portagem. No regresso era a mesma coisa mas sabia caminhos alternativos. Como na vida, decidira-se a viajar no mais fácil, no mais cómodo, mesmo que lhe saísse mais caro.

No banco tinha a conta em saldo negativo e devia dinheiro à família. Tinha um cartão para o mês seguinte mas nunca o usava para não perder o rumo. Ainda assim gastava muito. Tinha médicos e receitas, tinha galões e pães com manteiga, tinha prendas de aniversário para todos os amigos, tinha despesas da casa, do carro e da vida.

Tinha o mundo ao contrário. Sabia disso. Prometeu virá-lo numa nova maré.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Desabafo

I’m good. Really good!! E tenho uma equipa do caraças!!!

[desabafo murmurado à saída da garagem, a poucos minutos das nove da noite. Sei que não posso fazer a festa. Largar foguetes. Abrir o champanhe. Que sair cedo não é a regra. Apenas a excepção. Ainda estamos em fase de enamoramento. Eu [muito] controlada. Faço tudo por tudo para não passar das marcas. Respeitar o espaço deles. Delas. Somos uma equipa de mulheres. Fantásticas! E elas esperam para ver. Ainda estão a avaliar se podem confiar. Eu espero não as desiludir.]

Afectos [viii]

Há horas que valem por dias inteiros. Em que tudo faz sentido e o riso despudorado é sinal da sanidade mental que ainda me resta

[sem] palavras*


[* porque encontrei isto aqui e me lembrei disto]

terça-feira, outubro 24, 2006

Há pessoas fantásticas, não há?

S. tem 35 anos. Solteira, nunca casou, nunca viveu com nenhum homem. Teve sempre azar com os que escolheu, casados, com filhos, que se serviram dela para passar uns bocados. S. acreditou que era amada e prosseguiu, naquelas pseudo-relações, feitas às escondidas, guardadas entre os colegas no maior secretismo.

Não vive em Lisboa. Ainda demora uns bons 40 minutos a chegar à capital. Entra às seis da manhã, o que quer dizer que acorda, todos os dias, às 4h30. Ontem liguei-lhe pouco passava das 20h e estava a preparar-se para ir dormir. Preparava-se sozinha, para ir dormir sozinha.

S. não tem mãe. Morreu há pouco tempo, doente, mas o pai compensa-a com os mimos de uma velhice em solidão. Vão de férias juntos, para se sossegarem mutuamente. Fazem praia. E gostam.

Mas S. tem uma irmã. E é nesta relação que mais me surpreende: Vai todos os dias buscar o sobrinho de ano e meio à escola, dá-lhe jantar e banho, toma conta dele como uma mãe. Quando a irmã chega do trabalho também já tem jantar na mesa e, quanto ao cunhado, não há que duvidar: prova dos belos cozinhados de S. todos os dias da semana.

Ao fim-de-semana S. afasta-se. Diz que quer dar espaço à irmã e ao cunhado. Eles não se importam. Ela já fez todo o trabalho da semana, desde tomar conta da criança, às limpezas e cozinhados. Não a chamam. Ela não vai. Segunda-feira S. volta a fazer parte da família.

S. diz que é feliz. Vai duas horas por dia ao ginásio e ocupa-se do sobrinho, que adora. De resto, pouco lhe importa não receber, da irmã, sequer um obrigada, 'ela é mesmo assim, nem ligo'. E S. prossegue a sua tarefa diária de empregada e ama, sem ser paga, e sem ter um gesto de carinho. Apenas a satisfação moral.

A caminho, vem outra criança. Assim será fácil, não é?

segunda-feira, outubro 23, 2006

Até já

O sentimento geral é de cansaço. Desorientação. De que não controlo nada. O trabalho aparece feito. As páginas não vão em branco. Mas ao terceiro dia contínuo sem entender como chego ao fim. Dêem-me mais uns dias. Quem sabe se no final da semana não tenho algumas respostas.

sábado, outubro 21, 2006

O grande dia

O branco ficava-lhe tão bem! Era um presente dos padrinhos, que tinha custado uma fortuna. Assentava-lhe como uma luva graças às três provas que tinha feito nos últimos meses. Estava à medida, como tem de estar o vestido do dia do casamento. Era o grande dia, o dia dos sonhos, o dia esperado, o dia que tinha preparado com a devida antecedência, com o trabalhao dobrado, com a ajuda de todos. O grande dia de todas as mulheres.

A cabeleireira tinho ido a casa e passou-lhe a tesoura pelo cabelo. Não levava véu e o cabelo, curto, desprendia-se com leveza para não precisar de mais nada. Brilhavam as orelhas com uns brinquinhos pequenos que tinha comprado para a ocasião e tinha, em cima da cama, o famoso bouquet. Uma amiga tinha-lho preparado, com tulipas vermelhas e folhas verdes em volta. Simples. Bonito. Contrastante.

Foi no carro do irmão para a igreja, descapotável para que todos soubessem que ia casar. Não chegaria atrasada mais do que dez minutos, uma questão de respeito, e de desejo. Porque a ocasião não era de atrasos nem de esperas. Queria-se já. Vivida.

Ele disse-lhe que estava linda, quando chegou ao altar. Todos os olhares já lho tinham dito, à medida que passeara, ao lado do pai, naquela passadeira vermelha que parecera então infinita. Sorriu. Sorria apenas de felicidade, de encanto, de alívio, também. Estava ali. Tinha valido a pena.

***

Foi estes momentos que recordou cinco anos depois, já sozinha, vestida de negro e com um vermelho vivo numa blusa decotada. Ao contrário do grande dia, neste, usava pérolas (falsas) que lhe caiam pelo peito até ao umbigo e deixavam o nó no fundo do decote. Ela também tinha um nó, mas na garganta. Quando fez as contas ao tempo quis que ele parasse, pensou se queria voltar atrás. Mas depressa mudou de ideias e sorriu para o futuro. Voltar atrás para quê? Para voltar às dores maiores que tinha vivido desde o grande dia?

Não haveria outro grande dia, e até ali os dias tornaram-se pequenos. Todos. Sem excepção. Ainda assim, todos juntos eram maiores que o primeiro e podiam fazê-la mais feliz. Limpou uma lágrima do rosto e cruzou as pernas, no banco da sala de espera da psiquiatria. Tudo se encaminhava para o fim do suplício, mas não era fácil. Pegou nas pérolas com a mão e espreitou o mau temepo pela janela. Tinha uma riqueza falsa e precisava, o mais depressa possível, de torná-la verdadeira. Não vinda do fundo do mar, mas do fundo da alma, de uma coração preso ao passado, preso às memórias, preso a uma amor encerrado. Soltou o colar e pegou no telefone. Mandou uma mensagem ao namorado, de férias a 10 mil quilómetros dali. Ele sabia que dia era aquele. Ela nunca esqueceria a data. Mas podia torná-la mais suave, e encurtar as horas sempre que fosse 20 de Outubro.

A médica chamou-a e entrou. Já não chorava.

sexta-feira, outubro 20, 2006

O peso da responsabilidade *

Saiu de casa com as calças pretas que lhe ficavam bem e a camisa vermelha, meio opaca - meio brilhante que lhe fazia sobressair o peito. Não tinha sido de propósito mas sentiu, ao descer pelo elevador, que não iria passar despercebida. Não era só pela roupa. Não naquele dia. Naquele dia sobressairia também por ela, pelo que dissesse, pelo que escrevesse, pelo que mandasse, pelo que acatasse - ou não - pelo que sentisse.

Nunca se tinha sentido tão bela e tão insegura. Teve a certeza que pouco importava aquela aparência atraente, quase sempre irrestível, um abanar próprio do corpo, um penteado que lhe moldava um rosto fino e agradável. Hoje tinha um batom sem cor. Apenas luzidio, apenas o reflexo suficiente para se desejar um beijo. Ou uma palavra.

Chegou ao jornal mais do que a horas para um café e tomou-o, sozinha, enquanto fumava o segundo cigarro do dia. Fazia aquilo com destreza e com uma certa sensualidade. Mas hoje o fumo parecia-lhe fogo e o café não era sinal de break, mas de uma nova era, um novo passo na carreira, um aceitar de responsabilidades de que não estava à espera. Coordenadora? Editora? Pouco importava o título. O trabalha ia dobrar - já sabia - e os olhares iam amontoar-se nos seus ombros. Respirou fundo e viu a reedacção ainda vazia: 'Vamos lá!', pensou. E saiu da sala de fumo.

O dia passou num ápice, como sempre acontece quando temos muito trabalho. Os sorrisos misturam-se com a tensão e com as rugas já marcadas quando franzia o sobrolho. A meio da manhã já o brilho do batom tinha desaparecido. Naquele dia não houve tempo para retocar. Assistiu à reunião do lado de dentro do gabinete envidraçado que sempre se habituara a ver de fora. Lembrou-se de imaginar as palavras, pelos gestos, pela postura dos que lá estavam, no interior. E agora era ela que gesticulava, que falava, ainda a medo. Que era ouvida. E outros olhavam, do lado de fora.

O dia passou num ápice. Já disse.

À noite, só deu pelo escuro quando foi obrigada a ligar os médios. Tinha a cabeça feita em água e o penteado já fora do sítio. Continuava bonita. Tinha o sorriso cansado de quem tinha cumprido a tarefa. E bem. Sentiu que assim seria todos os dias. Não havia razão para ser de outra forma. Retocou o batom para se ver no retrovisor. Ajeitou a franja e meteu a primeira. Naquele primeiro dia tinha passado a prova. Com distinção.

O resto viria depois. Um problema de cada vez. Uma solução para cada um. Era assim na vida. Porque não o seria no trabalho?

Quando se deitou adormeceu. E sonhou que vivia agora uma realidade que tinha sonhado acordada. Era preciso aproveitar!


* Ou um beijo de boa sorte!

quinta-feira, outubro 19, 2006

Carrie no mundo das pessoas crescidas

Não é tanto pela responsabilidade. Não é pela carga horária. Nem sequer pelas reuniões intermináveis. Ou pela hipótese de ter que mudar de lugar. É mesmo o desafio de manter a boca fechada. Contar até 1000 antes de atacar. Pensar. Medir. Pesar. Cada palavra. Cada gesto. De saber quando termina o meu espaço e começa o dos outros. Válido para ‘cima’. Principalmente para 'baixo'. Controlar o autoritarismo. A mania que sei. Posso. Faço. Mando. Lembrar-me que tenho mais a aprender com eles do que o inverso. Ouvir. Ajudar. Acelerar. Despachar toda a gente para casa a tempo e horas. Para já medo. Muito medo. Pânico.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Águas passadas

Chove torrencialmente e só a custo cheguei a casa ilesa. O Peugeot 307, habituado a andar acima dos 140, manteve-se na casa dos 70 Km/hora, por precaução. A chuva turvou-me a vista e talvez por isso tenha recuperado as imagens do passado, sem me deixar olhar em frente. Às vezes o olhar prega-me partidas e deixa que outras águas me caiam dos olhos, como se valesse a pena molhar o rosto.

Como uma gelatina de morango às colheradas. Dizem que faz bem. Como uma todas as noites, assim como também como, todas as manhãs, um iogurte com cereais misturados. Questões de saúde, recomendações médicas. Dos mesmos médicos que me disseram para te esquecer, os que me ajudam a sair de ti, os que te querem tirar de mim. Mas a chuva volta a turvar-me a vista e fico a rodopiar nas águas, à deriva, em pião.

A música que a RFM passou, já vinha quase a chegar, fez-me pensar nisto tudo. Eu até tive uma noite saborosa, recebi presentes, jantei bem acompnhada, resolvi problemas... eu até estava em paz com a minha cabeça. Mas aquela maldita música começou a ser traduzida nos meus ouvidos como se houvesse alguém, do outro lado do receptor, a dizer-me cada palavra em segredo, em português, para compreender melhor. Não chorei. Deixei que a chuva fizesse o esforço de continuar a correr vidros fora.

Ainda me fazes falta. Não sei porquê. Não sei para quê. Não sei se é um vício se uma necessidade. Não sei se é o mês - lembras-te? é quase dia 20 - se é a vida, apenas, em cada dia. Gostava de poder abraçar-te e não sentir pena, nem remorsos, nem mágoa. Gostava de me livrar de ti de uma maneira carinhosa.

Mas nem o abraço chega, nem sequer consigo ver-te - não fossem os sonhos, claro - nem foges da minha vista, que turva com as águas, mas deixa bem clara a tua presença. Caem bátegas, lá fora. Cá dentro ainda estou de olhos secos.

terça-feira, outubro 17, 2006

O gosto dos outros

Não é fácil gostarmos todos da mesma coisa. Nem terá de ser assim. Como diria a minha avó,'é da maneira que o mundo não tomba'.

Mas há coisas de que os outros gostam que eu detesto. E há coisas que os muito próximos de mim gostam, que eu detesto. E aí é que reside o problema.

Se duas pessoas se entendem na maioria das coisas mas não partilham a mesma opinião em duas ou três, consideradas fundamentais, como fazer? Ter paciência? Refilar? Não dizer nada? É que nunca se chegará a acordo. Disso tenho a certeza.

O gosto dos outros tem de ser respeitado, sobretudo se gostamos deles, dos outros. Mas se detestamos o gosto deles também os detestamos a eles? Não me parece, mas apetece-me. Apetece-me detestá-lo por ele não gostar do que eu gosto. Pior: por gostar do que eu não gosto.

Não vou conseguir uma vida a dois como ela se quer, pois não?

A favor da despenalização. A favor do voto. [II]

Sócrates manifestou-se ontem a favor da despenalização do aborto. Diz que vai exercer “um dever cívico”, dando a cara pelo SIM. A conferência foi ontem, escassos dez minutos depois de Teixeira dos Santos ter apresentado ao País o OE para 2007. A intervenção do primeiro-ministro, desculpem, do secretário-geral do PS, que merece o meu aplauso, peca no timming. Convenhamos. Enquanto o País discute se vai pagar mais ou menos impostos, alguém esteve interessado na declaração de Sócrates? Alguém leu hoje nos jornais?

Há dias assim...

Preciso de energia.
Algo que me faça mudar.
Novidades na minha vida.
Força para fazer de novo.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Afectos [VII]

Juro que tentei. Empurrei-as pela janela do 6º andar. Atei-as com uma corda, fechei o saco que atirei de uma ponte abaixo. Dei-lhes 605 forte. Atirei-as para debaixo de um comboio. Mas não matei as saudades...

30 anos

Fazia 30 anos. Mas já tinha vivido, aos 29, muito mais do que muitas pessoas com 40. Tinha viajado, tinha sido mãe, tinha tido várias experiências profissionais, tinha sido feliz - e depois infeliz - com vários homens, tinha sido o centro do mundo, tinha gostado disso, tinha odiado sê-lo.

Mas hoje fazia 30 anos e acreditava numa viragem.

Parabéns! Era tudo o que podia dizer-lhe.
Com o coração a acreditar num futuro ainda melhor.

Noites mal dormidas

Há duas noites que não durmo. Literalmente. Esta voltou a trazer-me uma enxaqueca que tento reduzir com um 'Migretil', e um desabafo neste post. Sinto-me sozinha na noite das trovoadas e dos relâmpagos com uma dor que é sempre minha, demasiadas vezes minha, e que quero expulsar mas não partilhar. Escrevo às escuras apenas com a luz do écran a iluminar-me o rosto, ligeiramente descaído, para não ser ofuscada e assim contribuir para o aumento da dor. Podia estar na cama mas tenho medo. Fecho os olhos e vejo coisas terríveis. Assim não: Deito cá para fora os meus anseios, os meus receios de madrugada. Ninguém sabe, por agora, só eu. A casa mergulha no silêncio mas sei que, por estas horas, já há quem esteja prestes a sair para trabalhar. Esta segunda-feira regresso, depois de 15 dias de férias, à Editoria. Talvez esteja a antecipar esse stress, esta minha dor, ou talvez esteja apenas a queixar-se do fim do descanso. Sem ele.

A chuva cai. Estava previsto o homem do jardim chegar às 9h. Não creio que venha fazer alguma coisa. Preciso de ver a relva colocada e as plantas a crescer. Preciso de um horizonte mais bonito que umas ervas dominadoras que amareleceram com o sol e cresceram sem rei nem roque. Preciso que cada parte da minha vida se organize para que, cá dentro, as coisas tomem um rumo de vez.

A noite passada foi em Aveiro. Um desastre. Não estava sozinha mas o medo não me deixou dormir. Acordei o Rei para lhe chorar no ombro e queixar-me das partidas dos sonhos. Ele passou-me a mão pela cabeça e aconchegou-me. Hoje não tenho essa sorte e peço o aconchego das teclas que me deixam desabafar. Os sonhos eram maus, muito maus. Assustadores, a ponto de não pregar olho, ter medo, falar alto, gritar. Eu não quero deitar-me com o terror de não dormir. E passaram assim duas noites.

Oiço a chuva na varanda e as pingas mais grossas que batem no metal oco. Já não acordo com o barulho porque os meus olhos não se fecharam. A cabeça explode. As veias querem saltar cá para fora. Digo-lhes que é lá dentro que devem permanecer. É melhor assim. Não estão convencidas, mas eu serei mais forte.
Eu e o 'Migretil' que nunca mais faz efeito.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Satisfeitas[os]?

[listagem não exaustiva das pesquisas dos leitores que chegaram ao mais cidade por motores de busca. pergunto-me se algum deles terá ficado minimamente esclarecido...]

Mulheres dominadoras sádicas
Desejos molhados
Viver na mesma casa com um homem em camas separadas
Como comportar-se na cama
Com gripe – aves
Mulheres gajas raparigas com sexo
Benefícios do sexo

Viagens

[Com sorte] As viagens de trabalho são parentes pobres das férias. Algumas que são apenas enfadonhas visitas a aeroportos. Conheço o de Frankfurt e Heathrow quase tão bem como a Portela. Nunca visitei Frankfurt e as visitas a Londres resumiram-se a duas estadias de menos de 24 horas.

Fui de Lisboa a Cannes num Volvo S80. O volante esteve várias vezes na minha mão. Tremi quando me apercebi que o conta-quilómetros estava nos 200km/h. Há quem ainda trema quando se fala nesta viagem. Passamos a fronteira e dormimos em Itália. Ainda passei pelos casinos do Mónaco. Conheci Cannes uns anos antes. Uma semana passada no centro de estágios de uma das minhas empresas xpto. Horário das 8h às 18h. Duas horas de almoço. Piscina mesmo à mão de semear num Junho repleto de sol. A mesma piscina para onde fui atirada vestida. [Era a única que, novata naquelas andanças, não tinha levado fato de banho. Desde então, mesmo no Inverno, o biquíni vai sempre na mala. Como o chapéu-de-chuva no Verão.] Conversávamos até altas horas. O conceito de bar aberto era levado à letra. Depois do café os empregados desapareciam. O líquido das garrafas também. St. Paul de Vince. Uma vila medieval de sonho de onde, uma noite, fomos expulsos devido ao barulho.

Vi S. Francisco em dia e meio. O suficiente para me apaixonar por aquela terra de contrastes. Passaram quase 10 anos e ainda me lembro do átrio do hotel cheio de ‘teenagers’ em noite de baile de finalistas. Lembro-me das ruas de Chinatown e de como voltei a encontrar os mesmos cheiros meses depois em Nova Iorque. Dessa vez ganhei quatro dias de férias. Estadia garantida em casa do marido de uma amiga que mal conhecia. Com viagem paga era impossível recusar a proposta. Andei tanto naqueles quatro dias que me doíam os tornozelos de cada vez que os pés tocavam o chão. Quando comecei a trabalhar na noite de terça era uma mulher feliz. Há postais de Nova Iorque perdidos nos arquivos do blog. E há memórias de Orlando. Dos parques temáticos para onde fugíamos à noite depois das conferências. Uma das cidades mais feias que me foram dadas a conhecer. O contrário de Washington. Uma cidade linda, ainda que vista pela janela do carro. Fica a memória de um almoço com gente interessante.

Fui à apresentação do Peugeot 407. Aterrei em Geneve. Andei dois dias pelas estradas molhadas da Suiça. Vi nevar pela primeira vez. Decidi que queria seguir o sector automóvel. É a verdadeira boa vida. Excluídas que sejam as conversas sobre monitorizações, cilindradas e afins. Dois dias a testar o carro de um lado para o outro. Ao terceiro voei para Paris. Foi a primeira vez que adormeci numa conferência. A única em que versava sobre motores de automóveis! Fiquei convencida que não tinha sido feita para aquilo. Mesmo assim, há dois anos testei uma Astra no sul de Inglaterra. Fiz parceria com uma amiga de longa data. Sorte a minha, ela não gostar de conduzir.

Paris foi a primeira cidade que conheci em ‘trabalho’. Aspas, muitas aspas. Conhecer a cidade a convite do Turismo de França. Três dias de bónus oferecidos pelos esforços de nove meses de trabalho. Visitei a cidade de uma ponta à outra e ainda fui à Disneyworld. Já lá voltei umas quantas vezes depois disso. Nunca mais de 24 horas. É pena.

Madrid é quase só cidade de pernoita. Jantares mais ou menos secantes, com pessoas normalmente aborrecidas. Acho que a isto se chama trabalho.

Se a memória não me falha, falta só a Eslovénia para completar o périplo pela Europa. Lubliana conhecida ao final da tarde. À pressa. Uma hora entre o check in e o jantar de gala. Prova de vinhos. Acordar de madrugada para fazer quilómetros de autocarro. Conferência. Autocarro. Aeroporto.

A Maputo fui como assessora de imprensa. Mas durante um dia fui secretária, fotógrafa, ama-seca. Ganhei uma ida ao Kruger Park. Ainda me falta a viagem a Angola. Não perdi a esperança.

O Brasil é uma história à parte. Porto Alegre. Rio de Janeiro... Vão as arquivos se quiserem.

Há um lado mau nestas viagens. O stress dos fusos horários que obrigam a acelerar para cumprir os prazos de Lisboa. As refeições que não se fazem porque o deadline não permite. Horas perdidas em aeroportos. O cansaço de acordar sempre mais cedo do que em casa. De deitar tarde à custa de jantares formais com os gestores xpto. Operações de charme. Uma seca para nós e para eles. O desespero de passar tanto tempo sentada num avião. É trabalho, certo? Uma pessoa habitua-se. Mas há uma coisa que durante todos estes anos nunca consegui ultrapassar. É um contra-senso. Aparece sempre quando me deveria estar a divertir. Nas horas passadas a conhecer as cidades. Aquela sensação de isto-é-muito-bonito-mas-falta-aqui-qualquer-coisa. E essa qualquer coisa é sempre alguém com quem partilhar o momento. E não chega serem aqueles colegas que conhecemos há anos. Que quase tratamos como amigos. Esse alguém devia ser no mínimo tão especial como o momento. Por isso estas viagens sabem sempre a pouco. Mas é trabalho, não é?

quinta-feira, outubro 12, 2006

Dr. House



Eu nunca vi o L-World (também me sinto excluída, pedronuno, mesmo vivendo cá), mas já elegi a minha série de culto. Dá às quintas-feiras na concorrência 'manhosa' - o que me custa - a partir da meia-noite e meia, mais ou menos.

Hugh Laurie, o Dr. House - na imagem, o que vos parecer menos médico e o mais assutador de todos - é genial a desempenhar o papel. Fá-lo com o humor, a precisão, os gestos e os exageros ideais. Não perco um episódio porque me prende a atenção durante os cerca de 50 minutos que dura, porque são casos de uma inteligência e de uma criatividade únicas, porque os actores são fabulosos, porque passo o episódio a torcer pela vitória dauquela equipa. E porque o Dr. House tem o seu quê de atraente. Não é bonito, coxeia, mas tem um humor poderoso e uma inteligência acima da média. Além disso, chefia uma equipa como ninguém, e sabe jogar squash com uma bengala!
Recomendo.

Passeio de Domingo

... e de segunda a sábado:
ir à FNAC, uma das quatro da área metropolitana de Lisboa.
Ele adora!

quarta-feira, outubro 11, 2006

Afectos [VI]

- Vens comigo para o campo plantar vegetais e criar cavalos?
- Ah?
- Assim podíamos estar juntos o dia todo.

terça-feira, outubro 10, 2006

L-World

O tema não é novo. E a ideia de escrever sobre ele também não. O post anda aqui, de neurónio para neurónio, há muito tempo. Mas com as férias, os banhos de sol, os pequenos-almoços tardios, a preguiça, com tudo isso, foi sendo adiado. Até porque, apesar de achar alguma piada ao ‘L World’, não nutro por ele sentimentos de série de culto. Nunca me lembro que existe. Não fico acordada à espera. E se vejo é porque tropeço na 2: no momento em que começa ou que já vai a meio. A ideia tem alguma piada, apesar de ser um tanto ou quanto inverosímil. Convenhamos. Aquelas mulheres não trabalham? À excepção de uma ou duas, as outras limitam-se a passar pelos dias numa alegre orgia de sexo e conversas. A Isabela já escreveu sobre o assunto e portanto não vale a pena ir por aí. Vão lá e leiam. A razão deste post é outra.



Tem a ver com as relações de ‘poder’ que se estabelecem entre estes casais. Parece-me natural que a Tina, que se separa da Bette, procure uma advogada para garantir os seus interesses. Que ao fim de anos de relação, acabe por perceber que não tem nada dela. Que durante todo esse tempo dependeu financeiramente da parceira. Aceito. Retrata a realidade de muitas relações heterossexuais. Presumo que no mundo homossexual não seja muito diferente. Agora que a situação se replique no caso de Dana, que se anula completamente a partir do momento em que assume uma relação mais séria com outra mulher, aí parece-me forçado. Esta vai ao extremo de se vestir de igual à parceira. Qual gémeas siamesas. Será mesmo assim? Presumo que as razões que conduzem a esta situação sejam as mesmas que comandam as relações entre homens e mulheres. Razões que tenho dificuldade em perceber. Existirão razões para que se reforcem nas relações homossexuais? Não sei. E gostava de perceber.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Voltei

Quis regressar a meio gás. Largo as sandálias em frente à cadeira. Sento-me, descalça, em posição de lótus. Folheio os jornais. Apago tonelada e meia de spam do email do pasquim. Deixo de lado os que precisam de resposta. O dia quer-se lento. Não vá a correria espantar o estado Zen que resta das férias. Almoço cedo. Percorre o Chiado em boa companhia. Trocam-se as últimas cusquices do jornal. Põe-se em dia a vida que passou. Conversa-se sobre o sol que queima no Camões. Há gargalhadas. Ele foi o único que soube conviver com o meu lado dramático. Tenho que lhe lembrar que ela não tem um. Nunca teve. Nunca terá. Regresso com telefonemas para fazer. Ideias para organizar. Pôr em prática as decisões dos ‘deuses’. Simplesmente não me apetece. Sou salva por uma conferência. Sabe-me bem voltar à rua. Importuno meia dúzia de senhores engravatados. As perguntas são incómodas. Volto sem as respostas pretendidas. Não quero saber. Hoje não. Regresso a pé. A subida é íngreme. Sabe bem o tom dourado do fim de tarde. Sento-me para escrever. A todo vapor. Quero sair cedo. Manter o desejo de regressar a meio gás. Pena que o mundo se esteja nas tintas. Às 20h00 cai nova notícia. Às 21h30 tenho mais uma página escrita. Fica o cansaço. Foi-se o estado Zen. Fica a sensação de dever cumprido. Amanhã há mais.

Recomeço

Todos os dias um recomeço. Fazer tábua rasa do que se conquistou. Partir do zero. Como dois desconhecidos que se cruzam pela primeira vez. Um roçagar de pele num beijo retraído, que cala a paixão que se sente. Como dois estranhos. Um silêncio constrangedor, no lugar das gargalhadas genuínas. Recomeçar uma e outra vez. Um sorriso tímido. Como dois conhecidos. As primeiras palavras ditas a medo. A vida que nem parece partilhada. Um toque e depois outro. As mãos que se mexem inseguras numa geografia que decoraram há muito. Os corpos que se reencontram porque foram os únicos que nunca se esqueceram. Esta é a linguagem que falam. A única que conhecem de cor.

domingo, outubro 08, 2006

Gostar de quem não gosta de nós

Gravo novamente o FM para a G. A primeira cópia foi ouvida até à exaustão. Presumo que da mesma forma como eu ouvi o AM. Talvez pelas mesmas razões. Não sei. Não deu tempo para perguntar. A G. está novamente numa das suas espirais de dúvida. As certezas duram pouco quando se tem 27 anos. Acordou um dia para descobrir que afinal não gostava de A. [lembram-se dele? O tal da ex-tão-ex-namorada que conseguiu engravidar dele]. Depois disso conheceu o D. Mais um caso problemático. Aqui não havia outra mulher. Mas existiam outros vícios. E uma ciumeira doida. Aos olhos de D. a G passava a vida a seduzir outros homens. Fazia-lhe cenas de novela mexicana. Só faltava voarem os pratos e os copos pela janela aberta. A ela que, confessava-me, não tinha olhos, nem cabeça, para mais ninguém. A paixão acabou no dia em ele tentou conduzir um jipe sobre as águas de uma barragem. Não era Deus. Nem esperava que as águas se apartassem. Eram as ganzas e o álcool a conduzir aquele jipe. Mas desta vez a G. não chorou, não esperneou. Desde o início – no segundo encontro ele levou-o para casa de um amigo onde se embebedou até cair para ao lado, enquanto ela assistia – que ela sabia as linhas com que se cozia. Ingénua, como o serão todos os que amam, ou julgam que amam, acreditou que podia mudar este homem. Não conseguiu. Não tem aura de madre Teresa. Desistiu. Fez o que deviam fazer todas as mulheres depois de um desgosto amoroso. Fez-se à vida. Foi conhecer outras pessoas. Fazer novos amigos.

A G. tem facilidade em fazer amigos. Ou não tivesse ela um palminho de cara e um metro e oitenta de corpo bem torneado capaz de fazer virar o santo Papa. De uma assentada conheceu o S. e o M. [sim, a G. conjuga o alfabeto latino melhor que ninguém]. Estética à parte – porque, diz, são os dois lindos, numa versão feminina de ‘eu tenho dois amores’ – começaram as dúvidas. O M. é do tipo estável. Carreira construída, casa instalada, uma boa conta bancária, super atencioso, pronto a dizer ‘sim’ no altar. São estas as diferenças em relação ao S.. O homem que lhe tira o sono esquece-se de lhe telefonar, não lhe responde às mensagens, deixa-a dias a fio sem dar sinais de vida. Combina jantares que desmarca a meia hora do encontro. Falha outros que nem chega a desmarcar. É o verdadeiro FDP. Não vou voltar ao tema. Mas é incontornável que temos uma tendência destrutiva de gostar de quem não gosta de nós. Será pelo desafio da conquista? Será uma veia masoquista? Será burrice pura? Ou será, tão somente, o amor um sentimento incontrolável? Que nos troca as voltas. Nos surpreende. Nos passa rasteiras quando menos esperamos...

A Procissão

As pedras grandes da calçada estavam cobertas de areia grossa e os pés dos mais incautos escorregavam a cada passo. Não era próprio, por ser domingo, levar os melhores sapatos para a Procissão. Mas elas insitiram em vestir de branco e azul, saia por cima do joelho, sapato de salto médio sobre a meia de lycra. Eles vestiram o fato e a melhor gravata, mesmo que não jogassem nas cores, e calçaram os sapatos quase novos, escorregadios na sola, pelo pouco uso que têm.

Era domingo. Dia de procissão.

À frente, o andor de Nossa Senhora da Expectação - assim mesmo - com flores a tapar-lhe os pés e as fitas azuis penduradas sobre a madeira que assentava depois nos ombros dos quatro orgulhosos andantes. Depois da Santa da terra, os restantes: a Virgem Maria, trajada de branco como se estivesse em Fátima, o São Romão, que é dali perto, e mais uns santos e santas - poucos, uma meia dúzia - cobertos de rosas e de buganvílias. Em rosa e branco nuns casos, vermelho e branco noutros. Os andores eram quase todos levados por mulheres. Os homens ficaram apenas com o da padroeira e deixaram o peso e a importância dos restantes à classe feminina da terra. Elas tranpiraram um pouco mas cumpriram, até ao fim, o trajecto da Procissão que deu a volta à aldeia.

Bandeira-mor e depois o Padre, com seis assistentes agarrados a outras tantas hastes que seguravam a coberta que lhe tapava a cabeça, já careca, do sol. Os ajudantes não eram os melhores e muitas vezes o velho sacerdote levou a moleirinha à mercê dos raios solares. Não se queixou. Mantinha o livro das rezas aberto e esperou até ao fim para exibir os Benditos que a lista manda.

E depois a banda. Uns 20 homens e duas mulheres com os instrumentos do costume, do trompete, ao tambor; do trombone, aos pratos. O maestro dava a dica e lá começavam todos ao mesmo tempo, fom, fom aqui, fiu, fiu ali, mas as notas, escritas em folhas já estragadas pelo uso, presas aos instrumentos por molas e elásticos improvisados, pareciam fluir com distinção e ouviam-se na terra inteira.

O povo seguia então, calado, em duas filas, passo a passo, à espera de paragens e ordens dos da frente porque nem o caminho, o trajecto da procissão era conhecido. Mas lá iam todos - eu também - mão sobre a mão, cabeça ao sol, ouvido na música e olhar em frente. As ruas estavam enfeitadas de festa e das varandas pendiam as colchas brancas com as marcas de dobras, dobradas desde a procissão do ano passado e guardadas para ocasiões como esta. E atiravam flores, aos andores que passavam...

A procissão foi à antiga e correu bem. Não houve desmaios, atropelos, ou pessoas a falar demais. Também ninguém cantou ou rezou. Deixaram-se os sons nas mãos da banda quase sem fôlego... e no passo certo de cada um.

Foi esta tarde de domingo, numa aldeia da Beira Alta.

Parabéns



Ao casal do blog do lado.
Esta foto é pelo início... dir-se-ia o Sal... da vida!
Que tudo se mantenha.

sábado, outubro 07, 2006

Adeus ao Verão [as imagens]

Adeus ao Verão [ii]

Ao princípio é o malmequer. A flor amarela é a primeira pista deste mapa do tesouro. Ao lado uma estrada de terra batida. Sempre em frente até ao muro decorado com flores. O tempo passou por ali. Deixou marcas. Há uma placa que diz ‘cuidado com o cão’. Fica a dúvida sobre a existência do mesmo. Hesita-se no caminho a seguir. Pela esquerda não há saída ou entrada que valha. Mas é para ali que aponta o trajecto desenhado a azul no mapa. Parar o carro. Só pode ser por ali. E lá está, o trilho, escondido pela vegetação. Um carreiro estreito. Ouve-se a água de um riacho. As árvores [com nomes certamente pronunciáveis, mas nunca aprendidos] cruzam-se sobre as nossas cabeças. O meu [pouco mais de] meio metro de gente tem que se curvar para passar por baixo. As silvas prendem-se à roupa. As havaianas escorregam na lama. Fogem na pedra gasta pela água mole. Quando o arvoredo se abre vê-se o vale pronunciado do riacho. A costa recortada contra a luz do horizonte. Um silêncio que assusta. A descida é íngreme. Os [muitos] degraus acabam abruptamente a metros do chão. Uma última barreira contra a intrusão. Vacila-se com as vertigens. À frente o mar. As ondas quebram junto a um bando imenso de gaivotas. Não há vivalma. O paraíso é aqui. Corremos para o mar. Fazemos voar as gaivotas. Parecemos miúdos. Chapinhamos na água fria. Ficamos no areal vazio. Vemos o dia morrer na praia. Prometemos guardar segredo. Prometemos voltar para o ano.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Apartamento 4

A piscina ficava no pequeno jardim. À volta, floresciam as plantas altas que desviavam os olhares mais curiosos. Aquele era um recanto para dois, mas cabia ali mais gente, se fossem convidados. A piscina era pequena e não permitia mais de três braçadas, mas apetecia estar lá dentro: a água borbulhava e luzia com o sol a bater-lhe e a dar àquele recanto sinais de descanso e de ternura. Dois corpos dormiam nas espreguiçadeiras. Suavam por causa do calor mas não fazia mal porque estavam resguardados do tempo. Ela fazia topless. Ele reparava nos contornos daquele corpo de menina que também lhe pertencia. E os dois fechavam os olhos.

O apartamento 4 tinha o conforto de uma casa para todos os dias, mas servia apenas para passar férias. Tinha dois quartos e três salas de banho, uma sala para estar e ver todos os canais de televisão, uma cozinha equipada e aquele jardim relvado, apetecível, descansado, escondido.

Quando puseram a chave à porta riram-se os dois. Nem acreditavam que estavam ali, só eles, só para eles. Fecharam a porta e abraçaram-se num agradecimento de se terem um ao outro para aproveitar aquela benesse. Os bens materiais não tudo, já se sabe, mas ajudam. E o apartamento 4 era a prova disso mesmo.

No quarto os tons eram de branco e amarelo e havia uma janela que só deixava entrar a luz. À noite a lua cheia punha-se à espreita dos dois corpos que agora se abraçavam numa cama, que não sendo una, era capaz de se juntar e de deixar unir quem nela se deitava. Os lençóis cheiravam a limpo, mas a um detergente suave, próprio para noites frescas e bem dormidas. Ela deitou-se mais cedo e o sono caiu-lhe nas pálpebras. Ele releu o jornal várias vezes dobrado e desdobrado e deitou-se depois. Uniram-se as mãos de um e de outro quando ela o sentiu chegar.

O apartamento 4 não lhes pertencia. Era um empéstimo. Por poucos dias viveram ali tempos felizes. As manhã de sol expunham os corpos nas espreguiçadeiras, lá fora, e só a fome os fazia levantar para procurar onde comer. Regressavam à casa para ser felizes, para recuperar forças, para recuperar o sono, para aproveitar as férias.

Foram embora satisfeitos, mas com vontade de voltar.

É que não é todos os dias que se tem a chave do Apartamento 4, na Quinta do Lago.

O sequestrador

Não é incrível que um tipo sequestre quatro pessoas numa instituição bancária e se deixe adormecer, com a arma ao lado, a ouvir música clássica?

Não é incrível que ninguém se tenha mexido durante a sesta do sequestrador?

Não é incrível que um sequestrador queira dar dinheiro aos sequestrados pelo tempo que está a fazê-los perder?

Não é incrível que esta palhaçada tenha demorado mais de 12 horas?

Há coisas fantásticas, não é? Felizmente temos os GOE.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Camas separadas

Ao ver o post anterior da Carrie revoltei-me. Ela fala em camas separadas.

Também eu estou num resort de luxo em Vale de Lobo e a dormir... em camas separadas.

Mas será que as decoradoras destes sítios pensam que andamos todos zangados? Ou não são os casais (no sentido lato da palavra) livres de se unirem no sono dos anjos? É que a maior parte dos hóteis insiste em ter duas camas, para o caso de o quarto vir a ser ocupado por duas amigas - já me aconteceu - dois amigos, dois colegas de profissão, dois desconhecidos que não tinham onde passar a noite...

Mais, há aqueles que, tendo camas separadas, juntam-nas! Outros - como este, onde estou - assumem a separação com uma mesa de cabeceira e, à noite, o beijo de boas-noites tem de ser dado como de mãe para filho: costas inclinadas sobre a cabeça do outro e até amanhã.

Discordo. Deviam perguntar às pessoas em que tipo de camas querem ficar.
E se elas até gostarem de dormir abraçadas, de sentir o toque uma da outra, de dormir com o braço dele debaixo do pescoço dela, ou até, pasme-se, se gostarem de umas traquinices antes de dormir... podem escolher cama de casal, ou seja, uma só cama, inteira, grande, onde cabem duas pessoas ao mesmo tempo.

É que isto de esticar a mão para a outra cama não dá jeito nenhum, e ainda se pode partir o lindo candeeiro que normalmenter fica no meio.

terça-feira, outubro 03, 2006

Adeus ao Verão

Adormeço ao som de cavalos. Acordo com uma porta a bater compassadamente. O vento que se levantava. Céu azul que se cobriu lentamente de nuvens. Os cavalos aqui mesmo em frente num cumprimento silencioso de bom dia. Damos-lhes cascas de melão e de banana. Os restos do pequeno-almoço, servido na varanda. Amanhã compramos cenouras. Há vidas piores… mas não prestam. Andamos entre o [antigo] estábulo e a piscina. Volta o sol. Leio o livro que me acompanha há semanas. Experimento uns passos tímidos de bicicleta. Quanto tempo passou desde a última vez? Quinze anos? Acabamos por fazer cinco quilómetros. Amanhã não me mexo. Vejo o pôr-do-sol num restaurante de pescadores. Comemos petiscos ao som do relato de futebol. Adormeço com o som do vento. Camas separadas. A tua mão na minha.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Afectos nocturnos

Passou a noite entre o quarto e a casa de banho. A partir das oito horas nada mais fez senão vomitar. Estava exausto, cansado de um corpo dorido, de uma cabeça à roda, de um peito magoado, de um estômago inutilizado. Ela pôs-lhe a mão na testa e deixou-o respirar devagar. Não era possível, o alívio. Tinha um sorriso triste ao vê-lo sofrer, naquela noite de grilos lá fora e calor a antecipar um dia quente. Para eles a noite seria gelada. Especialmente para ele, a quem os arrepios de frio atormentavam, e não valia a pena puxar do lençol e dos dois quentes cobertores. O corpo morria como se não tivesse razões para viver. Vivia a sensação de estar a combater uma doença sem tréguas.

Adormecia e acordava segundos depois. Voltava à sanita para se livrar dos males que o atormentavam por dentro. Dizia-lhe que gostava dela, que só gostava dela. No meio daquele sofrimento, não se esqueceu do amor que lhe tinha.

Ela não dormiu. Estava ali, ansiosa por vê-lo acalmar, por senti-lo sossegado na cama, não a seu lado, porque naquele hotel onde passavam férias, dormiam em camas separadas. Estavam separados por uma mesa e um pedaço de chão, mas juntava-os um sentimento de piedade, de ternura, de afecto.

Quando ele se levantava agarrava-lhe a mão. Ela passava a dela pelo rosto que fervia e limpava o suor que lhe escorria pelo pescoço. A febre parecia aumentar, e a temperatura do corpo não se cansava de alterações. Apenas o cansava, a ele, o maltratava, sem saber em que grau ficar. Não tinham termómetro e apenas as mãos, a palma da mão dela, podia aventar se sim, ou se não, se a febre ia ou vinha. A dor ficava. Indiferente.

Aquela foi uma noite terrível, sem horas nem luar, sem tempo para fechar os olhos, sem espaço para puxar a roupa e sonhar. Mas tinha sido uma prova de amor. Dela, que não o deixou sozinho, nem por um minuto... e dele, que quis amá-la acima de todo e qualquer sofrimento.
E foi capaz.

domingo, outubro 01, 2006

Curiosidade

No Brasil há 19 mil candidatos à Presidência da República e à formação de Senado.
Eu fiquei estupefacta!
E tu?