sexta-feira, novembro 30, 2007

Greve Geral

Gostava de ter feito greve. Não queria ser funcionária pública, nem tão pouco aproveitar um fim-de-semana prolongado à conta de quaisquer reinvindicações. Gostava, simplesmente, de não ter trabalhado hoje. Serão muitos os que, como eu, tiveram hoje de levantar-se, desligar o despertador, tomar banho e pôr a chave na ignição ou apanhar o metro. Serão muitos os que não puderam, numa sexta-feira que, de manhã, me pareceu ter sol, ficar sossegados na cama por mais duas horas, tomar um chá numa esplanada ou ler o jornal na relva. Foram muitos. Mas dizem que 80 por cento da função pública pôde fazer tudo isto. Outros dizem que apenas 20 quiseram aderir à ideia. Eu não gosto de greves e não concordo com nenhuma. Mas hoje teria feito greve, se pudesse. Hoje teria dormido, teria aproveitado o dia fora da redacção, teria lido um pouco o novo Harry Potter (ainda nem comecei e apetece-me muito), teria estreado a minha máquina de imprimir fotografias. A cores. Mas não. Como numa sexta-feira normal vim trabalhar. E nem a enxaqueca matinal me fez desistir. Eu não gosto de greves. Já aqui o disse, não já? Dirão muitos que eu não sei o que é viver mal por causa do estado do Estado, que não sei o que é viver sob a égide governamental, que não sei o que é ter mínimos quando são exigidos médios. Enganam-se. Sei muito bem. As empresas privadas não oferecem melhores condições que o Estado e, nelas, temos de trabalhar mais. E não há cá concursos nem estudos que nos valham. Conta o trabalho, o empenho, a entrega e as horas que damos à casa. Greve? Eu queria fazer greve. Mas não concordo com nenhuma.

quinta-feira, novembro 29, 2007

eu não sou eu


Há cinco dias em piloto automático...

Quiosque

[ainda Santiago do Chile]

quarta-feira, novembro 28, 2007

sofrimento em formato mensal

Existe uma ligeira diferença entre 18 mil e 18 milhões de passageiros. Mas eu estava tão gira que ninguém reparou.

terça-feira, novembro 27, 2007

o natal*

[...] Ontem, a Carolina pediu para ir ver o Natal. E saímos, chave na ignição, travão-de-mão desengatado, à procura dele pelas ruas de Lisboa, já o vimos nos Centros Comerciais, nos anúncios do Intermarché, e da Pópota e Leopoldina, mas nas ruas não o encontrámos.

Procurámo-lo em Alvalade, e nada, seguimos pela Almirante Reis, tudo às escuras. No Rossio tínhamos que o encontrar, pensámos. Não. Timidamente lá o conseguimos vislumbrar na Rua do Ouro e no Chiado. Os olhos e as mãos da Carolina não se colaram ao vidro. Não deu pulinhos e risinhos de felicidade absurda. Pelo contrário, lançou:

"A Lisboa está feia, não está, mamã?", e esta pergunta doeu-me mais do que um parto sem epidural.

Não se mente às crianças, não se deve mentir às crianças, está feia sim, filha - no meio, um suspiro, uma pausa, para a voz se recompor. As mães não choram pelas luzes de Natal que não se acenderam, que este ano não se vão acender. [...]

[*Pela melhor escritora da blogosfera]

segunda-feira, novembro 26, 2007

Estás no Ar!

A primeira vez é a mais difícil, mas custa mais pensar no que se vai fazer que fazê-lo, realmente. O assunto era-me familiar e estava à vontade para falar de Rock in Rio. Sabia as datas de todos os festivais até 2014, e quam está já confirmado, e que este ano há duas edições, e mais não sei o quê, e tinha a entrevistada ao meu lado. Ao repórter de imagem pedi paciência e uma lição antes do momento H. Ao pivot pedi paciência e um lançamento simples. Ao coordenador pedi paciência e uma voz doce ao meu ouvido. Lá estava eu, bem vestida, pintada a preceito, sem brilhos que a Câmara não gosta. Lá estava eu sem ter decorado nada porque esse é um erro crasso. Lá estava, frente à câmara, passo ensaiado para a entrevista, início encaminhado e despedida na ponta da língua. Tens minuto e meio, oiço no meu ouvido. E escuto no auricular palavras ditas na reportagem que antecede a minha entrada. Contagem decrescente e a peça acaba. O pivot apresenta-me e oiço o meu nome na televisão. É agora. Sorrio. A luz fere-me os olhos mas tenho de encarar o bicho. Esqueço-me de mim para dizer o que sei e faço um ar sério, endireito-me para o ecrã, pego no microfone cuidadosamente. Estás no ar. Fala. Falo e só me calo para ouvir a resposta às minhas perguntas. E minuto e meio passa a correr. Não custa nada. Penso nas lições de quem é já experimentado, penso porque é que só agora me aventurei nesta 'vida', se há 15 anos vejo como se faz, penso que sou capaz. E sou. Fecha. O ouvido diz-me o que fazer. E faço. Obedeço à voz que me chega via éter. Volto a sorrir. Fico quieta em two-way. Saíste. E respiro fundo. O primeiro directo é que custa mais. Depois de aceitar a câmara a primeira vez tudo se faz. Os olhos abertos pela luz. O microfone a tapar a boca. Mas tudo direitionho, no dizer. Passou a mensagem. Agradeço à entrevistada. E preparo-me para o próximo. Afinal, fui mesmo capaz!

queria ser tábua rasa. folha em branco. cassete virgem sem risco sem medo memória rancor raiva ou dor.

domingo, novembro 25, 2007

A minha irmã

Hoje quero fazer um elogio à minha irmã. A melhor irmã do mundo. Nunca nos demos bem. Discutíamos por tudo. Por nada. Andávamos à porrada. Eu perdia sempre. Era uma questão de tamanho. Lembro-me de ela me agarrar pelo pescoço, os meus pezinhos abanar a centímetros do chão. Lembro-me de andarmos à bulha com sonasol verde e pasta dos dentes. De discutirmos porque uma não queria apagar a luz e a outra queria dormir. De nos batermos [mais do que uma vez] por uma camisola, umas calças, whatever...

Nunca nos demos bem. Nunca, mas nunca, soubemos estar uma sem a outra. Sempre nos protegemos nas primeiras escapadelas. Mais dela do que minhas. Fui uma privilegiada. Ela teve as brigas e abriu-me o caminho. Lembro-me da primeira noite em que ela dormiu em casa de um namorado. Devia estar a trabalhar. Lembro-me da minha mãe reparar que o despertador que ela deveria ter levado tinha ficado em casa. Do pânico de ela poder ser descoberta. Das mentiras para que nada disso acontecesse. Lembro-me das horas passadas em frente ao Spectrum. Das noites de riso interminável. Das brincadeiras sempre conjuntas. Das primeiras saídas. De ela dizer ao meu pai ‘foi o jantar que lhe caiu mal’ depois de eu descer as escadas da Assembleia para vomitar mesmo em frente ao carro. Nunca, mas nunca, soubemos estar uma sem a outra. Aproximamo-nos ainda mais quando ela casou.

A A. é uma mulher extraordinária. Separam-nos 16 meses e um dia de existência. Ela veio primeiro, e foi das melhores coisas que a minha mãe alguma vez fez na vida. A minha irmã trabalha de manhã à noite fora de casa. É altamente bem sucedida profissionalmente. Provam-no as promoções quase constantes dos últimos dois anos [e que me parecem não ter acabado]. E tem dois filhos. Perfeitos, lindos de morrer, mas cada um deles uma dor de cabeça à sua maneira. Que trata carinhosamente. Com quem brinca enquanto faz o jantar. [concedo. Tem aqui uma ajuda preciosa do marido]. A quem lê histórias antes de adormecerem. Com quem vai andar de bicicleta ao fim-de-semana. E quando os putos estão a dormir ela senta-se no sofá. E o que faz? Colares, pulseiras e afins, que ajudam a engrossar o pé-de-meia. A A. é uma verdadeira fada do lar [sim, e aqui incluem-se também todos os afazeres que uma gaja tem com a casa]. Antes da mania dos colares foram os lençóis e coisinhas para bebé. Tudo porque a minha irmã não sabe estar quieta. E quando não sabe o que fazer inventa. A A. tem mãos de fada. E tem mão para o tempero. Cozinha como ninguém. E adora ter a casa cheia. De receber os amigos com quem partilha a cozinha. A A. gosta de rir. E ri muito. A minha irmã é organizada. No trabalho como na vida. E no meio disto tudo irradia uma serenidade que eu invejo. Tem sobre ela uma aura de quem tem tudo sobre o controlo. Nas mãos da A. tudo saí sempre bem. Claro que tem os seus problemas. Tem os seus dias difíceis. Mas passa por eles com a certeza de quem sabe o que faz.

A minha irmã nem sempre concorda comigo. Mas está sempre cá para mim. Obrigada.

sábado, novembro 24, 2007

Hiroshima meu amor [iii]

Ela. - Contei a nossa história.
Esta noite enganei-te com aquele desconhecido.
Contei a nossa história.
Vês como era possível contá-la.
Há catorze anos que não experimentava o sabor do amor impossível.
Desde Nevers.
Vê como te esqueço.
Vê como te esqueci.
Olha-me.

[Hiroshima meu amor, Marguerite Duras]

o chile numa imagem

[Santiago do Chile]

sexta-feira, novembro 23, 2007

Hiroshima meu amor [ii]

Ele. – És como mil mulheres juntas...
Ela. – É porque não me conheces. É por isso.
Ele. – Talvez não só por isso, apenas.
Ela. – Não me desgosta isso de ser mil mulheres juntas para ti.

[Hiroshima meu amor, Marguerite Duras]

Hiroshima meu amor

É um equilíbrio precário. As costas contra a corrente do baloiço. Sentada de lado. As pernas esticadas sobre o baloiço da frente. Levo longos segundos a estabilizar. Espero. Se olhar agora para as páginas do livro vou ficar enjoada. Estraga-se o prazer mesmo antes de começar. O corpo almofadado por duas camisolas e o casaco do futebol. Está-se bem enquanto as nuvens não tapam o sol. Leio Duras. Tento pela segunda vez entrar na história de um amor em Hiroshima. São-me estranhos os guiões de cinema. Falta-me a imaginação para criar ambientes. Por isso só falo sobre mim. Ou então escrevo notícias. Nunca tive pretensões de escritora. Preciso da matéria bruta dos factos. Da realidade. Boa ou má. Leio Hiroshima meu amor até as mãos enregelarem. Transporto-me para a lareira. Continuo a ler até devorar todas as páginas.

quinta-feira, novembro 22, 2007

[pseudo]superioridade intelectual

Cada vez que venho à serra descubro um novo mundo: a tvi.

os tons da serra

1600 metros por debaixo da terra. E de repente a serra ao fundo. Uma enorme nuvem cinzenta, sobre um fio branco de neve, contradiz o azul profundo em redor. Há nuvens espalhadas por todo o lado, mas o sol tímido transforma-as em enormes montes brancos de algodão doce. Olho para elas à procura de algo mais. Animal. Cara. Forma geométrica. Desisto rapidamente. Não estou para jogos. Canto [desafino] o ‘In a Little While’ mais alto que o próprio Bono. Falta pouco. Não chega nem a um CD. É esta a medida de uma viagem. Três noticiários, um ‘Vertigo’ e dois ‘All that you can't leave behind’ ouvido em modo repeat. Venho devagar. Mais lentamente que o costume. Em modo de poupança de gasóleo. Entro na estrada nacional e aproveito os últimos quilómetros. Desço o vidro. O ar cheira a lareira e a frio. Do céu caem confeitos. Pedaços cor de ferrugem que se espalham pelo chão. A serra, a minha serra, está verde e dourada.

Coisas que uma mulher é obrigada a ouvir [ii]

"Lembro-me de outra conferência em que o Scolari tratou mal uma jornalista. Chamou-lhe de tudo. Se calhar a senhora é solteira e não tem marido para a defender."
José Manuel Palhaço*, pintor da construção civil in Fórum TSF

[O homem não se chamava palhaço, não fixei o nome, mas provavelmente, com comentários destes, devia.]

quarta-feira, novembro 21, 2007

meteorologia

Eu estava só a brincar. A meteorologia escusava de ser tão agressiva. De levar tudo tão a sério. O frio não precisava de ser tanto. O mercúrio não tinha de descer tão depressa, correndo o risco de partir os termómetros, confusos na rápida mudança de humores. E logo com chuva à mistura. Usar sobretudo e guarda-chuva, tudo ao mesmo tempo, ao fim de tantos meses baralha os sentidos. Faz mal a alma e à pele. Salva-me a desculpa de usar sapatos novos. A gabardina resgatada nos saldos de Verão [há coisas fantásticas] da Zara. Dar asas a uma ânsia consumista que as gajas da secção apelidam de crise de afectos. Não vale ler nas entrelinhas. É mal generalizado. Abrimos os sacos e trocamos ‘cromos’ à chegada do almoço. Continuo a encontrar as melhores pechinchas. Acho que tenho mesmo alma de pobre. Gosto de exibir o vestido curto que faz virar cabeças, não porque me fica muito bem, a meia de ligas espreitar junto da bainha, mas porque foi uma pequena bagatela. O mesmo para a mala. O casaco azul com uma enorme flor. Amanhã não trabalho. Não posso. Não tenho nada para estrear.

Devia haver uma forma simples de descrever os almoços de sushi. Mas não se fala com a boca cheia. E rir só com a mão à frente da boca. Para repetir, no sítio do costume, [no mínimo] uma vez por semana.

domingo, novembro 18, 2007

a minha saída

[metro de Santiago do Chile]

[Não me recordo do nome da estação. Já dei voltas à cabeça e à net, mas não há meio. A geografia de Santiago não me ficou nos sentidos. Apenas uma ligeira impressão de ruas que não foi suficiente para evitar que nos perdessemos no último fim de tarde. A saída de metro ficava longe do hotel, e como se não bastasse teimei em ir na direcção contrário. Andamos o dobro. ]

sexta-feira, novembro 16, 2007

Banda Sonora em versão festa de garagem

When the day is long and the night, the night is yours alone,
When you're sure you've had enough of this life, well hang on
Don't let yourself go, 'cause everybody cries and everybody hurts sometimes

Sometimes everything is wrong. Now it's time to sing along
When your day is night alone, (hold on, hold on)
If you feel like letting go, (hold on)
When you think you've had too much of this life, well hang on

'Cause everybody hurts. Take comfort in your friends
Everybody hurts. Don't throw your hand. Oh, no. Don't throw your hand
If you feel like you're alone, no, no, no, you are not alone

If you're on your own in this life, the days and nights are long,
When you think you've had too much of this life to hang on

Well, everybody hurts sometimes,
Everybody cries. And everybody hurts sometimes
And everybody hurts sometimes. So, hold on, hold on
Hold on, hold on, hold on, hold on, hold on, hold on
Everybody hurts. You are not alone

[Everybody hurts, R.E.M. Live]

Provocar

[Reuters]

quarta-feira, novembro 14, 2007

A pot belly

Fabienne: I was looking at myself in the mirror.
Butch:
Uh-huh?
Fabienne:
I wish I had a pot.
Butch: You were lookin' in the mirror and you wish you had some pot?
Fabienne: A pot. A pot belly. Pot bellies are sexy.
Butch:
Well you should be happy, 'cause you do.
Fabienne:
Shut up, Fatso! I don't have a pot! I have a bit of a tummy, like Madonna when she did "Lucky Star," it's not the same thing.
Butch: I didn't realize there was a difference between a tummy and a pot belly.
Fabienne:
The difference is huge.
Butch:
You want me to have a pot?
Fabienne:
No. Pot bellies make a man look either oafish, or like a gorilla. But on a woman, a pot belly is very sexy. The rest of you is normal. Normal face, normal legs, normal hips, normal ass, but with a big, perfectly round pot belly. If I had one, I'd wear a tee-shirt two sizes too small to accentuate it.
Butch:
You think guys would find that attractive?
Fabienne:
I don't give a damn what men find attractive. It's unfortunate what we find pleasing to the touch and pleasing to the eye is seldom the same.

Maria de Medeiros e Bruce Willis, Pulp Fiction, [1994]

terça-feira, novembro 13, 2007

Esquizofrenia

Pela janela, a mesma por onde durante a tarde entrou o cheiro a castanhas, chega agora o cheiro de sardinhas assadas. Estamos em Novembro e continua calor. Esta semana subo à serra à procura de equilíbrio. Faz-me falta o cheiro das chaminés que adocicam o ar. O aroma das lareiras. Os pinhos queimados. As labaredas. As torradas tostadas nas brasas e regadas com azeite. O cheiro do forno a lenha para o bolo de noz. O pão acabado de fazer. O javali tostado com batatas à lavrador. Faltam-me os diospiros de roer. Os cachecóis e casacos grossos. Faz-me falta o frio. Esta semana vou à procura do equilíbrio.

Banda sonora

I don’t want you to be no slave;
I don’t want you to work all day;
But I want you to be true,
And I just wanna make love to you.
…Love to you…
…Love to you…Ooooohhooh…
…Love to you…

All I want to do is wash your clothes;
I don’t want to keep you indoors.
There is nothing for you to do
But keep me makin’ love to you.
…Love to you…
…Love to you…Ooooohhooh…
…Love to you…
And I can tell by the way you walk that walk;
I can hear by the way you talk that talk;
I can know by the way you treat your girl
That I can give you all the lovin’ in the whole wide world!
All I want you to do is make your bread!
Just to make sure you’re well-fed!
I don’t want you sad and blue!
And I just wanna make love to you.
…Love to you…
…Love to you…Ooooohhooh…
…Love to you…Ooooh.

And I can tell by the way you walk that walk;
And I can hear by the way you talk that talk;
And I can know by the way you treat your girl
That I could give you all the lovin’ in the whole wide world!
Oh, all I wanna do - All I wanna do is cook your bread!
Just to make sure that you’re well-fed!
I don’t want you sad and blue,
And I just wanna make love to you.
…Love to you…
…Love to you…Ooooohhooh…
…Yeah, love to you…Ooooh.
…Love to you…

[No pasquim não me deixam ouvir "Lady Sings the Blues". Ameaçam atirar-se pela janela. Salva-se a Bobbie Gentry, com “son of a preacher man” ou “Fever” da Peggy Lee. Aos primeiros acordes de Summertime da Ella Fitzgerald, já a estagiária está agarrada à janela a dizer que salta. Mas esta foi a minha banda sonora do dia.]

domingo, novembro 11, 2007

Um pouco mais eu

Penso na noite em que fui branca e medo. Nos jogos de palavras que me transformaram em cidade africana. Em capital europeia do século XXI. Eles sem saberem que sou [me sinto] Nova Iorque. Lembro-me do riso e na incredulidade perante as palavras dos outros. Por estes dias “rejuvenesci”. Não sou eu que o digo. Mas percebo no imediato o que querem dizer. Não foi o calor primaveril do outro lado do mundo. O sol [temporariamente] abrasador. A vista do Pacífico. A poesia, de que não aprendo a gostar. Os cheiros. As avenidas largas com gente cosmopolita. A pobreza desbragada dos bairros de lata. A luz. Os espaços verdes. Passeios largos em ruas estreitas. Daquelas que deixam viver a cidade. Não foi o Lingura com os retratos dos mortos, como lhe chama a Dia, nas paredes. Muito menos terá sido a salsicha engolida a custo na mesma noite. [torna-se difícil a vida quando não sabemos ler uma ementa e seguimos conselhos locais] É bom sair da casca. Das quatro paredes do ‘open space’ do Chiado. Foram as pessoas. As conferências. A mochila pesada. Computador às costas. Escrever milhares de caracteres. Esquecer-me que estou confinada ao tamanho da página de jornal. E depois cortar para encaixar o texto. Tinha-me esquecido de como gosto disso. Como isso me faz um bocadinho mais eu. Rejuvenesço e deixo que os olhos brilhem o tempo todo.

Pag 161

Regresso à leitura de blogs para descobrir que a Isa anda a meter-me em trabalhos, desculpa, em correntes. Não gosto. Mas como é sobre livros, aceito. Diz ela para pegar num livro próximo, abrir o dito pela página 161 e procurar a 5ª frase completa. O primeiro acaba na página 115. O segundo, do qual ainda não li nem a primeira linha e que espera o fim dos assassinos do Wilson, reza assim: “Bin Laden pura e simplesmente não conseguia tolerar o facto de haver comunistas no governo de coligação” [A Torre do Desassossego, Lawrence Wright, Casa das Letras].

Estou tentada a quebrar a corrente. Mas deixo-me levar. Passo por isso à Samantha, Miranda e Charlotte. Sempre lhes dou um motivo para escrever. Os outros três leitores do Mais Cidade, podem sempre responder por comentário...

sábado, novembro 10, 2007

Inocente

Levámos mais de 20 minutos para deitá-la. Ali estava, numa camisa de noite cor-de-rosa e com umas meias quentes nos pés que estavam gelados. E, na cabeça, o duro golpe, fruto da queda daquela manhã, quatro pontos, cabelo molhado pelo sangue seco, ferida à vista, tudo à mostra por causa do cabelo fraquinho.

A minha avó de 92 anos passou um dia no hospital à espera de um TAC. Ela não vê bem, não ouve bem e está velhinha. As pernas já se furtam a um andamento compassado e custa-lhe estar de pé. Mesmo assim, uma auxiliar do Amdora-Sintra quis tirar-lhe a cadeira de rodas onde, durante horas, esperaria por um médico nas Urgências. Queriam roubar-lhe o assento. A uma velhinha indefesa. O que fazem estas pessoas que trabalham nos hospitais? O que as faz ser tão duras e incpazes de sentir algo por alguém? O que aconteceu à vocação quando se fala de profissões onde é preciso gostar do que se faz?

Não se deita do lado esquerdo porque acha que é cardíaca e não pode dormir sobre o coração. Não é. Mas não se deita sobre o lado esquerdo. A ferida na cabeça é do lado direito. Dói-lhe. Pergunta o que tem na cabeça. Digo-lhe que caiu, que levou pontos, que passou o dia no hospital. Não se lembra. Está muito cansada e olha para mim com um ar inocente. Passo-lhe a mão sobre os olhos e fico ali a fazer-lhe festas. Agradece-me os carinhos. Aperto-a com força.

A minha avó adormeceu e fiquei a vê-la dormir por uns instantes. Os velhos são como as crianças.

coincidências

conto com a escrita inteligente para escrever mensagens sem olhar sequer para o teclado. depois de teclar 'poesia' tenho escrito no visor 'sofria'. achei piada à coincidência.

Café chileno

No Chile bebe-se “Café com pernas’. E por muito que se estranhe não chega a entranhar-se. Conta a história que estes bares mais ou menos requintados foram criados durante a década de 90 para dar algum colorido à vida dos pobres chilenos oprimidos pela ditadura. O Haiti, um de muitos, é um espaço amplo, paredes-meias com o palácio presidencial, de porta aberta para a rua. De uma ponta a outra, diagonalmente à entrada, há um balcão que começa a [mais ou menos] um metro do chão. No espaço deixado vago vêem-se as pernas, sempre elegantes, das empregadas que servem cafés. Os vestidos, em azul e branco, são [muito] curtos. Mas há pudor na forma como o tecido lhes cobre o colo.

Naquele fim de tarde frio há pouco mais de duas dezenas de pessoas por ali. Encostados ao balcão, quase todos na idade da reforma. São talvez os que ainda têm memória do tempo em que está era a única forma de exercitar a imaginação. É um local turístico, mas algum pudor pelas pernas desnudas das moças, fez com que não tirasse fotografias. Arrependo-me. A realidade faz parte do colorido local e merece ser retratada. A alguns metros de distância, temos a versão menos recatada do “café com pernas”. O balcão é semelhante e a arquitectura rege-se pelos mesmos princípios. Mas aqui as pernas serão, talvez, o menos interessante. É tudo uma questão de gostos. Os tais que não se discutem. O espaço é muito pequeno e a porta está ‘encostada’ para a rua. Não há porteiro nem restrições à entrada. Lá dentro há muito fumo, mas não o suficiente que impeça de ver as mulheres, com minúsculos fios dental e saltos de 15 centímetros, que servem atrás do balcão.

Estas miúdas têm horário de função pública. Trabalham entre as 8 e as 21h [é a isenção de horário], não servem bebidas alcoólicas e ganham pelo que vendem e pelas fotografias [as que se deixam fotografar] que os turistas queiram pagar. Ninguém ficará rico por vender coca-colas e sumos de fruta... Elas não explicam – também não dizem quanto ganham de ordenado, limitam-se a sorrir quando perguntamos se é pouco –, mas calculo que a falta de álcool seja uma forma de evitar desacatos. Se querem bater que batam na mulher logo que chegarem a casa. Se não houver razão, que seja pelo facto da mesma, a mulher, não vestir aquela lingerie. E se veste, por ficar um verdadeiro estafermo!



sexta-feira, novembro 09, 2007

Ops... [ii]

Gosto de vinho chileno. E de Pisco Sour também.

Não admira que o homem escrevesse bem


[A Isla Negra não é uma ilha, mas apenas um pequeno pedaço de paraíso em frente ao Pacífico. Recebeu-nos numa tarde muito fria a ameaçar chuva. Aqui fica uma das três casas de Pablo Neruda. Não visitei a casa museu, cheia de quinquilharia. Tive pena. Haverá uma próxima?]

Te quiero

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.
Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

Pablo Neruda: Cien sonetos de amor

[Ouvido hoje em Isla Negra]

Descubra as diferenças

[Berlim, 1939 ou Santiago do Chile, quarta-feira à tarde?!]

A banda a tocar ao longe. E eu acabada de chegar, com vontade de ver tudo. A cidade, as ruas que interessam, ali ao lado pela primeira vez desde que aterrei. A estátua de Allende ali tão perto. Eu a querer fugir da comitiva. A boca seca do calor. Da antecipação. A banda a tocar cada vez mais perto e as figuras oficiais a dizerem-nos para entrar. É agora ou nunca. Está chegar a esfinge com quem não me consigo conciliar. É uma questão de pele. Empurram-nos para dentro do palácio. E eu a querer ver a praça. A querer sentir a vida. Eu de máquina em riste. A J. a dizer-me que pareço uma turista. Eu a fazer ar de ofendida. Que não. Que já mandei trabalho e mais virá logo que o homem bote discurso. O calor que aperta na sombra do Pátio de los Cañones. A banda que se cala e o homem que não chega. Agora ninguém nos deixa sair. Está calor. Tenho os lábios a ameaçar gretar, quero uma água e só me falam de protocolo. Os militares perfilados à nossa frente, mais o outro que espreita pela janela com ar de enfado. Está quente e sei que na próxima hora isto não dará em nada. A cidade que chama do outro lado do protocolo. Fico porque não tenho alternativa. Os passos que se calam sobre a passadeira vermelha. As honras militares e outros tantos salamaleques. Vou aonde não devo. Estou dentro do palácio porque tenho a mania que percebo de fotografia. Oiço a mulher em elogios de circunstância. E eu só penso em água. Passo pelos militares que se espalham pelos corredores do palácio. Chego à rua. Tenho uma boa meia hora para fazer o que quiser. Volto já.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Ops...

[...]

E agora vou dormir que o despertador toca às 7h00...

Postais do Chile

Passada a primeira prova. Escritos os primeiros caracteres que atravessarão os Andes, e depois o Atlântico, antes de serem impressos, saio para a rua com meia hora para matar a fome. É muita. O pequeno-almoço [frugal, como são todos em hotéis de duas ou três estrelas] passou há horas. Respiro fundo e deixo que se entranhe o cheiro quente dos destinos exóticos. Já ontem, mal se abriu a porta do A330, percebi que estava no ar. O cansaço, de mais de 13 horas de voo, só deixou que estranhasse o calor de Verão. Em Portugal está apenas calor, aqui é Verão [ou quase]. São coisas completamente diferentes. Vou senti-lo na pele e nos sentidos nos próximos dias.

Sento-me numa esplanada deste bairro de escritórios. Não tenho a menor noção da geografia de Santiago. Há montanhas em todas as direcções. Não me sai da cabeça a sensação de estar dentro de um ninho. Ou então de um vulcão. A cidade no meio. Aconchegada. Aos poucos, a cidade entranha-se. Facilmente me mudava para um país da América Latina. Gosto do ar cosmopolita e europeu desta cidade. Gosto apesar das tendências hitlerianas deste povo. Gosto do verde das avenidas, das árvores e arbustos em cada uma delas. Lembra-me Porto Alegre. Faz-me pensar em viagens com borboletas. Gosto dos cheiros. Dos sons. Das cores. Gosto da Plaza de Armas. Lê-se o futuro nas palmas da mão. Escolhe-se o destino em cartas de tarot, enquanto se fazem tranças em cabelos negros. Pinta-se o Che em cores garridas. A tradição espelhada na modernidade. A catedral reflectida num prédio que todos os dias se queixa porque se sente desenquadrado. Lá em cima, muitos metros acima do chão, cinco homens cobrem de verde uma estrutura metálica. Terá o Chile a maior árvore de Natal da América do Sul? As ruas repletas de gente. Gosto do ar despreocupado. Há malabaristas com bolas num parque de cidade. Casais que se comem à vista de todos. São despudorados os sul-americanos. Vi o mesmo, há uns anos, no México. Gosto dos pormenores que fotografo de cinco em cinco minutos. A S. chama-me picuinhas. Talvez. Sei que hoje tirei a fotografia que valerá por toda a viagem. E gostei.

A room with a view

[Av. Vitacura, 2929 - Santiago do Chile]

sexta-feira, novembro 02, 2007

Coisas que uma mulher é obrigada a ouvir

"Conheço quatro ou cinco tias de Cascais que se matavam umas às outras para ir a este jantar."