segunda-feira, maio 10, 2010

Coisas que gostava

Eu gostava de ter tempo e dinheiro. Tempo para usar o dinheiro da forma mais ajuizada, sem esquecer a auto-estima, os amigos, a família, e uma ou outra instituição de caridade. Gostava de ir ao cabeleireiro tirar estes brancos que já voltam a cobrir-me as têmporas. Pedia à senhora - que deveria chamar-se Lisete, Vanda ou Manela - uma cor de um castanho suave, talvez uns brilhos aqui e ali, uma tinta que saísse com o tempo, sem pintar a toalha branca e sem deixar raízes ao léu. Ela pintava e secava, penteava-me com uma escova daquelas redondinhas e cheias de cabelos de outras clientes, eu faria uma cara enojada e ela fingiria não reparar. Depois punha-me cera, que a laca já pouco se usa - e puxava os cabelinhos rebeldes para baixo e para os lados, ficando eu com um ar de quem acabou de sair... do cabeleireiro. Eu realmente saía e dirigia-me à casa-de-banho mais próxima e reconstituiria a minha imagem, com base numa fotografia tirada ontem, onde o meu cabelo tinha um ar leve e suave, sem parecer peça de um leilão da "Cabral Moncada". Eu gostava de usar o dinheiro que, se pudesse, tinha, para comprar maquilhagem e fazer um curso com uma profissional, daquelas da MAC, num centro comercial da periferia, para aprender a pôr o eye-liner direitinho, num só risco suave e definido, e para não borrar a cara quando aplico o rímel bem preto. A base seria a perfeita para a minha pele, que teria então um ar acetinado e jovem. O sinal no canto esquerdo do queixo completaria a beleza. Mas esse, já cá está. Eu gostava de ir a umas quantas lojas de roupa e duplicar o meu guarda-roupa. Não, duplicar, não. Já tenho roupa que chegue, mas podia dar alguma e arranjar nova, assim de ganga e de cores de Verão, mais uns biquinis para ir para o Rio e ainda pulseiras para pôr no braço, quase até ao cotovelo. Seria roupa nova de lojas mais ou menos baratas, que não precisava de ir à Channel nem à Purification Garcia, e também não ligo muito à Desigual, mas gosto do Custo Barcelona. E teria sapatos para todas elas, como já tenho agora, mas ainda mais bonitos e prontos a estrear. Gostava de ter as unhas pintadas de um vermelho vivo, atraente, sensual, capaz de bater os dedos na mesa e fazer um barulhinho "clic, clic" e mostrar um anel lindo, de noivado, brilhante, com pedras verdadeiras e sem ser apenas de prata. E assim, estaria noiva outra vez. Depois, os meus pés estariam à vista numas sandálias abertas e nem uma calosidade, nem um mancha da tal tinta vermelha fora do sítio, nem uma nesga de pele morta e sem vida. E gostava de fazer cavitação ou uma coisa com um nome mais apelativo, mas que me deixasse elegante, com as curvas assinaladas nos sítios certos, capaz de usar uns jeans que me ficassem a matar, uma camisola para destacar o peito e marcar bem a cintura. E só faria um tratamento por mês, porque "estava óptima" e não precisava de mais e só lá ia para relaxar e ouvir a conversa da Idália, que se tinha separado do marido mas que estava já com outro homem que a fazia muito feliz na cama. Mas a Ídália calava-se, mal me punha as mãos em cima, e então eu dormia na marquesa do atelier de beleza - que se chamava Conchita - e acordava uma nova mulher. Isto seria apenas pela auto-estima. Mas o que eu gostava mesmo, era de não me deixar levar pelas ideias banais da "Happy Woman", e de não acordar com enxaqueca, para não me pôr com tonterias, num blogue que ninguém lê.

Gosto de casamentos assim


Verona, Itália, Abril de 2010