quarta-feira, março 18, 2009

Em estágio

Sem querer parafrasear os meus pais, ou tantas outras pessoas com mais (ou muito mais) de 30 anos, tenho que dizer que "no meu tempo, é que era"... No meu tempo, ser estagiário era estar interessado, empenhado, era gostar e lutar, era fazer, era aceitar, era tentar. Nunca, durante o meu estágio (não remunerado, durante 7 meses, arranjado por mim e não pela minha Universidade que se estava borrifando para pessoas como eu, mesmo sendo estatal) me lembro de ter dito "eu sei", "sim, sim", "pois claro". Nunca. Durante o meu estágio, e conhecendo já bem a redacção onde estava a fazê-lo (já lá tinha trabalhado durante três anos numa função diferente, é uma longa história...) bebia cada palavra dos meus editores e chefes. Lia com atenção os textos dos outros, procurava erros nos meus e aceitava as críticas sem uma qualquer desculpa esfarrapada. Sei que muitos, anteriores a mim, viram folhas rasgadas, lápis partidos, reportagens acabadinhas de escrever deitadas ao lixo. Já não havia disso, quando cheguei ao jornalismo, já lá vão 15 anos. Felizmente. Os estagiários já não eram tratados como lixo, ignorantes e incapazes. Mas havia respeito, noção, bom senso. Por parte da maior parte de nós, estagiários.

Hoje, não. Hoje, saem já sabichões das Universidades, quase sempre a Católica, muitas vezes a Nova ou a UBI. Tanto faz. Perguntam primeiro se podem ler para o microfone, dar a voz na televisão, mostrar a cara lá para casa. E só depois se lembram (lembrarão?) que ainda nem sabem fazer uma pergunta, que não conseguem escrever uma linha, que têm voz de copo de leite e imagem de quem agora nasceu. E não assumem nada disto. Ser estagiário hoje - salvo honrosas excepções - é ter a certeza de que se sabe mais do que é suposto saber-se. Um estagiário de jornalismo não lê uma página de jornal, mas sente que escreveria qualquer artigo em menos de um "ai". Não vê noticiários em nenhum canal, não questiona, mal sabe que em Espanha há um Rei e que por cá já se vê a República desde 1910, mas acredita que já merece um ordenado jeitoso, mais de mil euros, para começar, porque é preciso dinheiro para os copos e para roupinha nova, talvez um maço de tabaco por dia e duas bicas, pelo menos. Ser estagiário, hoje, é ter uma cara laroca e usar decotes generosos para chamar a atenção. É enturmar-se nas festas e tirar fotografias com os mais velhos. É sair cedo, chegar tarde, não acompanhar um trabalho até ao fim. É trocar a redacção por uma festa ou um jantar de um amigo. É não trabalhar ao fim-de-semana nem ao ensolarado feriado. É chegar a casa e dizer à mãe e ao pai "se calhar não é bem isto que eu quero" (agora que já gastaram uma fortuna em propinas), é não fazer mais do que aquilo que lhes é pedido... mesmo que nas entrelinhas haja oportunidades para agarrar.

Fazer um estágio é um exercício de aprendizagem. Partir para tal com a noção de tudo se saber, é a mais errada opção de que consigo lembrar-me.

7 comentários:

p disse...

Cara Samantha,

sigo este blogue há já algum tempo mas hoje, como estagiária de jornalismo, não me identifiquei com nada do que disse. Já vou no segundo estágio e nunca achei que conseguisse fazer tudo num "ai", antes pelo contrário, sempre percebi as minhas limitações e que demorava mais tempo a fazer as coisas, mas que mais cedo ou mais tarde entraria no ritmo.

Não uso decotes, mal vou a festas, e não quero tirar fotografias com os mais velhos (para que? para mostrar à minha mae em casa? não percebo).

Absorvo tudo o que os meus editores me dizem, oiço todos os conselhos, tiro notas, porque adoro isto.

Mas, sinceramente, não me sinto uma incapaz e uma inculta.

Ainda assim, percebo tudo o que quer dizer. Talvez por hoje em dia existir muita concorrência, por ser mais gente a concorrer a menos postos de trabalho, haja um grande numero de estagiários a querer dar nas vistas.

Também me pareceu que estava a falar de televisão. Eu estou a estagiar no Público, portanto talvez sejam casos diferentes. Aqui nem sequer há muitas hipóteses de nos evidenciarmos, estao sempre a entrar e sair estagiários, somos muitos.

Tenho pena que tenha essa ideia dos estagiários mas, provavelmente, não conheço assim tão bem a realidade.

AMM disse...

e eu que nem costumo fazer comentários, e que também ando por aqui há uns 15 anos, não posso estar mais de acordo. e o problema não é só do estagiário "coitadito" que acabou de chegar; o problema é dos pais que criaram uma geração disfuncional self-centered, das universidades portuguesas anacrónicas e sem qualidade (em 90% dos casos) que formam incompetentes,de um sistema empresarial português improdutivo que promove e eterniza a improdutividade.

na minha empresa não aceito estagiários, nem os quero ver por perto... a menos que eles paguem por cada semestre de estágio o mesmo que pagaram nas universidades em que andaram...é que nas empresas aprende-se e cada um tem que justificar o que ganha (OU~será que estou errado??)

Anónimo disse...

Bem este link foi-me dado por uma amiga.

Sou estagiário em jornalismo.

=> Quando for dono da minha empresa vou pagar aos meus estagiários.

Trabalho é trabalho e deve ser pago.

=> Quando for dono da minha empresa vou aceitar estagiários.

Jovens são jovens e têm mente aberta para aprender e os bons fazem qualquer empresa evoluir.

=> Quando for dono da minha empresa vou premiar aqueles que estiverem dispostos a dar o melhor.

Quem se armar em esperto é despedido.

As coisas estão assim porque há quem goste de complicar. Não se pode motivar ninguém com discursos assim ou ditos ditos curriculares.

Há gente boa em todo o lado, humilde e que quer aprender. É errado generalizar.

António de Cerveira:

Quando for dono da minha empresa poderei contratar com todo o gosto um neto seu, isto claro se ele já não tiver aproveitado uma cunha do senhor.

Nota: isto do dono da empresa é só uma brincadeira, antes que me tomem como um qualquer snob acabado de sair da faculdade

Femme Fatale disse...

O problema é que muitos estagios (assim como colocações efectivas ou não) são feitos com facto c de cunha e nao de competencia.
Digo eu...

Ana disse...

Concordo com tudo o que diz. É verdade. Há muita gente que segue jornalismo sem humildade, sem vontade de aprender, de descobrir, de ouvir o outro. Querem sim aparecer na televisão e levar uma vida que pensam - coitados - ser glamourosa.
Por outro lado, se eu tenho muito que agradecer aos meus orientadores de estágio - pela sua paciência, generosidade e compreensão - também é verdade que vi colegas tão ou mais competentes que eu serem completamente ignorados e espezinhados. Pessoas que em três meses, escreveram três breves e eram tratadas como ignorantes.
Por outro lado, também sei que há muita gente que não encara o estágio, nem o seu futuro, com seriedade.
Repito: concordo com o que disse, mas também há mudanças a fazer do "outro lado".

Bubble MInd disse...

infelizmente temo em concordar, querendo apenas sublinhar o facto de isto ocorrer em várias áreas. Claro que não podemos nem devemos generalizar, mas a verdade é que a maior parte dos estagiários de " agora", já sabem tudo, naõ se esforçam o suficiente, e acham-se sempre super profissioais em tudo o que fazem. A questão aqui é não ter humildade ...

Poisoned Apple disse...

Ai que eu sou da Católica! :) Estou completamente de acordo, mas não fui por essa via de quem nasceu ensinado. Também eu arranjei o meu estágio que não queria mais nada com a Católica, também eu trabalhei 10 meses de graça quando só precisava de ter trabalhado 3. Bebi tudo o que me ensinaram e até hoje sinto uma dívida de gratidão impagável para com o meu Director da altura. Só não fui para jornalismo, fui antes para relações públicas. Ainda hoje continuo a querer melhorar tudo o que faço, aceito opiniões desde que construtivas e quando pelo trabalho passam estagiários pergunto-me o que têm na cabeça.