Maio
Esta cidade está quase a fazer três anos e não merecia ser tão mal tratada. Eu ando às voltas com a vontade de escrever, faz-me falta este exercício de exorcismo, começo posts mentais à saída da garagem, na descida para os Restauradores, mas quando chego à Avenida já a cabeça vai a mil hora, a pensar nas queixas, nas resmunguices, na vida que não se vive. Experimento frases soltas a meio de um cigarro enquanto olho os jacarandás no Largo do Carmo, raramente contra o céu azul, como deviam estar sempre os jacarandás, ficam mal no céu carregado de cinzento que parece chumbo, que me pesa nos ombros e na alma. Pensei em escrever sobre as cerejas, já pintam o verde da Serra e vieram por ai abaixo na carreira das seis, mas é sempre mais do mesmo. Acho que já disse tudo o que havia a dizer, basta procurarem nos arquivos em Maio de há dois anos, que não me apetece andar com links. Sei que este ano mal terei tempo para subir às árvores, comer directamente dos ramos, suster a respiração para não pensar nas vertigens enquanto salto para o chão, já enjoada com o peso das cerejas no estômago. Dar tempo para me recompor e voltar lá, ter que subir mais um pouco, procurar as que estão escondidas entre os ramos mais altos que o meu pai tenta a todo o custo vergar sob o peso de um arado velho, para que as cerejas não sejam somente comida de pássaro. Vão-me fazer falta estes dias, mas Maio este ano parece mais curto.
3 comentários:
a mim faltam-me os sacos de cerejas pousados no bloco de gavetas que te deixei de herança. ter-te ali sempre ao lado para acalmar as tontices das cabeças mal-resolvidas.
um maio estranho, mesmo!
talvez um dia, talvez, irei entender o fascínio cada vez mais generalizado -e quase sempre pelo género mais bonito- pelos "jacarandás" [é assim, forma esdrúxula ?]
Enviar um comentário