domingo, dezembro 31, 2006

A importância de quem nos lê

Começámos por fazer este blog por brincadeira. Mais cidade que sexo em contraponto com o nome da série onde há também quatro mulheres da cidade, completamente diferentes, e com problemas e realidades muito semelhantes às de tantas de nós. É óbvio que a nossa identificação com elas exige algum exagero. Mas fez-se por graça.

Quisemos que este blog fosse nosso e nunca pensámos que poderia ser de tanta gente. À medida que o tempo foi passando, passaram por aqui não só amigos e conhecidos, mas também pessoas que nunca vimos, nomes que não identificamos, nick names desconhecidos. E começaram a deixar comentários...

Eu não costumo responder aos comentários. Não me levem a mal. Mas gosto de lê-los e fico contente sempre que um texto meu puxa pela opinião de alguém que, ainda por cima, a quer partilhar.

Em final de ano, e em jeito de Boas Festas, com o Ano Novo a chegar, pareceu-me razoável agradecer a quem por aqui passa, aos que nos lêem, aos que têm paciência para as nossas vidas, tantas vezes pormenores pessoais, tantas vezes desabafos íntimos. Não creio que o façam por curiosidade mórbida, mas porque já simpatizam connosco. É como se nos conhecessem um bocadinho sem nunca terem visto a nossa cara. Assim é o que sinto por quem nos comenta. Também vou conheccendo, aqui e ali, e não sei quem são nem o que fazem. É uma forma actual de ter contactos. De comunicar. E não me desagrada.

Aos nossos comentadores, voltem sempre, neste 2007!

sábado, dezembro 30, 2006

2007

Chego ao fim de 2006 com 33 anos. Falta pouco para os 34. Não tenho filhos, vivo sozinha, não faço planos, não sou imensamente feliz. Mas já fui mais triste. Não temo a mudança e não crio expectativas que geram falsas esperanças e que, por isso, acabam em desilusões. Espero. Mas tenho de lutar por qualquer coisa, um objectivo que seja, para dar sentido aos meus dias. Penso num. Imagino duas ou três coisas que gostaria de fazer este ano que agora entra. Duas ou três crises que gostaria de resolver; duas ou três viagens que gostaria de fazer; duas ou três pessoas - mais - que gostaria de apoiar.

Não escrevi num papel objectivos para 2007 como já fiz para outros anos. Penso todas as noites, antes de adormecer, no que tenho de fazer no dia seguinte. E quando acordo já me esqueci e a correria de cada dia faz-me adiar cada coisa que há muito deveria ter sido feita, planeada, executada. Não consigo pôr nada para trás das costas.

Aprendi este ano a gostar de uma outra forma, a gostar como pensei que não era possível gostar, a gostar com menos paixão, com menos intensidade, mas com mais serenidade, mais calor, mais qualidade. Essa foi a grande mudança do ano. E está ainda em crescendo pelo que 2007 deverá ter de fazer mais qualquer coisa. E eu também, na embalagem de um novo fôlego. Aprendi nos últimos anos a não traçar planos a médio e longo prazo. Isso não me impede de traçar planos simples com um mês de antecipação, às vezes apenas com dias. Tenho é de criar objectivos. Que passem pelo meu bem-estar, pelo meu trabalho, pela minha casa, pela minha família, pelos meus amigos. Não tenho ideias para escrever no papel, mas tenho pequenas luzes que esta noite quero memorizar: o assunto da faculdade, o assunto da editoria, o assunto do Rei, mais o jardim, e a conta bancária, e mais tempo para a avó. Já não é pouco, se pensarmos que cada uma destas coisas tem associadas, múltiplas actividades.

Eu quero mudar este ano. Quero ser mais responsável e mais feliz. Quero que os médicos me vejam melhor, e quero sentir-me melhor do que eles me vêem; quero saber o que é a palavra amar outra vez, mesmo que seja de outra maneira que nunca pensei conhecer; quero ganhar mais, merecer mais, fazer mais e conquistar mais. Quero andar para a frente e olhar para tudo com optimismo. Quero arrumar um certo passado numa caixinha bem fechada, ao fundo do coração. Pode lá estar, mas a fechadura trancada e a chave tenho-a eu. Quero muita coisa. E sei que cada dia vou querer mais. Quero conseguir pensar assim amanhã. Pelo menos...

Mais um ano

Mais cidade que sexo
O Carlos do Carmo começa a cantar na televisão e as lágrimas caem-me. Que lamechice este meu ano. Não me lembro de ter chorado tanto. Talvez em criança. Não me lembro de ter rido tanto. Talvez em criança. Não me lembro de ter precisado tantos de abraços. Em criança talvez. Estarei a regredir? Estou a ficar quem sabe menos imune à vida. As muralhas eram afinal de papelão. E quando chove amolecem.
Não foi fácil 2006. Nem especialmente difícil. Foi mais um ano. Menos um. Sem grande direito a balanços.
As mulheres deste blog "acusaram-me" há dias de nmunca mais ter aparecido nesta cidade. Têm alguma razão. A verdade é que passei por cá muitas vezes, mas em poucas dei sinal de vida. Prometo estar mais presente em 2007. A todas, a todos, um óptimo ano novo.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Serões de Dezembro

Saio mais cedo do trabalho e fujo à semana que agora acaba. Não saio cedo demais, apenas o suficiente para ter a sensação de o ter feito uma vez no ano. Passo pelas promoções pós-Natal que ainda não chegaram os saldos de Janeiro. Não compro nada. Mas experimento quase tudo. Olho para o meu corpo e vejo-o disforme no espelho da loja. Nada me cai bem neste dia em que saí mais cedo. Telefono a uma amiga com intenções de convidá-la para jantar. Não atende. Quando já estou em casa recebo dela, um sms, a pedir que lhe volte a ligar. Como as lojas neste fim de Dezembro, ela também não tem saldo.

Vejo o correio e sei que tenho uma carta para levantar. Vem da polícia e recuso-me a ir buscá-la. Uma multa, talvez, presumo que de excesso de velocidade. Uma parvoíce já que sinto hoje ter tempo para tudo, tempo de sobra para andar devagar, sem pressas, sem multas, sem excessos. Entro em casa e não sei o que faça. São oito da noite. Não costumo estar em casa às oito da noite. Ligo a televisão e vejo o Jornal que começa em desgraças e acaba na euforia do Ano Novo. Não me dizem muito, as notícias de hoje. Toca-me a da morte de Sara, a menina de dois anos vítima de maus gtratos. Fico triste com a morte de uns pescadores, mas dou mais importância ao desaparecimento da miúda. Não quero saber da mãe. Tal como não quero saber quando vai ser executado Sadam. Preferia-o preso. Sou contra a pena de morte.

Deito a cabeça no sofá e ligo o aquecimento. O serão chega vazio e sem supresas. Sobretudo sem companhia. Tive-a nos últimos três dias e estranho agora a ausência. O sofá é só para mim e tenho a mesa vazia. Quer dizer que improviso um jantar. Talvez beba um chá, mais lá para a noite.

Não pego num livro, não vejo um filme, não procuro distrair-me e não falo com ninguém. O meu serão deixa-me sozinha nesta noite de Dezembro, e não sei o que fazer com o tempo. Desabituei-me das coisas práticas, das que merecem espaço em cada dia, das que requerem minutos a mais.

Perco-me neste blog sem mais para dizer.
A noite entra pela casa dentro mas ainda é cedo para dormir.
É um serão de Dezembro. E sinto-me sozinha.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

A Charlotte casou-se... e depois foi o Natal

Casar a 9 de Dezembro, trabalhando numa empresa que nos faz optar por uma semana de descanso no Natal ou no Ano Novo, estava bom de ver. A lua-de-mel foi adiada para Janeiro e os dias pós-noite de núpcias (no delicicoso Hotel Palácio Seteais) foram passados entre lojas nos breves intervalos das horas de labuta profissional. Neste primeiro dia de férias (que se prolongarão por três santas semanas) aproveito para dizer que as minhas damas de honra (não as pequeninas sobrinhas que entraram à minha frente, mas as três fabulosas co-autoras deste blog) estavam lindas de morrer e, queridas como são, fizeram-me sentir ainda mais linda de matar! Obrigada pelas palavras neste blog, mas sobretudo pelas que me disseram junto à face naquele dia.
Quanto ao Natal, apesar da correria e do trabalho, passou-se bem, numa consoada apenas com o maridinho e com o almoço no dia seguinte com os meus pais. E as palavras de felicidade da minha afilhada ao telefone, bem longe, a dizer que o Pai Natal lhe trouxe a "mala das doutoras" para tratar do Nenuco. E que me dava muitos beijinhos no dia seguinte. Ainda ontem me disse, assim de repente, que o meu casamento foi muito bonito. Doces 4 anos, há lá melhor prenda de Natal?!?

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Natal 2006

Escrevo quando já todas as prendas foram desembrulhadas, quando já todas as crianças riram e choraram, e riram de novo; quando já todas as ceias se fizeram, quando já todas as famílias se uniram e separaram. Escrevo quando o Natal está quase no fim, quando já é quase dia 26, quando na televisão já se fazem balanços, quando as notícias já são do 'aconteceu' e não do 'vai acontecer'. Escrevo quando Jesus já nasceu, quando o Pai Natal já passou por todas - quase todas - as casas.

Houve tempos em que o Natal era, para mim, a grande quadra, tempo para ser feliz, para realizar, para pensar nos outros, para inventar emoções, para partilhar tudo e mais alguma coisa. Mas um dia o Natal veio, sorrateiro, e não me deixou senti-lo. Veio devagar e passou-me ao lado. E outro dia se fez um Natal assim, e mais outro.

Este ano preparei-me. Não quis deixar presentes para o fim e apressei-me a contemplar os que mais gosto. Não deixei que o espírito fosse só dos outros, e arrecadei um bocadinho para mim. Não muito, mas o suficiente para não deixar cairem as lágrimas que fizeram infelizes os Natais anteriores. Esperei por alguns sinais, que não vieram, inventei outros e criei fantasmas para depois afastá-los a chamar-me à realidade. Uma realidade que já é boa, que não é desastrosa, que, olhando para o lado, é bem melhor do que muitas que conheço e outras que vejo e não sei a quem pertencem. Mas sei que existem.

Não cantei os famosos cânticos que me acompanharam anos a fio, por esta altura. Ainda não fui capaz. Mas pedi, a quem acredito, um Natal melhor para todos. As lágrimas que verti vieram por causa dos mais pobres. Mesmo assim nada fiz para ajudá-los. Talvez isso me tenha deixado mais triste. Não mandei sms a ninguém. Peguei no telefone e marquei cada número, e falei com cada pessoa a quem quis desejar Bom Natal. Todas ficaram contentes por me ouvir, todas agradeceram o gesto personalizado, e eu a todas pude dizer coisas diferentes.

Na véspera de Natal montei um pequeno cabaz e levei-o a uma família de duas pessoas. Na véspera de Natal lanchei na FNAC do Fórum Almada como faço tantas vezes com o Rei que é agora meu, neste novo reino que construo devagar. Na véspera de Natal falei com os meus amigos, surpreendi os mais distantes, abracei a minha família. E recebi, com o mesmo amor com que dei. Sem os exageros que condeno. O essencial.

Esta manhã fui à missa da Paróquia onde cresci. Foi lá que tive um dos momentos mais fortes deste Natal. No fim, depois de o Padre - que me viu do altar - ter obrigado a plateia a uma salva de palmas para os que vão casar e para os que tiveram casamentos fracassados... um rapaz já sem dentes, esquizofrenia e cabelo despenteado ofereceu-me 4 chocolates mon chéri. Eu não gosto de chocolate, mas abracei-o e ainda agora as lágrimas quase me vêm ao olhos pelo gesto. Nunca fomos amigos, apesar de lhe ter ouvido muitas histórias, nunca nos sentimos próximos, apesar de sempre nos cumprimentarmos com um beijo... há muito que os votos de Feliz Natal não me caíam tão bem. Um gesto simples, num pacote tirado do bolso, desembrulhado, um presente que foi o mais lindo da quadra.

Escrevo já sozinha no meu Natal solitário que é sempre a noite de dia 25. Escrevo quando a família já foi, a mesa já se desfez, as crianças já se cansaram.

Escrevo quando ainda é Natal e em minha casa brilham as luzes numa árvore sem presépio.

Apesar de tudo, o meu Natal é o que representa o Nascimento. O de Cristo, quando acredito sempre num renascer que é também o meu.

Feliz Natal!

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Natal?

Enquanto enfeito a árvore, depois do corre-corre das lojas, do peso dos sacos, dos empurrões nas ruas, das filas de trânsito, das buzinadelas... enquanto enfeito a árvore pergunto-me: será que alguém ainda se lembra do verdadeiro significado do Natal?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Chegou o Natal*

Volto a acordar depois da hora. A culpa é do dr. House. Dos intervalos intermináveis na TVI. Vinte minutos bem contados entre a primeira e segunda parte. Uma seca. E os estores que ficam fechados. Bem cerrados porque as janelas precisam de ser calafetadas. Devia ir ao Aki, ou a outro sítio qualquer onde vendam coisas do género. Logo se vê como se faz. Não deve ser difícil. O que preciso é que passem as festas. De ter tempo e paciência para me enfiar em lojas.

Acordo tarde, mas confesso que nem me incomodo. Quando chego ao Chiado ainda compro dois ou três presentes. Livros, sempre livros. Depois subo e respiro o ar frio da manhã de Inverno. Sabe-me bem. Pela primeira vez este ano. Como me saberá ainda melhor, horas mais tarde, subir até ao Príncipe Real, caminhar em direcção a S. Bento. A cabeça leve, com a promessa de dias bem passados. De riso. Livros. Caminhadas. Conversa boa… Mais descansada desde que decide as prendas de Natal. Tranquila por saber que metade está na sala à espera da árvore. Despachei tudo em dois tempos. Afinal não custou nada. Agora só falta a árvore. O Natal chegou hoje.

[Para o B. Para que tenha o que ler, antes ou depois do novo 'emprego'. Para que o tempo passe mais depressa. Para que melhore.]

domingo, dezembro 10, 2006

O fantasma do Natal passado

O Natal chegou à cidade. Dizem as luzes de natal na Avenida. Os enfeites no Chiado. A decoração das lojas. As filas de trânsito. Os apertos nos centros comerciais. Mas o Natal ainda não está nos cheiros. Nos gestos. No ar. O Natal, este ano, ainda não chegou à minha cabeça. As [poucas] prendas que comprei foram para aproveitar os descontos da Fnac. Meia dúzia de livros e CD escolhidos sem o mínimo espírito natalício. Talvez por isso os livros para mim tenham ficado a ganhar às prendas de Natal. Pior ainda. Este fim-de-semana era fim-de-semana de árvore. Real ou memória construída, tenho ideia que sempre montamos a árvore a 8 de Dezembro. Sei que é assim desde que os meus pais fugiram de casa. Era assim nos tempos de S. Bento. Mas ainda não há uma árvore na sala. Não há cá em casa nada que lembre o Natal. E não vai haver por uns tempos. Acho. Também não fiz a lista de presentes. Por esta altura costuma estar tudo comprado. Não me apetece. Não este ano. Não enquanto me lembrar no ano passado. Talvez por isso o Natal ainda não chegou à minha cabeça.

A Charlotte casou-se! (iii)

As mulheres desta cidade fizeram o pleno e foram as mais bonitas da festa. A começar pela noiva [claro!]. As outras, de ‘corpinho bem feito’, como diria a própria Charlotte, também se recusaram a deixar os seus créditos por mãos alheias. Ainda assim, o que brilhou mesmo foram os casacos, vulgo sobretudos… Os vestidos sensuais, com as devidas transparências e generosos decotes estiveram pouco mais de cinco segundos sob a luz dos holofotes. Sob o céu negro de Sintra, a ameaçar chuva, e com os termómetros a acusar graus negativos [se não era isso pouco faltava] tiveram a hipótese, os vestidos, de sorrir para a fotografia. Mais do que isso só ao final da noite, acompanhados pela banda sonora adequada. Mas foi bonita a festa. Muito bonita. A Charlotte estava feliz e nós também. Por ela. E por ele. Afinal, it takes two to tango…

A Charlotte casou-se! (II)

E levava o mais lindo sorriso do mundo.
O vestido também lhe assentava bem.
Felicidades amiga!

A Charlotte casou-se!




Menina doce, noiva mulher.
Sorriso lindo.
De quem sabe ser.
Menina linda, noiva mulher.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Cores

Há mais vida em minha casa.
Tenho uma parede cor-de-laranja e ainda falta pintar outra, de verde.
Parece que não, mas faz toda a diferença!

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Que falta você me faz...

Houve um tempo em que escrevia uma média de três posts por dia. Era a altura em que tinha o que a Dia chama um amor literário. Era um amor triste. Por isso escrevia. Deitava tudo cá para fora através do blog. Há meses que deixei de escrever sobre ele e para ele. Hoje volto atrás. Não pelo amor. Mas por um carinho imenso. Pelo sentido de perda que na sexta-feira se tornou mais forte. Ele sabe que me vai fazer falta. Há muito que aquilo que nos une é tão só passado. Mas vai-me fazer falta o sorriso. As gargalhadas. A conversa boa. A crítica. A compreensão…

Para R., companheira de madrugadas

Renasço da noite como quem renasce das cinzas e torna a viver. Os olhos abrem-se cedo e pararam as malditas dores de cabeça, o embrulho no estômago, a sensação de inexistência, o vazio interior.

A tua voz fez-se ouvir, uma vez mais, na minha madrugada de insónias. Tu de um lado, eu do outro, de um mar que já nos separa menos e que um dia não será mais do que uma ponte enorme. Ligo o teu número a qualquer hora e tenho resposta. Não adormeceste, não desligaste, não estás a tomar conta dos filhos nem do marido, não te dedicas a mais nada senão a mim, naqueles momentos que são longos minutos, mas que pagamos sem dramas à TMN.

Sei que estou para ti como estás para mim: atenta e disponível. Repartimos mágoas e experiências. Os conselhos surgem da experiência de vida. Isto não é nada, aquilo por que passamos. Há por aí casos piores. Não pensamos neles. Olhamos para nós, tu para mim, eu para ti. Juntas procuramos soluções.

Que todas as madrugadas acabem com um bom dia. Porque me fazes bem. E às vezes preciso tanto de ti, como preciso de mim.

Obrigada, amiga!

domingo, dezembro 03, 2006

Assinatura II

Três anos depois ainda chorou...

sábado, dezembro 02, 2006

Assinatura

Dezembro tinha três dias quando ela chorou. Já tinha chorado um ano inteiro e, já se sabia, ia continuar a fazê-lo até que o tempo - essa desculpa para tudo e mais alguma coisa - passasse.

Naquela manhã de três de Dezembro acordou a chorar. Nem acordou de um sono profundo porque a noite tinha sido mortal, tinha sido tão terrível como uma guerra onde todos disparam contra uma mesma pessoa e descobrem depois que ela não é o inimigo. Mas então já está ela morta. Acordou desse enterro e vestiu a primeira coisa que encontrou.

Ia assinar os papéis.

Nunca uma assinatura lhe tinha custado tanto, aquele pequeno gatafunho que inventara para encurtar o trabalho de escrever.... Desejava agora ter uma assinatura interminável, que precisasse de dias ou talvez meses para terminar, para chegar à última letra. Que não se concluísse nunca, que não fosse verdadeira, que não fosse aceite, que não coincidisse com o bilhete de identidade.

Entrou no carro já com as lágrimas a percorrem-lhe o rosto. Umas atrás das outras. E soluçava. Não chovia torrencialmente mas, lá fora, a chuva ia e vinha e deixava os vidros do carro embaciados e molhados em gotas que desciam rapidamente. Não tão rápidas quanto as que lhe desciam na cara já gasta de tanto sofrer. As olheiras serviam de rampa e lá iam elas, grossas, duras, impenetráveis, impossíveis de secar.

Parou na rotunda onde tinham combinado encontrar-se. Ela, ele e uma advogada. Nunca precisara de uma advogada. E agora ali estava ela para garantir que tudo se fazia nos conformes, que tudo era executado até ao fim. O carro dele, mais alto, parou ao lado do dela e ele fez-lhe sinal para que avançassem. Seguiu-o como já o tinha seguido em tantas outras ocasiões, tinha-o perseguido, tinha-o procurado, tinha-lhe seguido o rasto, e agora limitava-se a marcar com os olhos aquela matrícula que há muito memorizara. Foi.

Encontraram-se num vão de escada, algures em Moscavide, num cartório ou num notário ou numa coisa qualquer que ela esquecera de propósito. A advogada levou os papéis lá para dentro, para lá daquele balcão minúsculo onde ele pagou a conta. A conta de um divórcio, como se lhe estivesse a oferecer um café e um pastel de nata. Cá fora falou com ele. Ainda as lágrimas não tinham parado de correr e ele, seco, nem olhava para ela: 'É mesmo isto que queres? - perguntou esperançada. A resposta foi afirmativa. Fez tudo para não soluçar.

Ouviu então chamarem pelos dois e entraram numa sala despida de beleza, de qualquer coisa que pudesse ficar na memória. Três mulheres, uma secretária de madeira e alguns papéis para assinar. Ela primeiro, ele depois. Perguntaram-lhe se era isso que queria. Ela continuava a chorar e as três mulheres tiveram pena dela. Disseram-lhe que podia não ser assim, que podia recuar, que podiam recuar. Ele quis que se avançasse. Ela disse que tinha de ser assim. Pois que fosse. Talvez tivessem caído lágrimas naqueles papéis que assinou a chorar. Ela não se lembra. Talvez tivessem ficado tão molhados que seria impossível ler-se neles os nomes de cada um, mas ela não se lembra. Sabia apenas que tinha assinado. Que um dia tinha escrito, por mão própria, o nome completo nuns papéis que preferia não ter lido. Na realidade não se lembra se os leu. Na altura só se lembrava de outros, assinandos dois anos antes, onde a promessa de 'para sempre' estava implícita.

As três mulheres levantaram-se e apertaram-lhe a mão. Ela saiu com ele e com a advogada, ela ainda a chorar. Não tinha parado desde que saíra da cama. Ele esqueceu-se dela e avançou, para depois voltar atrás e despedir-se. Deu-lhe um abraço sem ritmo, com pena mas sem arrependimento. Deixou-o ir. Teve ciúmes da advogada que partilhou o carro com ele. A aliança que ela usava e o os 20 anos a mais não tinham agora importância, para ela, naquela mulher que lhe levava para sempre o marido que tinha sido dela. Pobre mulher! Tinha sido apenas uma mediadora, mas ela nunca se esqueceria que lho levara.

Ele arrancou. Talvez tivesse passado por ela mas já chovia outra vez. Ela não se lembra se voltou a vê-lo. Por essa altura já gritava de dor, dentro do carro. E ninguém pôde socorrê-la. Ainda hoje assina com o mesmo gatafunho triste.

Perguntas...

Porque amuam os homens?
Porque nunca nos dizem o que os entristece?
Porque deixam para amanhã as discussões que podem ter hoje?

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Casados de Fresco

Noto que os casamentos duram menos tempo. Noto que as pessoas se preocupam menos com a família, com a pessoa que escolheram; noto que o 'toda a vida' já não faz sentido.

Na minha profissão, mas na sociedade em geral, as pessoas casam-se, de facto, mas pouco tempo depois, um ou dois anos, estão separadas. É como se estivessem sempre casadas de fresco, porque nem dão tempo ao casamento para parecer mais velho, para haver bodas de qualquer coisa, para haver filhos a crescer com os pais juntos, para haver sogras contentes com as noras que tão bem lhes tratam os filhos.

Fico sempre triste perante uma separação ou um divórcio. Fico sempre abalada quando vejo uma curta relação acabar. Sem mais nem menos. A paixão que marca estes namoros ou casamentos acaba como se nunca tivesse existido. As pessoas deixam de falar umas com as outras e vai tudo por água abaixo... ninguém faz um segundo esforço, ninguém dá uma segunda oportunidade, ninguém luta para mantar uma relação que até pode estar hoje errada e amanhã dar certo. Tudo ao contrário da geração dos nossos pais, quando até seria recomendável o divórcio. Agora não há razões para ficar. Somos tão independentes quanto distantes, frios e imperturbáveis.

Gosto de ver casais felizes. Até acho piada aos que têm filhos e continuam a ser felizes. Gosto ainda mais dos que sabem separar as águas e têm vida própria para além da casa, do emprego, da família.

Mas cada vez conheço menos casos. E tenho pena.
Se alguém quiser partilhar um final feliz...
Só para voltar a acreditar.

Solidão V

Nada dera certo com Rui. Ela achara-o muito infantil e, aquilo que inicialmente a fazia rir, começou a irritá-la. Sobretudo quando percebeu que ele era um galã e não podia ver um rabo de saias. Ela andava a precisar de atenção, não precisava de dividi-la. Pra isso, ficaria sozinha como estivera três semanas antes.

Três semanas. A relação durara três míseras semanas. Ela já não sabia se voltaria a gostar de alguém a sério. Rui tinha sido uma brincadeira, um fogo apagado à nascença. Continuava a pensar no ex-marido todos os dias mesmo não sabendo nada dele. Estaria só, como ela? Não... não era homem para estar sozinho. Imaginava-o a namoriscar aqui e ali, a fartar-se desta e daquela, sem se deixar cativar, deixando-as, a elas, num tremor e numa paixão que não esqueceriam tão cedo. Tinha sido assim, com ela, durante auqueles longos doze anos.

Voltara a escrever no blogue à espera de companhia. Já não queria convites para jantar nem aproximações físicas. Pretendia apenas deixar, pro escrito, o ritmo dos seus dias, a forma como estava a encarar o divórcio, a forma como superava a separação, a forma como não esquecia o passado.

Rui tinha deixado de lhe comentar os posts. Ficara magoado com o adeus. era compreensível: ela tinha sido tão dura como já tinham sido com ela. Vingou-se. Sabia que ele nem merecia. Mas agora era tarde demais.

Abriu o computador para escrever o resumo de mais um dia. E começou a chorar.