Amizade insular
Minha Amiga,
O mar que nos separa parece, às vezes, enterrar na negra areia as tuas queixas, as tuas lamúrias, os teus anseios... o mar que nos separa é imenso (maior imensidão, só nos preços que a SATA e a TAP praticam, nas viagens entre o Continente e essa terra linda, onde 9 pedaços fazem um só arquipélago), e parece, tantas vezes, levar para o fundo tanto que tenho para dizer, não deixando vir à tona tanta coisa que só flutua na minha boca.
Estarás, por esta hora, numa daquelas aulas de 'body combat', ou de 'yoga', onde acreditas que o suor lava o que em ti levas para o ginásio. O meu combate é outro. Contigo, num corpo-a-corpo à distância, tentando evitar que o gerúndio a que o teu dialecto me habituou seja apenas de forma, e que consigas, o quanto antes, verbalizar uma atitude presente, que deixe para trás o passado. Sem hesitar.
Gostei de ter-te por cá. De te ouvir anunciar a mudança. Gostei.
Volto ao mar, como metáfora. Também ele enrola num vai e vem, num alisar constante de um chão rugoso e calcado, numa tentativa fria de apagar as marcas e levar, para dentro, os vestígios de quem para ele ousou olhar. De perto. Esse mar que recolhe, que apaga, que disfarça uma ruga na areia... esse mar também traz a espuma dos dias. Uma espécie de sal que polvilha cada grão da nossa existência. Olhar para ele, de perto, pode dar-nos vontade de fugir. Mas também pode obrigar-nos a molhar os pés.
O importante é que não nos deixemos afogar.