sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Ir à terra

Sou quem sou por causa desta viagem. Cheguei aqui, a este exacto ponto, porque um dia, na candura da pré-adolescência, acumulando memórias construídas por conversas prolongadas à volta da mesa, acreditei que só sendo jornalista conseguiria voltar a pisar a terra que me viu nascer, que apaixonou os meus pais, que lá se apaixonaram um pelo outro. Sou quem sou, porque pensava eu, nunca teria dinheiro suficiente para viajar. Ser jornalista parecia-me a saída mais fácil. “Nunca pensaste em arranjar um trabalho em que ganhasses dinheiro a sério e pagasses a viagem do teu bolso?”. [Pois!] Este fim-de-semana, com os meus pais de regresso a Lisboa, de novo sentados à volta da mesa, eles contaram, mais uma vez, a ida, as dificuldades, a terra, as festas, as amizades, como venceram e como perderam tudo. E eu voltei a ter uma vontade incontrolável de fazer a mala e seguir-lhes os passos. Os anos que passaram, a guerra, tornam essas memórias coisas únicas. Sei que a Angola que vou encontrar nada tem a ver com o país que os meus pais deixaram há 33 anos. Soube-o no momento em que pisei terra africana pela primeira vez depois disso. Em Maputo os olhos marejaram-se de água, e quis correr de volta para o avião, que me levassem dali, aquela não era a terra que eu queria conhecer. Os bairros de lata, as longas avenidas abandonadas, as grades nas janelas, os esgotos a céu aberto, uma pobreza triste. Mas o calor, as cores, os cheiros envolveram-me e eu deixei-me conquistar. Foram pouco mais de quatro dias. No fim tinha a certeza que era ali que pertencia. Daqui a poucas semanas regresso. Ontem, enquanto o chefe, ele que conhece este desejo antigo, a quem repeti até à exaustão que qualquer viagem a Angola teria que ser minha, me dizia onde iria naqueles dias, as lágrimas soltaram-se. Despudoradas. A directora ria-se do sal que me manchava a pele, que borrava a pintura e eu sem conseguir tirar os olhos daquele email que traçava a viagem. Sou o que sou por causa desta viagem. E a partir de 7 de Março posso procurar outra profissão.

6 comentários:

Dia disse...

Aide toi et le ciel t'aideras.

Já era tempo de regresso.


(Não sei é se o chefe vai gostar da última frase deste post. :))

Anónimo disse...

É linda a maneira de sentires as coisas... quem vive assim merece tudo do melhor. Que o reencontro com a terra tão esperada seja maravilhoso!
bjs, ana

Eu disse...

merecida viagem e pára de me arrepiar ;-)

M disse...

e qd, do avião, começares a ver a terra vermelha - aquela de q tanto me orgulhava qd em pequena dizia às minhas amigas da escola : "na minha terra, a terra é vermelha!", deixa bater o coração, ele vai aguentar! Isso e o cheiro a (75% de) humidade, que vai fazer c q o teu cabelo, por mais liso q seja, regresse ás origens e se torne num encaracolado mt mais bonito q aquele anunciado pelo shampoo pantene. E aproveita o calor, o cheiro do suor a entranhar-se no corpo cm forma de libertar tds as toxinas q levas daqui. e deixa-te perder nos olhos de qm se cruzar ctg, rico ou pobre, criança ou adulto...tds eles têm áfrica dentro deles, cm tu.

"qm vai a áfrica nnc esquece, qm é de áfrica spre lembra!" :)

bj meu, c uma pitadinha de inveja

Anónimo disse...

Consigo sentir o teu sonho nestas palavras. Falta tão pouco para partires e eu, que não passo de uma separada-à-nascença-de-trazer-por-casa, desejo-te tantas coisas. Só boas. Ramos e ramos de bem-me-queres verdadeiros. E não deixes isto aqui, não? É que eu preciso de te ler. :)

Carrie disse...

Angela, falta mesmo pouco... e o frio na barriga faz lembrar milhares de borboletas.

Monikyta, será que aguenta o coração?