Inocente
Levámos mais de 20 minutos para deitá-la. Ali estava, numa camisa de noite cor-de-rosa e com umas meias quentes nos pés que estavam gelados. E, na cabeça, o duro golpe, fruto da queda daquela manhã, quatro pontos, cabelo molhado pelo sangue seco, ferida à vista, tudo à mostra por causa do cabelo fraquinho.
A minha avó de 92 anos passou um dia no hospital à espera de um TAC. Ela não vê bem, não ouve bem e está velhinha. As pernas já se furtam a um andamento compassado e custa-lhe estar de pé. Mesmo assim, uma auxiliar do Amdora-Sintra quis tirar-lhe a cadeira de rodas onde, durante horas, esperaria por um médico nas Urgências. Queriam roubar-lhe o assento. A uma velhinha indefesa. O que fazem estas pessoas que trabalham nos hospitais? O que as faz ser tão duras e incpazes de sentir algo por alguém? O que aconteceu à vocação quando se fala de profissões onde é preciso gostar do que se faz?
Não se deita do lado esquerdo porque acha que é cardíaca e não pode dormir sobre o coração. Não é. Mas não se deita sobre o lado esquerdo. A ferida na cabeça é do lado direito. Dói-lhe. Pergunta o que tem na cabeça. Digo-lhe que caiu, que levou pontos, que passou o dia no hospital. Não se lembra. Está muito cansada e olha para mim com um ar inocente. Passo-lhe a mão sobre os olhos e fico ali a fazer-lhe festas. Agradece-me os carinhos. Aperto-a com força.
A minha avó adormeceu e fiquei a vê-la dormir por uns instantes. Os velhos são como as crianças.
6 comentários:
As melhoras.
força!
Espero que melhore rapidamente!
Espero que as melhoras sejam rápidas.
Relembraste-me quando a minha vó partiu o braço. No hospital tive a sensação que os "profissionais" de saúde, devido à idade (tinha 98), achavam que não valia a pena tratá-la. Assim como assim, já tinha vivido muito.
Os velhos são como as crianças. Voltam a adquirir um carácter enternecedor.
Pois são e eu já gosto da tua avó. É parecida com a minha.
No Amadora-Sintra acham que não vale a pena tratar ninguém...
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