quinta-feira, novembro 08, 2007

Postais do Chile

Passada a primeira prova. Escritos os primeiros caracteres que atravessarão os Andes, e depois o Atlântico, antes de serem impressos, saio para a rua com meia hora para matar a fome. É muita. O pequeno-almoço [frugal, como são todos em hotéis de duas ou três estrelas] passou há horas. Respiro fundo e deixo que se entranhe o cheiro quente dos destinos exóticos. Já ontem, mal se abriu a porta do A330, percebi que estava no ar. O cansaço, de mais de 13 horas de voo, só deixou que estranhasse o calor de Verão. Em Portugal está apenas calor, aqui é Verão [ou quase]. São coisas completamente diferentes. Vou senti-lo na pele e nos sentidos nos próximos dias.

Sento-me numa esplanada deste bairro de escritórios. Não tenho a menor noção da geografia de Santiago. Há montanhas em todas as direcções. Não me sai da cabeça a sensação de estar dentro de um ninho. Ou então de um vulcão. A cidade no meio. Aconchegada. Aos poucos, a cidade entranha-se. Facilmente me mudava para um país da América Latina. Gosto do ar cosmopolita e europeu desta cidade. Gosto apesar das tendências hitlerianas deste povo. Gosto do verde das avenidas, das árvores e arbustos em cada uma delas. Lembra-me Porto Alegre. Faz-me pensar em viagens com borboletas. Gosto dos cheiros. Dos sons. Das cores. Gosto da Plaza de Armas. Lê-se o futuro nas palmas da mão. Escolhe-se o destino em cartas de tarot, enquanto se fazem tranças em cabelos negros. Pinta-se o Che em cores garridas. A tradição espelhada na modernidade. A catedral reflectida num prédio que todos os dias se queixa porque se sente desenquadrado. Lá em cima, muitos metros acima do chão, cinco homens cobrem de verde uma estrutura metálica. Terá o Chile a maior árvore de Natal da América do Sul? As ruas repletas de gente. Gosto do ar despreocupado. Há malabaristas com bolas num parque de cidade. Casais que se comem à vista de todos. São despudorados os sul-americanos. Vi o mesmo, há uns anos, no México. Gosto dos pormenores que fotografo de cinco em cinco minutos. A S. chama-me picuinhas. Talvez. Sei que hoje tirei a fotografia que valerá por toda a viagem. E gostei.