terça-feira, janeiro 06, 2009

Sem idade

Oiço agora, na televisão, um homem de quem nunca gostei: Mário Soares. Não posso, porém, deixar de admirar a lucidez e a sanidade mental de quem já passou dos 80. É certo que não sabe se leu no "El Pais" ou no "Le Monde", mas sabe o que leu e comenta. É certo que não sabe se ouviu na SIC ou na RTP, uma entrevista ao Ministro das Finanças, mas sabe o que ele disse e sabe porque não concorda com Teixeira dos Santos.

Não é caso único, Mário Soares. Felizmente.

No pós 80, temos nomes como Eduardo Lourenço, José Saramago e, claro, o centenário Oliveira. Todos eles são capazes, capazes de saber, de fazer, de estar. Parece que a cabeça faz o corpo funcionar. É como se trabalhar a mente, ao longo da vida, a pudesse prolongar. Vale a pena viver, desta forma.

As nossas avós deviam ser assim. Não arrogantes, como já foi Saramago (acho que já não é); não irritantes como já foi Soares... mas lúcidas, capazes de pensar até ao fim dos dias, prontas para raciocinar sobre qualquer tema. Eu gostava que a minha avó ouvisse. Ouvisse a minha voz, pelo menos. Já não falo sobre ouvir os telejornais e as notícias de última hora. Mas que ouvisse a minha voz em fundo.
Gostava que ela visse. Que visse a paisagem e as árvores, ao fundo. Já não peço que visse as letras miudinhas de um jornal diário. Mas que visse a cor dos meus olhos.
Gostava que a minha avó se lembrasse do que comeu ao almoço. Nem sequer quero que ela se recorde dos dias vividos durante a Segunda Guerra Mundial. Mas que saiba, de memória, quando nos vimos pela última vez.

Mas a minha avó foi habituada a trabalhar a terra, não a mente. Foi obrigada a servir, não a ser servida. Aprendeu a ler já adulta, quando o meu avô a ensinou a juntar as letras. Aos 94 anos, pouco mais saberá discutir que a doença que sente (e não a que tem, porque não tem nenhuma, felizmente); pouco mais saberá dizer que o nome de dois ou três comprimidos; pouco mais quererá fazer que sentar-se no sofá, ao calor do aquecimento, com o gato a roçar-lhe nas pernas.

Eu gosto da minha avó como é. E admiro esta gente, que ainda é gente depois dos 80.
Se lá chegar: quero ser doce, como a minha avó, e lúcida como tantos outros.

2 comentários:

Carrie disse...

muito bom! :)

Anónimo disse...

Quanto à lucidez, só posso esperar que sim, mas a doçura... pelo texto, parece que já está aí!
Gostei!
Lúcia