Alice
Ainda bem que apareceu um filme como Alice.
Alice desapareceu. Ia com o pai para a escola e desapareceu.
O filme de Marco Martins que Cannes já premiou é diferente. E digo diferente porque não parece um filme português. Não é bonito dizer isto, bem sei... mas foi o que senti, na sala.
A certa altura abstraí-me da conversa em português, para entrar numa história universal: a dor de um pai e de uma mãe face ao desaparecimento de um filho.
Alice tem um, ou outro momento despropositado, a meu ver - acho excessiva a parte dos ouvidos e da piscina e a forma como, de repente, Beatriz Batarda volta a ouvir a voz do 'marido' - mas é um filme para ver com atenção. Envolvemo-nos facilmente na história e ficamos amigos dos personagens.
Nuno Lopes é fantástico. Só não me fez chorar porque deixei de fazê-lo, involuntariamente... Mas Nuno Lopes leva-nos a procurar a filha com ele.
Beatriz Batarda está mais retirada do ecran, mas as vezes que por lá entra, marca presença. A cena da polícia é brutal.
Lisboa está bonita, no olhar de Marco Martins. Identificamos as zonas, nós que cá vivemos, e olhamos para a cidade todos os dias... Mas vêmo-la aqui mais bonita, a Lisboa que conhecemos...
Alice vê-se com gosto. Tem sentimento, tem dor, tem esperança. É uma realidade tornada irreal porque a ignoramos. Desaparecem facilmente, para nós, os problemas dos outros. Só os nossos parecem estar sempre presentes... mesmo quando o que os motiva há muito não se vê.
Vejamos Alice...
4 comentários:
Se não a conhecesse até diria que é editora de cultura.
Minha querida, não gosto que tenhas escrito... "Só não me fez chorar porque deixei de fazê-lo, involuntariamente." Espero que chores e muito... não pelo lado cru e negro da vida. Espero que chores e muito... porque as lágrimas dizem-me que estás viva, muito viva, que continuas a ter a sensibilidade (agreste, às vezes) de dizer e sentir a vida à flôr da pele... porque as légrimas dizem-me que ainda te emocionas quando dizem "gosto muito de ti" ou quando vês um sorriso de felicidade na cara de um amigo.
E... eu sei que ainda consegues chorar. Ainda bem!
Fui ver ontem. Sozinho, em Aveiro,5 pessoas na sala, ninguém com pipocas, bilhete à borla em troca de 600 pontos do cartão Fast-Galp.
Não me encheu as medidas (bem sei, num sou um tipo com sensibilidade artística, nunca seria editor de cultura nem de coisa nenhuma...).
Lá está, gostei da cena dos ouvidos na piscina. Lá está, acho a minha cidade bonita demais para se esgotar naquele tom meio desbotado que foi escolhido pelo realizador para ajudar a "criae densidade".
Ficou um sentimento de "so what?", de história que não acabou. As histórias têm um princípio e um fim (não, o final não precisa de ser feliz). Nesta história, a mãe safou-se ou não? Dado que aquele percurso era habitual para a Alice, o que aconteceu no dia seguinte à última cena do filme? Ele olhou com mais atenção no dia seguinte? Será que teremos que esperar por Alice 2?
Interpreto Alice desta forma: um pai desespera pela filha desaparecida (e a mãe também, mas destaca-se o pai porque é mais invulgar que assim seja, na sociedade portuguesa). Tenta tudo para encontrá-la. Corre contra uma maré - a cena da multidão que vem ao nosso encontro, quando só ele, o pai, segue contra a maré de gente.
Já todos tinham desistido... menos ele. A mãe terá desistido da vida... esteve primeiro longe de tudo... até afastar-se em definitivo. A desistência dela é emocional. A dele é física.
Só que... no momento em que desiste, o pai é confrontado com uma esperança... ele nem repara... porque ele já está na mesma direcção que os outros (já desistiu, recolheu as câmaras)... mas a rapariga passou por ele. Ela reconheceu-o. Ele não a viu porque desistira de procurá-la.
Acho excessivo o momento em que ele 'acorda', olha para trás e sente qualquer coisa no ar.
Mas acho possível que duas pessoas desencontradas passem uma pela outra sem se reconhecerem... ou, sem, simplesmente, serem capazes de ver-se.
Talvez o filme queira dizer que não devemos desistir.
Enviar um comentário