Regresso ao divã IV
- E então sonho Doutor. Tenho sonhos seguidos que não consigo acabar. Acordo antes que um acabe e já está outro a começar, mal fecho os olhos.
- E sonha com o quê?
- Não me lembro. Mas sei que são memórias e coisas confusas, sem nexo...
- E quando decide acabr com os sonhos?
- Quando toca o despertador e me obriga a viver a vida como a tenho agora.
- Sonha acordada?
- Não. Não tenho nada com que sonhar. Só quero acabar com este degredo nocturno.
- Experimente não sonhar...
- Como Doutor?
- Experimente adormecer a pensar nas coisas boas que tem o seu dia. Mesmo que não as considere um sonho. Tem coisas boas, todos os dias, não tem? Por mínimas que sejam...
- Mínimas, sim.
- Então pense nelas antes de dormir. Se sonhar é com elas que vai fazê-lo e terão um gosto especial porque realmente acontecem.
- Não creio que isso resulte. Mas posso tentar.
- E escreva. Escreva os sonhos que tem para partilhá-los comigo.
- Vou tentar...
- Agora, pode ir.
- Esta noite vou fechar os olhos a pensar nesta conversa.
- Tirou dela coisas boas?
- A esperança de que posso melhorar. Falamos para a semana.
- Bons sonhos.
1 comentário:
Outra coisa. Certo, entre outras! Mas as séries do "Consulório" são antológicas. termino-as de ler sempre com um ligeiro amargo de boca. Nada de desagradável, mas um amargo... Qual o peso da ficção nestes relatos?? Que ainda assim, se não aconteceram (exactamente assim) poderiam ou andam lá perto.
Parece... o interesse num está na estória(s) mas no prisma de quem viu - Sentiu.- e depois vem partilhar.
Contamos estórias porque a informação nelas contida nos é (num quero dizer importante, é mais do que isso) fundamental. As estórias permitem que nos desdobremos. Que, simultaneamente, tenhamos ocupado dois ou mais lugares. Importa a informação da experiência que não presenciámos mas da qual tomamos posterior conhecimento.
Um exemplo claro da importância das estórias vem das tribos semi-paleolíticas (bolas, têm catanas de aço e calções de futebol). Persistem em se reunir, todas as noites, em conselho ao redor do fogo. E, assim como quem vê o noticiário num sofá, partilham as experiências do dia. E.g., "sabem aqueles macacos que estavam na segunda curva do rio? Pois mudaram-se para a árvore roxa da outra margem. Passei por lá hoje..." ou "Ouvi hoje na selva um barulho estranhissímo, como nunca escutei." "Como assim?" perguntam os outros, interressados. "Assim, tccchriiique..." e imita. Os outros tentam comparar com sons que se recordem. Que num haja dúvidas que um som novo (ou inaudito - onde ficará o acento desta palavra) com todas as suas implicações, pois, lhes interessa de sobremaneira.
Eles , assim como nós, necessitam das estórias para mapear a realidade circundante. Nos seus 360º graus. Preencher os vazios e consolidar "regiões".
Se alguém me contar que se abriu um buraco descomunal na rua da Betesga eu, enquanto ão me informarem que foi reparado, pois, nem passo por lá, dou a volta. De outro modo tenho de por lá passar e confrontado com a situação, bem, dar volta ao Rossio. Era só mais um exemplo, Tudo isto porque...
Há um livro: "os pastores de sonhos" de um antropólogo francês que trata do seu trabalho de campo junto de uma tribo que... têm a particularidade de valorizar o seu lado... a sua existência ónirica ao nível do que nós consideramos a "vidinha".
Consideram tão ou mais importante na sua existência o período em que dormem do que quando estão acordados. E então partilham.
Fiquei felíssimo quando soube da existência desses seres. Sempre amei sonhar... mas também, nunca tive pesadelos. às vezes um ou outro mais agitado, mas considero-os mais "filme" de aventuras do que outras coisas. Tipo Indiana Jones. E sempre considerei que quem não leva a sério essa faceta da suas existência, pois, que lhe falta um terço da vida. Para todo o sempre.
Só mais uma coisa: Este blogue de sonhos.
Os sonhos aqui transcritos têm todos dez anos ou mais. A autora aliena os sonhos antigos, expõem-nos, mas continua a recolher os de agora. Mas desses só tomaremos conhecimento daqui a outra década. Experimenta escrevê-los...
Gosto muito do "teu" Doutor. Ou de como o pintas... Vai dar ao mesmo, só conheço a estória.
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