Sou quem sou por causa desta viagem. Cheguei aqui, a este exacto ponto, porque um dia, na candura da pré-adolescência, acumulando memórias construídas por conversas prolongadas à volta da mesa, acreditei que só sendo jornalista conseguiria voltar a pisar a terra que me viu nascer, que apaixonou os meus pais, que lá se apaixonaram um pelo outro. Sou quem sou, porque pensava eu, nunca teria dinheiro suficiente para viajar. Ser jornalista parecia-me a saída mais fácil. “Nunca pensaste em arranjar um trabalho em que ganhasses dinheiro a sério e pagasses a viagem do teu bolso?”. [Pois!] Este fim-de-semana, com os meus pais de regresso a Lisboa, de novo sentados à volta da mesa, eles contaram, mais uma vez, a ida, as dificuldades, a terra, as festas, as amizades, como venceram e como perderam tudo. E eu voltei a ter uma vontade incontrolável de fazer a mala e seguir-lhes os passos. Os anos que passaram, a guerra, tornam essas memórias coisas únicas. Sei que a Angola que vou encontrar nada tem a ver com o país que os meus pais deixaram há 33 anos. Soube-o no momento em que pisei terra africana pela primeira vez depois disso. Em Maputo os olhos marejaram-se de água, e quis correr de volta para o avião, que me levassem dali, aquela não era a terra que eu queria conhecer. Os bairros de lata, as longas avenidas abandonadas, as grades nas janelas, os esgotos a céu aberto, uma pobreza triste. Mas o calor, as cores, os cheiros envolveram-me e eu deixei-me conquistar. Foram pouco mais de quatro dias. No fim tinha a certeza que era ali que pertencia. Daqui a poucas semanas regresso. Ontem, enquanto o chefe, ele que conhece este desejo antigo, a quem repeti até à exaustão que qualquer viagem a Angola teria que ser minha, me dizia onde iria naqueles dias, as lágrimas soltaram-se. Despudoradas. A directora ria-se do sal que me manchava a pele, que borrava a pintura e eu sem conseguir tirar os olhos daquele email que traçava a viagem. Sou o que sou por causa desta viagem. E a partir de 7 de Março posso procurar outra profissão.