quarta-feira, abril 30, 2008

com vista para o mar

Para combater o mal estar. Para afastar a inércia. Porque os dias se querem de férias. Por isto tudo, arrasto o corpo para fora da cama, para longe do sofá. Entramos no carro sem destino definido, apenas com a vontade de sair. Acabamos em Peniche. No forte que um dia se fez prisão. Paredes altas, pátios de tamanho reduzido, onde um dia escorreram vidas mal tratadas. É estranho estar ali. O meu corpo não se faz meu, naqueles momentos, como se quisesse entrar na história dos outros. Acontece-me quando estou próxima do ‘segredo’, no pátio da cisterna, no parlatório, à vista das cartas escritas como cabulas numa letra indecifrável, perante os relatórios quase pornográficos de actividades tão inocentes como almoçar no restaurante x ou y fora dos muros do forte. Acontece-me de novo, o corpo que não quer ser meu, a vida demasiado insignificante, quando chego ao último piso do museu, as paredes que parecem sempre demasiado próximas, as celas demasiado pequenas, os miúdos de escola secundária que, sentados no chão do refeitório, ouvem a guia repetir, numa voz monocórdica, o nome daqueles que conseguiram fugir à prisão. Os mesmos miúdos que encontrei pela primeira vez no andar de baixo, por entre rendas de bilros, conchas e corais, ela a andar às arrecuas, ele com o braço à volta da sua cintura, alheios a tudo, olhos nos olhos, beijos [pouco] inocentes, ela a tropeçar na colega que parou para apertar os atacadores, a imagem que parece saída de um filme cómico. Os mesmos miúdos que vão comentar, à porta da cela onde esteve preso Álvaro Cunhal, ‘ena o gajo tinha vista para o mar’.

2 comentários:

Anónimo disse...

....posso indagar ? o título escolhido foi antes ou depois da postada estar concluída ?

Cps,
CL

Carrie disse...

os títulos sao quase sempre ao acaso e quase sempre scritos no final.como este.