Centrum
Há dias não consegui lembrar-me do que tinha acontecido de grave em Nova Orleães. Dei voltas e mais voltas e tive de pedir a ajuda do público para concluir que, afinal, o Katrina tinha passado por lá. Sabia que tinha sido devastador, mas não me recordava do quê... Pela minha memória terá passado um furacão sem nome de mulher mas com terríveis consequências. Esqueço-me de coisas importantes. Não são coisas do dia-a-dia, apenas. Essas resolvem-se com uns lembretes no telefone e uma boa agenda de outlook... Não. São informações a reter: nomes de actores, de políticos ou de capitais... são dados históricos, relações internacionais, cultura geral. Perdi parte do que sabia. Esqueci, para sempre, temo. Não consigo lembrar-me do nome de dois dos assistentes de Hitler, quando acompanho de perto - por gosto - o período da Segunda Guerra Mundial; não me vem à memória o nome de um filme, de quem o realiza e de quem nele participa e, por vezes, nem sequer me lembro se já o vi - dei por mim, na FNAC, a pensar se já terei visto o "Fúria de Viver", com om mítico James Dean. Terei perdido esta pérola?. Parece-me que sim, que o vi, mas nem a presença de Dean me diz nada. E nas séries, por exemplo em "House", começo sempre por dizer "eu não vi este episódio" quando, descubro mais tarde, até identifico as caras e as doenças, as falas e os momentos de riso. É preocupante.
O mais incrível - e óbvio - nesta minha perda de memória é que, o que deveria ter esquecido, mantém-se firme na minha memória. Cá estão as más recordações, as mágoas, os momentos que me fizeram chorar... e aparecem assim entorpecidos como se tivessem acontecido mas pudessem repetir-se que eu nem me importava. É injusto. Em 35 anos de vida e alguma experiência juntei dados que gostaria de manter e recordar: visitei países e cidades interessantes (se não escrevesse os nomes nas fotografias esquecia-me de algumas); li livros e vi filmes incontornáveis, ouvi músicas e pessoas a não esquecer... porém, tudo o vento levou. Sem Clark Gable (olha, lembrei-me deste!).
Costumava dizer que tenho cultura de autocarro: sai tudo na paragem seguinte. Queria com isto dizer que só acumulava na memória o que me interesseva para um certo período. Ainda acontece assim. Por exemplo, se faço uma reportagem, preparo-me o suficiente para saber tudo sobre o assunto. Entrevisto, escrevo. E eis que uns dias depois não consigo referir dois dados que tenha retido do assunto ou da pessoa. Triste? Pior do que isso. Esta cultura de transporte público é tão ou mais preocupante quando se tem uma função em que todos nos julgam um bocadinho melhores, mais espertos. "Tu é que és..."... dizem-me. Sim, sou. E não me lembro porque me deram a mim tal cargo. Te-lo-ei merecido? Para já sei o meu nome e a minha morada de cor (excepto o código postal para o qual tenho uma cábula), sei o nome das pessoas de quem gosto e consigo adjetivá-las com duas ou três qualidades (esqueço-me do vocabulário para mais)... mas não me lembro de quem antecedeu a Putin no Governo russo... não consigo dizer agora qual foi o vencedor dos óscares do ano passado e também me esqueci do que li em "100 anos de Solidão". Exemplos do que é não saber. Não ter memória. Não existir ou, simplesmente, ter um passado que de nada valeu.
5 comentários:
Já somos dois. O pior é que eu sempre fui assim e não há vitaminas que resolvam o problema.
Dois dos principais assistentes de Hitler eram Himmler (o das SS) e Goebbels (o da propaganda). Antes de Putin esteve o Ieltsin. Quem ganhou os óscares do ano passado foi o Scorcese (melhor filme e melhor director. E os "Cem anos de Solidão" posso contar-to um dia destes ao jantar.
(E não, não estás assim tão mal, lembras-te dos discos e livros que emprestas. E como te lembras...)
E lembro-me que Scorsese se escreve com dois ss (e não, não estou a falar da sigla hitleriana)...
Vês? Não és um caso perdido...
Sinto exactamente o mesmo com 24 anos de vida. É uma angústia todos os dias... de que me serve ler, ver filmes, pesquisar sobre isto ou aquilo se daqui a uns dias sinto que foi em vão porque já não me lembro de nada? Interesse não me falta, falta-me a memória. Também sempre fui assim, no liceu estudava que me fartava, tirava apontamentos, memorizava e acima de tudo compreendia as coisas... mas de nada me servia, depois do teste tudo se apagava. Vida cruel!
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