sábado, abril 05, 2008

Vício

Não trabalho mais que 10 horas por dia. Evito fazê-lo. E tenho sempre uma voz que me chama, final do dia, estômago a dar horas, as séries à espera de serem vistas e compreendidas na televisão. Arrasto-me de manhã de uma cama quente num quarto escuro que é só meu. Sou rápida nas coisas do banho e da roupa, um pózinho na cara para disfarçar olheiras... Mas é lento o tempo que passa entre o toque do despertador e o primeiro pé no chão. Dói-me. Custa-me. Pede-me a alma que não saia dali, que retome o sono e procure um sonho que me faça dormir melhor. Ainda assim saio, levanto-me, sigo de olhos semi-abertos até ao duche que me ajuda a viver mais um dia. A partir daí, o cérebro entra em acção.

Este ritual diário que me deixa doente todas as manhãs, as reuniões que se seguem, duas horas de paleio, egos cruzados e dores de cabeça, ideias falhadas e apostas ganhas; tudo isto me faz querer trabalhar mais. Ao fim do dia, já a lua no céu, penso que não deveria regressar já a casa. Lá vem a voz de que aqui falei. Desligo o computador, não sem antes passar os olhos pelo dia seguinte, pela agenda, pelas coisas por fazer. E tudo isso levo comigo. Esqueço-me de tudo no intervalo para a refeição (a única decente do dia) e no momento do chá em frente ao ecrã. Às vezes cidreira, às vezes sabores. Sempre com mel. Se partilho o sofá fico até mais tarde naquele consumo desenfreado de episódios de um dvd genial. Se estou só, calcorreio os canais como se fosse um homem e deixo-me ficar nos programas sobre crimes e advogados, sobre famílias e mulheres desesperadas, sobre médicos e casos de urgência. E de morte.

Desisto quando o que me resta é aquele canal que tem um tipo a fazer visitas pornográficas. Boçal. Evito o livro porque não quero pensar (é pena) mas vêm-me então os pensamentos do dia. Nessa altura, às voltas na cama, experimentadas todas as posições de descanso, o meu cérebro actua como se o duche estivesse de novo a molhar-me. Faço contas e balanços, planos e previsões; penso no que fiz e no que devia ter feito, no que disse e no que devia ter dito. Penso nas pessoas a quem não telefonei, imagino ideias para os dias seguintes, organizo um mapa que é tanto de trabalho como de complicações. Quando, finalmente, adormeço, estou já esquecida da razão que me levou a pensar em tudo. E isso obriga-me a fazer tudo de novo, no dia seguinte.

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