A tua voz
Decorei a tua voz. Leio e releio duas páginas de um livro de capa amarela, mas é a ti que oiço pronunciar aquelas palavras.
“É aí que ela te prende o pescoço de novo, mas com as pernas, gostas daquele cheiro, davas tudo por aquele cheiro agora, sempre, na hora da tua morte, como numa oração que dizes na igreja.” Leio e releio, mas és tu quem marca o compasso deste poema feito em prosa.
“E depois retomam-se um ao outro, rosto contra rosto, onde está o meu rosto mergulhado no teu?, onde está a tua língua tão longe da minha?, sinto ainda o meu próprio sabor na tua língua que antes tinha outro sabor, outra textura, e a minha língua tem o sabor que às vezes recordo, não sei bem como é esse sabor, fecho os olhos tantas vezes a meio da noite para recordar esse sabor, e então lentamente, experimentas entrar nela, ela entra em ti, é isso, foste tantas vezes penetrado por ela como ela por ti, segredos de amor intenso, de amor tenso, perfeito e seguro...” Leio e releio, mas é a tua voz que completa as frases, enquanto eu continuo deitada num tapete vermelho.
“Reconheces ainda o calor dos braços, o último, o mais intenso perfume da noite?, chamas perfume a isso?, é mais um cheiro, um cheiro animal e inquieto, o cheiro vadio de uma noite e de todas as outras que estão antes e estão depois, se estiverem”. Leio e releio, mas é a tua voz que encerra esta oração em jeito de despedida.
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