Medo
Estava atordoada com uma enxaqueca que há muito não era tão brava. Na cabeça ecoavam-lhe as palavras da médica quando lhe pediu aquele exame. Ia fazê-lo no dia seguinte quando o relógio marcasse as três da tarde. Hora portuguesa. Enfiou-se na banheira depois de tomar aquilo a que chamava um "drunfe". Era um comprimido forte, capaz de a deixar com o estômago em fúria, mas também capaz de lhe roubar aquelas dores insuportáveis que tinham nascido de madrugada.
Regulou o chuveiro para um só feixe de água e não se importou quando lhe fez ricochete na cabeça, nos ombros, nas costas. Fechou os olhos e deixou-se levar por aquela massagem improvisada que às vezes lhe fazia bem. Era dada àquelas dores e já as conhecia bem. Já tinha alguns truques para combatê-las. Só não sabia como evitá-las. Deixou que a água lhe batesse forte no corpo e não deu importância à que saía para fora da banheira, molhando um tapete laranja berrante e o chão. Naquele momento só queria parar aquele sofrimento.
Pensou no exame. Pensou na preparação que andava a fazer. Tinha perdido um quilo num só dia. Precisava de mais dois. Só bebia água e chá. Tinham-lhe permitido café, mas não gostava. A enxaqueca seria fruto do medo, da falta de alimentação, de qualquer outra coisa que se tinha passado durante a noite e que ela não pôde ver.
Temia os resultados. Nunca tinha sido posta à prova, assim. Lembrava-se de uma outra ocasião em que uma outra médica lhe ameaçara um cancro, caso não se tratasse de imediato. Nessa altura não recuou e fez o que tinha de fazer. Mas agora não dependia dela. Dependia daquele exame que tanto lhe custava imaginar.
Faltavam dois dias. Só depois saberia se podia dormir descansada. E voltar a comer. Encostou a cabeça na almofada e sonhou com uma companhia: a mão da mãe, do namorado, de um irmão, de uma amiga. Só queria ter a certeza que não entraria sozinha naquele degredo. Sentiu-se pequenina e sem forças. Rezou uma oração e fechou os olhos.
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