Quando sais de minha casa?
Há quase quatro anos a viver sozinha e ainda não aprendi a lidar com esta solidão que gasta. Não é uma solidão que partilho, mas um estado que me faz estar acompanhada por ti, na minha cabeça, com os fantasmas que teimam em não desaparecer. Mal me vês trancar a porta por dentro, cá estás tu para me lembrar da tua existência, do que passámos juntos, do que me fizeste passar, do que passarás agora e que eu não sei mas insito em adivinhar.
Quando é que sais de minha casa? É que eu mudei de morada e descobriste o novo lugar. Arranjei visitas e sabes sempre chegar quando elas vão embora, criei truques de companhia e sabes sempre vencê-los e deixar-me a pensar em ti.
Sempre foste um egoísta. Hoje, que nada sei de ti, a não ser que vives noutro país, tão longe daqui que me seria impossível rever-te, continuas a estar presente mais do que eu desejo, mais do que eu permito, mais do que devias estar. Não te quero na minha casa mas sentas-te ao meu lado no sofá como se não fosse nada contigo. Sobretudo deitas-te na minha e não me deixas dormir, ou entras nos meus sonhos como entras na minha casa: invisível, mas tão presente que não te posso ignorar.
Ao fim-de-semana tens mais tempo e apareces com mais frequência. Eu ainda tento ler um livro ou ver um filme. Mas obrigas-me a procurar alternativas, e nem sempre tenho companhia para um café. Estás nas páginas que leio e impedes-me de continuar, entras nas séries que vejo e retiras delas a atenção que merecem. E sempre que páro para descansar, lá estás tu, com aquele sorriso meio de lado, matreiro, próprio de quem acabou de fazer uma sacanice, aproximas-te e ficas ali, a olhar para mim, obrigas-me a desviar o olhar, e mudas de sítio para que nunca deixe de te ver.
Desapareceste sem deixar rasto, mas na verdade persegues-me todos os dias. Estou cansada que venhas atrás de mim. Estou cansada de não conseguir fechar-te a porta na cara e continuo a deixar-te entrar coladinho a mim, mesmo sem limpares os pés no tapete. És uma sombra que aparece sem sol. E eu estou cansada de te ter a meu lado. Esta forma é muito pior que a outra, a real, a que também vivemos em lágrimas.
Ou não será pior, mas boa também não é.
14 comentários:
duvido que te reconforte, mas mesmo assim achei que podia partilhar contigo de que sofro do mesmo mal... será que isto só acontece às mulheres?! e se sim, porquê?!
porque não desligamos pura e simplesmente?!
Estás a tentar esquecer, é um erro..pensa nisto...
Nunca digas que queres esquecer um amor,diz apenas que és capaz de viver sem ele.
Mais um copy past que eu podia fazer...
Anos Dourados de Tom Jobim,cantado por Chico Buarque, conheces?
Vou ouvir a música... Espero que não me deprima mais.
E sim, Irene, acho que isto é coisa de mulheres...
Conheço bem essa sensação, apesar de estar desvanecida com a mudança de casa... porra, gajas.
É excepcional,traz alguma tristeza, mas vai-te situar;vai-te lembrar que há coisas que não voltam mais!Ouve,então, o Adeus Tristeza do Fernando Tordo,e vais perceber que és o que mais importa,e que já estás noutra!
Deixa lá..Um destes dias terás outra companhia e qd menos deres por isso, esta, já não se senta no sofá pq esse lugar estará ocupado.Muito bem exposto e muito bem entendido!
Aguardo o novo texto para ter a certeza que, já, estás bem!
a bolacha tem razão. um dia destes nem notas - "ups, onde é que foste?puf! desapareceu..."
Irene, os homens também podem padecer desse "sofrer".
Mas e vêm-me esparsos tantos fados da Amália: "...Quem dorme na minha cama, e tenta sonhar meus sonhos" e o "Confesso"... o "Confesso" tem tudo a ver com este poste.
E sem falar no «"Coração Independente" coração que não comando, e que teima em bater. Pára! Deixa de correr, eu não te acompanho mais.»
O fado "Confesso" diz a dada altura: "Não me sais é da cabeça, que não vê qu'eu te esqueci"
Afinal, num é verdade. Fiz confusão. o "Confesso" diz muitas coisas menos isto... Paciência
Tão bonito, Samantha. Há uns tempos poderia eu ter "escrito" um sentimento igual.
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