quarta-feira, agosto 01, 2007

Gordura é formusura

Antes, quando me referia a ele, dizia sempre 'é aquele gordo, de bigode'... nenhuma das características me agradava: sempre achei horrível, um homem de bigode (havia de ser uma mulher?!?)... e, já se sabe, para o comum dos mortais, e por causa dos anúncios e assim, uma pessoa gorda não é agradável à vista, especialmente se for... muito gorda.

Os gordos movimentam-se de forma mais lenta e, por norma, não gostam de aventuras, caminhadas, passeios na montanha, descidas de rios, voos de parapente. Tudo coisas que eu adoro fazer. Como convencer um gordo a subir uma montanha em dois dias, com uma paragem num abrigo e dormida em camarata? Como dizer-lhe que os chocolates, nessa caminhada, não são uma guloseima mas uma forma de obter energia? Como explicar a um gordo que é preciso andar a pé, usar umas botas próprias e subir, subir, passar por montes e vales, descobrir a natureza, esquecer os passos que se dão para trás e não temer a chegada ao topo? Um gordo prefere ficar cá em baixo, a repousar, na rede, encostado à tenda - se aceitar dormir numa tenda - a beber uma cervejola ou uma coca-cola; dormir a sesta, com um bom livro na barriga. Eu já andei pelas Astúrias, pelos Pirinéus, pelos Alpes suiços... e não me lembro de ver um gordo a subir montanhas.

Mas eis que reparo nas bochechas do gordo. Eis que me delicio a apertá-las, a senti-las, a beijá-las... Eis que me adapto à vida do gordo e passo a fazer férias na cidade, trocando a montanha e a aventura. O gordo nem sequer sabe andar de bicicleta - muitos não sabem, ou não querem - e só a muito custo anda a pé. Dou-lhe boleia sempre que posso - porque não sabe conduzir - e, quando não está no meu carro, anda de taxi. Ainda assim, vai a todo o lado e, mesmo os lugares que não conhece, sabe-os de cor por causa dos tais livros que abre em cima da barriga.

Quando jantamos, come sempre o dele e uma parte do meu. Rouba-me as batatas fritas e gosta de um hamburguer regado a ketchup. Também põe maionese nas tais batatas e mostarda no prego no pão. O gordo raramente deixa comida no prato e evita verduras e saladas... nunca o vi comer uma sopa... só canja, que é refeição de doente, ou uma daquelas sopas da pedra, da Loja das Sopas, que enchem tanto como um cozido à portuguesa. Mas o gordo paga-me tantos jantares, tantos almoços, que só posso agradecer-lhe a boa vontade e o cartão de crédito. Não é forreta e gosta de partilhar, paga sempre as contas mais altas e deixa-me a mim as refeições ridículas, o fast-food ou os pequenos-almoços.

O gordo é muito pesado. Quando se encosta a mim tenho sempre de respirar fundo. Afasto depois os braços que estão no meu ombro, a perna sobre a minha, a barriga encostada ao meu corpo. Afasto tudo delicadamente mas acho piada. Gosto. O meu braço não chega para dar a volta e um abraço fica sempre a meio-gás. Mas o gordo é fofo, carinhoso, molinho, sabe bem apertar, como se fosse um boneco de peluche, uma almofada confortável.

Eu até gostava que o gordo fizesse dieta, mas não é por causa da imagem. Por uma questão de saúde. Para mim, o gordo é um homem lindo, mesmo quando me parce inusitado o número das calças ou quando tenho de ir à loja porque a camisa não serviu. O gordo tem uns olhos doces que saem sobre as bochechas para olhar para mim; tem umas mãos redondas que apertam as minhas como se fossem só dele; tem um ar rechonchudo, como um sempre em pé, que apetece agarrar. O gordo é o meu namorado, e não preciso de outro.

Quando se quer, gordura é formusura.

17 comentários:

João Torres disse...

Um texto que dá esperanças a qualquer gordo. E, há gordos com muitaaaa sorte!

Gosto muito dos seus textos!
Parabéns.

Anónimo disse...

Livra! A Sam é linda! Esse gordo tem realmente sorte...(e pelos vistos merece)

(textos destes não são para corações(românticos) fracos... ai não, não)

José Marau disse...

Texto lindo!! Das coisas mais lindas que li ultimamente!
Bjs*

LurdesMartins disse...

Samantha, eu li todos os teus textos aqui publicados. Já por várias vezes te disse que te adoro ler mas continuas a surpreender-me!!!É que este texto é qualquer coisa!!!! Este é aquele tipo de texto/declaração que daria direito a um abraço bem apertado do gordo!!! Daqueles que não te deixaria sequer mexer...
Beijinhos

Brisa disse...

Não era gordo o meu namorado, mas sim o meu sobrinho. Um dia, o rapaz decidiu emagrecer... E até hoje sinto falta daquele corpo cheio e fofo, quando o abraço. Eu adorava-o assim mesmo!

JustAnother disse...

Linkei este teu texto no meu canto... ja vos leio ha muito tempo, sem nunca comentar, mas devo dizer que este post acertou na mouche. Gostei muitissimo!

Unknown disse...

Peso 110 kg e sou bom rapaz!

Tenho o defeito de ter de parar, para esperar por sí, nessas aventuras de subir uma montanha em dois dias, com uma paragem num abrigo e dormida em camarata, ou de ter de remar devagarinho para lhe fazer companhia a descer um rio, ou de estar muito tempo à espera, depois do voo, no solo, enquanto a minha cara abre a asa do parapente, e ainda lhe troco um corrente ou um pneu,no Btt!

Bolas, lembro-me agora que não tenho bigode...

Quem sabe um dia...De qualquer modo, se for ao restaurante sozinha diga, pode levar-me e eu acabo com os restos, pode ser fast food que, assim, não me atura muito tempo e eu não tenho de pagar a conta, quando quiser comer num restaurante caro convide o Totta :)))


Passe lá na casa do Zé a dizer coisas acerca desta e de outras matérias!

http://absolutamenteninguem.blogspot.com/2007/08/as-damas-6.html

Gosto de a ler!

a dona da gata disse...

Fiquei corada, com tão boa aceitação... Obrigada. E é mesmo verdade, o gordo é das melhores pessoas que conheço, das mais inteligentes e cultas. E muito carinhoso. Sem complexos...

zé ninguém... obrigada pela partilha... e não se preocupe com a conta do restaurante. Sem o gordo, nunca vou a restaurantes caros!

Teresa disse...

Samantha,

Olhe que não é "Pirinéus", é "Pirenéus" - toda a gente escreve mal. Como não vejo nenhum endereço de mail, tenho mesmo de lhe dizer aqui. Apague depois este comentário, sim?

Um beijo.

Teresa disse...

Uma declaração de ternura encantadora.

Não acho que gordura seja formosura. Mas também acho que quando as pessoas nos entram cádentro, estmo-nos nas tintas para o aspecto. Também tive um namorado gordo - bem gordo! E altíssimo, enorme, uma montanha. Um dos homens mais ternos e românticos que conheci, com essa mesma genrosidade pronta, com um cavalheirismo de southern gentleman das plantações de antes da Guerra da Secessão. E somos amigos até hoje.

a dona da gata disse...

Teresa, obrigada pelo reparo e pela forma discreta como o fez... Mas pode ser escrito das duas maneiras. Confirmado na enciclopédia.

vera disse...

Lindo texto. Posso dizer a mesma coisa.

Caracola disse...

Este texto é uma declaração de amor do principio ao fim. Parabéns à sua escrita e ao "Gordo" por ter uma namorada que o ama como ele, provavelmente, merece.

Anónimo disse...

Cara Samantha,

O gordo é mesmo um rapaz de sorte...Se um dia, quando fui gorda (rechonchuda, cheinha e afins) alguém tivesse gostado de mim assim, tenho a certeza que seria uma mulher mais forte, segura e feliz.

Ainda assim,o melhor de tudo, é perceber que o gordo retribui todo esse carinho de forma bem rechonchuda. Também a Samantha é uma rapariga cheia de sorte...

Se a cidade tiver montanhas no horizonte e se as tendas se fizerem com sofá, LCD e play station incorporados há um futuro de montanhas doces, açucaradas e sorridentes à vossa frente...

Pipi

Anónimo disse...

o meu namorado pesa 115kg eu peso 56...faço desporto e tenho muito cuidado com a alimentaçao nunca imaginei gostar de alguem que nao consegue comprar roupa na loja como qualquer um de nos(magros)as vezes chateia me estarmos sempre a ser o alvo das atençoes...na praia entao...ja la vao 7 meses continuo a gostar muito dele por fora nem tanto..tenho dias que nada mesmo..ando sempre em luta comigo propria isso por vezes cansa me...precisava de desabafar isto sorry

Mr X disse...

Adorei ler este texto. Adorei. E nem sou muito gordo, apenas mais pesado do que o normal que se deseja para uma vida salutar.

Ros@ disse...
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