Saída de emergência
Olho para o relógio quando já passou a hora do almoço. Quando já fechou a mercearia, onde compramos água, fruta e coisas várias fora do prazo. Já fechou a mercearia. O Alcobaça nem chegou a abrir. E a preguiça de descer o Sacramento não me deixa levantar da cadeira. Olho para o relógio quando a hora do jantar é já uma miragem. Desço à garagem e pela primeira vez esta semana não oiço os números do euromilhões quando dou à chave. Têm sido assim todos os dias. Sempre o mesmo anúncio. A mesma gaja a repetir os números num altifalante de aeroporto. E todos os dias a sensação que aquilo é um sinal. Amanhã jogo. Entro no carro com a certeza que quando chegar os putos estarão a dormir. Que não terei um sorriso dos que fazem tudo valer a pena.
Acelero na Avenida enquanto faço ‘contas’ de cabeça. Penso que nada pode correr assim tão mal. Tem que haver uma explicação. Tem que haver uma fórmula para evitar tanta trapalhada. Isto não é vida. O caos não é vida. Pelo menos de forma permanente.
Penso que encontrei a Dia de passagem. Tentou contar-me, na janela de vizinha virtual, como ‘nada de extraordinário lhe acontece’. Na versão da Dia isto quer dizer que tem mil histórias para encaixar em posts. Gostava tanto que voltasse a escrever. Faz-me falta o ritual diário de lhe visitar o quintal antes de mais nada. Diz que tem a casa cheia de fantasmas. Sempre gostei dos fantasmas da Dia. E de repente percebo o quanto lhe sinto a falta. Das noites passadas à frente de uma garrafa de vinho e um maço de cigarros. Da esquizofrenia das conversas de adolescentes. Dos amores desencontrados. Até chegar o João. Tenho saudades da Dia, que mal vejo desde que casou. Culpa minha. Do trabalho que me consome os dias e a paciência.
E sem que dê por ela lá estão outra vez os cenários do caos. Como é possível não haver uma solução? Para já aproveito a luz de saída de emergência. E um casamento torna-se de repente no melhor programa de que me consigo lembrar[*]. Contento-te com um interregno de 48 horas. Domingo estou de volta. Mas amanhã vou para a praia. Ainda que só por umas horas. Ainda que arrisque um cancro de pele. E à noite bebo até cair.
[*]A minha imaginação é maior que isto. O meu nível de exigência também. Mas foi a única forma de me escapar num dia de semana.
3 comentários:
Merecer deixar o caos de vez em quando e ver o sol. E um livro. :)
a gente não se tem visto, mas 'sofro' de um mal parecido. tens razão, o melhor mesmo é praia e depois beber até cair. a vida é um caos ou então não percebemos nada do que andamos a fazer à vida - o que dá no mesmo. mas tem cuidado com o sol:-)bom fds
Abbie, o livro é tipo 'segunda pele'.
LR, acho que não percebemos nada do que andamos a fazer à vida. Eu pelo menos já não percebo. Ou não sei o que a vida me anda a fazer a mim.
Obrigada, amiga :)
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