sábado, agosto 11, 2007

Regresso ao Divã VII

Tinha faltado à sessão anterior por achar que já não precisava daquilo. Enganara-se: os dias tinham voltado a enevoar-se com as histórias do antigamente, de um tempo em que ela não sabia distinguir felicidade, de infelicidade. Sentou-se no divã de perna trocada e aguardou que ele fechasse a porta. 'Desculpe a ausência da semana passada. E nem avisei. Pensava que estava melhor...' Ele murmurou qualquer coisa como se nunca a culpasse de nada e sentou-se no sofá atrás dela.

Deitou-se e manteve as pernas cruzadas no divã. 'Pensei que estava melhor', repetiu. 'Mas não, voltou tudo ao mesmo; as recordações, o passado, os dias infelizes...' Não sabia mais como explicar aquela sensação de perda, de desgosto, uma tristeza profunda que lhe vinha desde há meses e que insistia em ficar. Pensou no último mês e na forma como tinha recuperado, como quase tinha esquecido as mazelas, como quase tinha contornado a dor. Pensou nas manhãs desafogadas, nos olhos que abriam melhor, nos passeios ao fim do dia, nos sorrisos que já partilhava. Trocou as pernas no divã.

Sabia que tinha regredido naquele mal que muitos juravam ser uma doença: depressão. Que raio de doença era aquela que aparecia sazonalmente nos artigos das revistas do cabeleireiro? Ela sempre soubera dominar os humores, sempre fora bem-disposta, sempre se sentira capaz de superar os problemas. Mas agora, não. Estava agora presa à depressão, um sofrimento atroz que a deixava de rastos, que a impedia de falar, que a deixava horas na cama, que a fazia sofrer. E saborear a dor.

Ele trauteava qualquer coisa na perna direita, talvez uma música que ouvira na rádio quando vinha para o consultório, talvez um compasso inventado naquele momento. Ela suspirou e tomou novo fôlego para continuar a falar. Desabafou. Ali era o único sítio onde podia voltar a falar sobre tudo, onde não lhe cobravam nada, onde ninguém se admirava que ela falasse sempre do mesmo assunto. Lá fora, entre amigos e família, já todos estavam cansados, poucos compreendiam o desgaste e o prolongamento do problema. Já era tempo de ela esquecer aquilo tudo, caramba! Mas ela sabia que não era suficiente o tempo que passa. E ele percebia porquê... então, ela desabafava.

Na semana seguinte também não faltou.

2 comentários:

Anónimo disse...

Perfeito, Samantha.
Leio-me a mim propria aqui e espanto-me. Pensava que era só eu, que estas palavras eram minhas, as que eu nunca escrevi. Sim, sei bem como é.
Um bjn gd.

i disse...

É isso mesmo... nem tenho mais comentários... Está perfeito! Parabéns a todas pelo blog! (que já tomei a liberdade de acrescentar nos meus links - espero que não se importem)