Chefe mas pouco
Não se pense que chefiar uma equipa é coisa fácil. Muito menos se pense que coordenar essa equipa é uma ambição. Muitas vezes o poder surge sem querer, e mantém-se sem saber.
Há uma classe de chefes que é a mais penalizada. São os chefes-psicólogos.
O chefe-psicólogo está sempre disponível para os subordinados. Mesmo que esteja aterrado em trabalho, mesmo que esteja numa luta contra o tempo, este chefe consegue sempre uns minutos para ouvir as dores de quem com ele trabalha. É paciente e bom. Por isso ouvinte atento. É uma pessoa que pára de teclar e olha nos olhos do interlocutor quando ele surge com novos receios, novas queixas ou ressentimentos. E tem sempre o telefone ligado.
Normalmente este tipo de chefe sabe de cor a vida dos subordinados. Os assuntos que lhe são testemunhados são pessoais e relacionam-se com o amor, com dinheiro, com a falta de sorte na vida. O chefe-psicólogo sabe que A está prestes a divorciar-se e que B veio mais tarde porque teve uma discussão com o namorado, na noite anterior. Sabe ainda que C tem filhos e que o mais novo chorou a noite inteira, que fez birra de manhã e que detesta ficar na escola sem a mãe.
Este chefe nunca almoça sozinho porque tem vários pretendentes à sua companhia. Às vezes entram, em rotatividade, os subordinados, que precisam de uma palavrinha com o chefe. Todos os dias. A sua formação permite-lhe pagar um ou outro café - até mesmo um chá, de vez em quando - para que o queixoso esteja mais à vontade na conversa. Quem se queixa raramente tem moedas e, por isso, é o chefe quem oferece.
Toda a gente gosta de um chefe-psicólogo, excepto os subordinados independentes que não precisam de ajuda para os seus assuntos pessoais. Esses precisam de falar com o chefe sobre trabalho mas ele está, quase sempre, ocupado com a vida dos colegas. Este chefe empresta dinheiro, quando é necessário, porque sabe que a prestação de D foi mais elevada este mês. Também sabe quem ainda não recebeu o IRS e adivinha, pelas palavras envergonhadas de E, que o marido desta ainda não depositou o dinheiro do mês, na conta dos filhos.
O chefe-psicólogo é complacente. Não pode chegar atrasado porque quase todos os seus subordinados o fazem. Ele sabe que um estará doente, outro terá apanhado trânsito e um terceiro furou o pneu. Sabe ainda que os outros, os que não inventaram desculpas, chegam atrasados por culpa de terceiros, por culpa da vida, não por sua responsabilidade. Também não folga e raramente tira férias este chefe, pois tem de conciliar a sua vida com a de todos os que com ele trabalham. E a dos outros terá sempre prioridade.
Para o chefe-psicólogo há sempre os coitadinhos. Eles fazem-se passar por tal e chamam o chefe de amigo. O chefe não faz ideia porque, uma vez que nem conhece a família nem nunca foi lá a casa mas é amigo, no local de trabalho. Esta amizade obriga-o a dar presentes ao subordinado e aos filhos do subordinado quando fazem anos, e no Natal. Esta amizade obriga-o a perguntar, todos os dias, se está tudo bem. E a voltar a ouvir relatos porque nada está como deveria estar...
Não há recompensa para o chefe-psicólogo. Nem ganha mais por sê-lo, nem tem consultas pagas. Oferece tudo: o tempo, os conselhos, as dicas, os almoços. É um chefe experiente que acaba por trabalhar mais horas para compensar o tempo que perdeu a ouvir os outros.
O chefe-psicólogo também gosta de ser ouvido. Mas nem as suas ordens são integralmente cumpridas.
4 comentários:
Eles não tem tempo para as cumprir. Estão demasiado ocupados a queixar-se!
Está lindo, amiga.
No meio é que está a virtude. Nem um chefe/patrão, autoritário que se está nas tintas para todos os que com ele trabalham, nem o o chefe psicólogo que tem pelos vistos dificuldade em fazer-se respeitar como tal...
De facto, não é fácil liderar equipas e pessoas. É preciso atingir um equilíbrio que nao está ao alcance de todos!!
Vai se dar mal este chefe. No fim todos o esquecem. Já vi este filme.
Eu chamar-lhe-ia o chefe-consierge.
Sabe de tudo e todos e tende a ignorar os que não misturam trabalho com cognac. São distantes e não se preocupam com os outros, pensa ele!
Não é, definitivamente, o meu estilo. Não nos íamos dar muito bem!
Irrita-me até um bocadinho que me perguntem sobre a vida! Sinto-me na obrigação de perguntar sobre a deles...
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