Sono profundo
Invades-me a noite todos os dias. Vejo-te como se fosse hoje apesar de há muito não saber como és. Já nem recordo o teu rosto nas fotografias porque as guardei, bem fechadas, fora da minha vista. Ainda assim, lá estão o teu sorriso, a tua voz, o teu cabelo russo, os teus olhos de um verde lindo. Entram pelo meu sono e albergam-se nos meus sonhos. Fazem deles pesadelos e eu só acordo de manhã. Contigo na minha cabeça.
Esta noite voltaste, como tens feito tantas vezes nos últimos tempos. Como fizeste tantas vezes que já se tornou um hábito. Tinhas uma casa que era também minha, uma mulher que não conhecia, um filho que parecia ser teu. E tinhas-me a mim, como escolha principal, para lá da mulher e da criança que já faziam parte da tua vida. Eu entrava na tua casa - que já fora minha - e explorava os teus móveis, a tua decoração, o teu espaço, tudo o que fizeste de novo e que eu há muito não vejo. Nem voltarei a ver.
Porém, no meu sono profundo, tudo fazes para aparecer, para me levar, para me conduzir até ti. Pedes-me desculpa por tudo e tentas corrigir, com um beijo, todos os males que já fizeste. Eu, tola, perdoo tudo e lá entro na tua casa, cumprimento a tua mulher e passo a mão na cabeça do teu filho. Durmo depois na tua cama, escondida, para que só tu saibas que quem lá está sou eu.
Entras na minha cama comigo, todas as noites. Antes de adormecer afasto-te do meu pensamento e recordo outras coisas, outras pessoas, outras realidades que me são mais favoráveis. Mas é quando fecho os olhos que apareces em força: atacas-me o subconsciente como se o conhecesses bem demais. E conheces... ainda conheces. Aperto a mão do homem que agora fica comigo e é com ele que quero passar a noite. Não o deixas ficar sozinho e vens. Entras de rompante como é teu apanágio e sentas-te à cebeceira talvez a rir. Vês que é outro que abraço, mas sabes que, apesar de tudo, é a ti que quero abraçar.
Acordo com a cabeça pesada, mais uma enxaqueca e os olhos que se fecham perante a manhã. Talvez tenhas dsaído a meio da noite para deixar entrar outros sonhos, mas é o teu que me dá os bons-dias. Esfrego os olhos cansada e vem-me à memória toda a noite que passámos juntos. Quero negá-la, afastá-la de mim, mas ela teima em deitar-se ao meu lado.
Vens nos meus sonhos para abalar o mais profundo dos meus sonhos. Preferia que fizesses como tantas vezes em que me deixaste acordada, à tua espera... preferia que não viesses. Porque já não preciso de ti.
6 comentários:
É duro...
Gostei muito do texto... Parabéns.
Samantha: Primeiro quero dizer-te que adoro os teus textos! Descobri este blog recentemente mas a partir dessa descoberta, venho lê-lo assiduamente, quase sempre à procura dos teus textos. Mas este hoje está sublime! Inigmático como eu gosto, metafórico, irreal e ao mesmo tempo tão real e actual. Parabéns!
claramente preferias que não viesse...mas ainda mais nítido é o facto de continuares a precisar dele...e assim se prolongará até ao fim...
António Cerveira
Caro António Cerveira,
que não seja até ao fim. É demasiado tempo...
kitty e jvtorres, obrigada, espero poder escrever coisas mais animadas.
O que eu me revi neste texto! Não tenho é uma mão para apertar...
Como gosto de te ler!!!
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