... é a alegria de outros.Apanho amanhã, às 10h da manhã, um avião com destino a Las Vegas (escala em NY). Visito a cidade domingo e segunda e regresso a Lisboa na terça. Por quanto? Zero. Repito: zero euros. Pagam-me viagem e estadia para ser dama de companhia.
O P. tem pânico de voar, odeia aviões, não consegue pôr um pé no ar, e tem mesmo de ir a Las Vegas. Mas tem medo de recuar, voltar atrás, fazer o check-in e depois ouvir repetidas vezes chamarem por ele nos altifalantes do aeroporto, e ele, agarrado a um café cheio, chávena escaldada, num daqueles bares caríssimos das partidas, sem saber qual é a porta de embarque, sem pensar que vai passar por ela. Teme mandar a bagagem e ficar em terra. E depois atrasa o avião, e os passageiros ficam furiosos e é uma chatice para todos, e para a companhia e assim. Então, eu vou. Vou para lhe dizer é por aqui, para o puxar pela mão e levá-lo à porta sete ou nove, ou 33, para o acompanhar no café com um galão clarinho e depois ele paga e eu falo baixinho porque ele tomou muitos comprimidos e levo o guia top 10 da American Express para podermos seleccionar o que vale a pena. E digo-lhe que ficar lá 15 dias vai ser óptimo, e pode ir ao Grand Canyon, que maravilha, eu adorava, mas não terei tempo, quando muito umas capelas de casamentos e uns casinos, hotéis fantásticos e talvez o Guggenheim. E depois sentamo-nos e ele respira fundo e continuo a distraí-lo, e falo das hospedeiras, coitadas, que emprego da tanga, mas viajam, olha se tu fosses comissário, mas não, estás agora a mudar de emprego e tens de ir a Las Vegas, que sorte, mas se fores ao Japão e tiveres medo leva-me contigo, não me importo nada. Então ele adormece, e eu também, porque durmo bem em aviões e a viagem é longa, e se acordar levo um bom livro para me entreter, e faço uns rascunhos num bloco de notas, e passo pelas brasas outra vez, sempre a controlá-lo, a ver se está tudo bem, calmo, sem palpitações, e depois uns abanões, são poços de ar, não te preocupes, acontece muitas vezes e já estão todos habituados, aperta o cinto, e dorme, continua a dormir sob o efeito dessas drogas que tomaste ontem à noite. E se acordar e quiser conversar já tenho vários assuntos em mente, a minha mudança relativamente à função, e o formato de um novo programa, e que bom, estás quase a ser pai pela terceira vez, logo agora que mudaste de emprego e vai ser tudo novo, os teus filhos são lindos e tens tanta sorte, não te preocupes com o que aconteceu, nem com esta viagem. Chegámos. Sim, já aterrámos, não custou nada pois não, queres esperar para sair ou vamos antes de todos, esperamos, é melhor, sem atropelos, vamos buscar a bagagem, olha já aterrámos e nem se notou, pelo menos aqui não batem palmas como em Portugal e nos países africanos, é mesmo uma coisa que me irrita, queres ir beber um café, chamamos um taxi, boa, chegámos.