Sentimentos gelatina
Já não sabia se gostava dele. Ele tinha sido o melhor na vida dela. Mas tinha sido também o pior. Habituara-se a essas mágoas e quando chorava já lhe parecia tudo normal. Normal se ele lhe faltava ao respeito, normal se não aparecia, normal se não atendia o telefone, normal se chegava tarde, normal... era normal todo e qualquer confronto, todas as lágrimas de dia e de noite, todas as dores mal abria os olhos. Era normal...
Mas ele tinha mudado. Não de forma de estar, mas de local para estar. E não a tinha levado. Estavam afastados e afastadas estavam também as esperanças de voltarem a estar juntos, de voltarem a sorrir juntos, de voltarem a fazer planos em conjunto. Isso também já se tinha tornado normal, e o afastamento só veio acicatar a dor e recordar que ainda podia ter sido pior. Poderia?
Ela bateu no fundo. E chorou. Mais e mais, e mais. Até rebentar numa fúria e gritar que já não o queria ver. Que já não amava. Nunca mais.
Já não sabia se gostava dele ou da imagem que então criara à volta dele. O sorriso, a doçura, a piada, as palhaçadas e a genialidade. Imagens de um homem que não via, não sentia e não ouvia. Passados anos lembrava-o assim. Como nunca tinho sido.
Às vezes abria os olhos e via o que tinha realmente acontecido, sentia o sal tocar-lhe nos lábios e mal podia controlar a memória. Não era dele que gostava.
Mas também não era dela. E isso deixava-a vulnerável para gostar outra vez. Da única pessoa que sempre soube amar.
1 comentário:
A minha mãe, explicava-me, pelos meus vinte anos, depois de uma desilusão amorosa, que, por vezes, julgamos que estamos apaixonados por alguém e não é verdade, estamos apaixonados pelo amor, pelo amor tal como o imaginamos, pelo amor que sentimos, pelo amor que queremos sentir. E, acrescentava que pensando assim, seria mais fácil gostar outra vez, amar outra vez... encontrar outro corpo e outro rosto para o nosso amor.
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