sábado, novembro 25, 2006

Solidão IV

Acordou a suspirar. Tinha tido um jantar fantástico mas não sabia até que ponto queria repeti-lo. Aquele Rui tinha um sentido de humor fabuloso, fizera-a rir toda a noite, mesmo antes dos quatro gins tónicos que bebeu. A partir daí as coisas tinham começado a ficar menos nítidas e mais engraçadas. Ria-se por tudo e por nada mas lembrava-se dos pormenores. Recusou o quinto gin e pediu um café. Sabia que era a maneira de voltar à normalidade e, pelo menos neste primeiro encontro, queria acordar sozinha, na cama dela, sem complexos de culpa mesmo que com uma ressaca dolorosa.

Ouviu a chuva começar a cair forte, lá fora. Eram bátegas grossas que lavavam os vidros e enxugavam os olhos que se focavam num ponto, no exterior, e que a intrigava havia meses. Era num apartamento em frente, numa divisão da casa que ainda não tinha percebido qual. Ligou o rádio para ouvir as notícias do meio-dia e virou-se para o outro lado. Viu a almofada suja de maquilhagem. Bolas! Tinha-se esquecido de limpar o rosto como fazia todas as noite. Cheirou o tabaco no cabelo e sentiu-se mal-disposta. As notícias falavam das cheias por todo o país e anunciavam os alertas laranjas, amarelos e vermelhos, como um código que ela compreendia melhor, naquela manhã que era já início de tarde.

Felizmente era sábado e estava de folga. Não tinha de apressar-se para nada. Ficou ali mais uns minutos a recordar a noite anterior e as palavras e a silhueta de um homem conhecido via internet. Era como o imaginava. Não demasiado magro, sem ser gordo, cabelo castanho e pele morena, cara lavada e bem barbeada como ela gostava e um sinal. Ele tinha um sinal. Discreto, no queixo que fazia covinha. Não era um homem bonito, daqueles que deslumbram, mas não era feio. Tinha uns olhos castanhos que lhe captavam a atenção e umas mãos bonitas, bem tratadas. Tocara-lhes várias vezes sem segundas intenções, mas arrepiada sempre que sentia a pele masculina.

Levantou-se com o pijama enrolado ao corpo e meteu-se primeiro na cozinha. Prfecisava de um copo de leite para desintoxicar. Com que imagem teria ele ficado dela? Boa, talvez. Ainda tentou uma aproximação quando se desopediram, mas ela desviara a cara e rira-se da tentativa. 'Não vamos estragar tudo' - disse-lhe - e saiu do carro. Um Peugeot de um modelo que desconhecia porque não era dada a estas coisas. Ficou feliz por saber que aquele homem de 41 anos, divorciado, não tinha ainda um cabriolet. Era sinal de sanidade e de saber estar no tempo. Não tinha filhos e isso também a alegrara, no seu conservadorismo.

Interrompeu os pensamentos quando o telefone tocou: Rui, dizia o visor. Sorriu antes de atender.

1 comentário:

MBA disse...

Então e depois?!?! Fiquei curioso...