quarta-feira, setembro 12, 2007

Dias para Recordar 1

Não usei véu na cabeça porque o meu cabelo era curto e nunca gostei muito do glamour daquele tecido à transparência. Tranparentes queriam-se os sentimentos. E só neles confiei naquele início de tarde de Sábado, 20 de Outubro de 2001. Em casa houve visitas e fotografias. As da praxe, com a família, mas sem espelhos e imagens reflectidas, telefones onde se finge falar, beijos trocados para a imagem. Não quis nada disso. Pedi naturalidade. E tive-a, em máquinas digitais, a cores e a preto-e-branco. Desci do terceiro andar com o vestido na mão, evitando os pisões tão típicos aos vestidos de noiva. O meu assentava-me bem e fazia de mim uma bonita menina, nos meus 28 anos que talvez parecessem 25; um pouco de salto para não crescer demasiado, mantendo a necessária elegância para a ocasião. E uma cor ténue no rosto.

Entrei no Peugeot descapotável do meu irmão. Ia ser conduzida por ele naqueles 500 metros até à Igreja, percurso que tantas vezes fiz a pé. Recebeu um telefonema: temos de esperar, os sogros ainda não chegaram. Pausa. Carro estacionado com noiva lá denro à espera dos pais do noivo. Hilariante. Podem seguir. E lá fomos, átrio adentro, saída em classe, ramo na mão direita e tulipas vermelhas, pose, sorriso, o meu Pai. Dei-lhe o braço e apertei-o. Era o momento.

Cantava-se o Ave Maria de Gunout. O órgão marca os passos na passadeira vermelha que tantas vezes pisei sem tal solenidade. Todos olham para mim. Sorrio. Sorriem-me. Uma espécie de montra adorada onde todos querem pôr defeitos mas, naquele momento exacto, só conseguem ver virtudes. As noivas são sempre tão lindas, não é?

A cerimónia começa. A música que os meus amigos cantam enche-me a alma. O espírito daquelas 300 pessoas faz-se sentir no silêncio que preferem preservar enquanto avançamos mais um passo. As alianças de ouro branco surgem na mão das crianças. Trocamo-las de voz trémula, um ou outro sorriso, um riso mais alargado. E as promessas de Amor. As que queremos para sempre.

O Padre esquece-se do abraço da Paz mas ele beija-me na testa como que a confirmar o acto. Estamos casados. Naquele momento ninguém imagina que é por pouco tempo. Estamos casados. Sorrimos e damos as mãos. Cantamos. Crianças fazem uma festa, fitas coloridas sobem ao alto, em arco; meninos trazem quadros pintados à mão que recebemos em tom de oferta. São os meus doces sobrinhos. O grupo continua a tocar, músicas que compus e escrevi, outras que outros fizeram, passagens de filmes que vimos. Alegrias feitas acordes. E no fim já todos dançam e batem palmas. Não é um casamento cigano, apenas alegria partilhada por dezenas de pessoas que gostam dos actores principais. O casal!

Estás muito bonita, disse-me mal cheguei junto dele quando o meu pai me passou a mão. Obrigada, consegui dizer. E, nesse dia, nunca chorei.

9 comentários:

lenca disse...

Acho que acreditamos sempre que vamos conseguir eternizar aquele amor...Infelizmente nem sempre é possível.

Anónimo disse...

Passei pelo mesmo e sei como é deprimente lembrar o dia do casamento que falhou, mas eu encontrei a solução ... casei de novo e agora sou feliz.
Pense nisso.
Social mas Light

Chatterbox disse...

Conhecemo-nos há muitos anos, embora mal.
Vou assim arriscar aqui uma impertinência que variadíssimas vezes já iniciei e nunca concluí:
Não te faz mal escrever estes posts? É que a mim, desculpa partilhá-lo, faz-me mal imaginar-te a escrevê-los. Conta-nos mais coisas da Quinta do Lago, isso sim! Pormenores escabrosos... vá lá!

a dona da gata disse...

chatter, obrigada. Já não me faz mal expor isto, não. Encontrei o equilíbrio e a tranquilidade necessários para ver este e outros assuntos como 'dias para reecordar', apenas. Outros, para esquecer. Mas fazem parte da vida. E também me fizeram crescer e ser o que hoje sou. Balelas? Não... é mesmo o que sinto.

Pois também eu já penso que poderei vir a casar. De novo! Quem diria?! O tempo o dirá...

Fim de Partida disse...

Viver, sentir, às vezes até chorar, para arrumar, bem arrumadinho deixa de doer...

Pitucha disse...

Recordei o meu dia e tentei esquecer. Também acho que não conseguiria escrevê-lo!
Beijos

Miguel disse...

Tou a sair do primeiro..doi assim tanto a encontrar o próximo?

Catarina disse...

Não se tem de chorar... Tem de se sorrir...

Anónimo disse...

Falhar?Porquê esse estigma?É mais uma mudança como tantas outras que ocorrem na esrada da vida.