sábado, setembro 08, 2007

A Fábula - 3

Naquela noite ficaram sozinhos na mesa da esplanada. Ele brincava com o copo com três pedras de gelo a refrescar o whisky. Ela bebia um gin tónico, sabor a cenoura. Conversavam. Não estavam à vontade para falar de tudo, mas já se sentiam próximos o suficiente para partilhar ideias. Todos os amigos tinham partido. O Panda coçou a cabeça e cofiou o pêlo do bigode. Falavam sobre literatura e ela deixava-se levar pelas suas palavras sábias. Às vezes interrompia-o, para uma ou outra pergunta. Ele olhava-a nos olhos e oferecia-lhe as respostas como quem dá um ramo de flores. A coelhinha tinha as orelhas bem ao alto, feliz por aquela conversa, pela oportunidade de ouvir o panda falar do que tão bem sabia. No interior da discoteca tocava Madonna e dançava-se ao som de Hung Up.

Perdeu-se nas explicações literárias e imaginou-o num beijo quente, pêlo com pêlo, nariz contra nariz, patas esquecidas no corpulento panda gigante. Ele recitava Pessoa e mostrava-lhe cada estrofe de Tabacaria. Não imaginava o que lhe corria no pensamento. O barman chegou junto deles quando viu o copo de whisky vazio. Sim, mais um, com as três pedras de gelo. A interrupção fê-la acordar e voltou à literatura. Ele estava agora calado, olhar no Rio que brilhava em frente com a lua cheia a dar-lhe cor branca. Tocou-lhe na pata. Então? E Pessoa? O toque assustou-o e fê-lo sorrir. Veio o whisky. A discoteca estava agora cheia mas o espaço que ocupavam, na esplanada, parecia vazio. Não importava os empurrões, as cadeiras que batiam umas nas outras, as vozes sonantes que faziam o burburinho do bar. Importava que estavam ali, só os dois, finda uma noite que se fez animada pelo resto da floresta. Voltaram a conversar, mas falavam agora de cinema. Pararam no Paraíso, com Giuseppe Tornatore e as lágrimas cairam do focinho da coelha. Emocianava-se sempre, com esse filme. Ele continuou a falar de Totó até reparar no pêlo molhado, nas orelhas caídas, no bigode sem vida. Eu também choro com esse filme, disse-lhe. E confortou-a com a grande pata, passando-a sobre a cabeça. O gin acabou e ele limpou-lhe os olhos. Quando a discoteca fechou saíram juntos. Era quase manhã.

2 comentários:

H disse...

Não conheci o blogue! MUito interessante!

a dona da gata disse...

Bem-vindo(a) h Volte sempre!