domingo, setembro 23, 2007

O princípio

Há um ligeiro tremor de mãos. Os olhos que não param quietos. As mãos que pensam mil vezes nos cigarros guardados na carteira. E de repente o trânsito pára. Vai lento pela lateral da avenida. Os números mudam rápido no relógio do carro. Está adiantado, mas nem isso me salvará de chegar atrasada. Desisto nos Restauradores. Agradeço os sapatos rasos e corro até à rua da madalena. Perco o fôlego na primeira subida. No Caldas tenho a certeza que vou desmaiar. O coração que pula na garganta. Boca seca. Dor de burro. Abrando o passo como quem abranda a vontade. Se chegasse realmente tarde nem valia a pena ir. São pensamentos fugazes. Há muito que não estava tão decidida a nada. A corrida seca-me as lágrimas que não param há dias. É do Outono? Talvez seja. O medo do fim.

Já estive aqui. Na noite de santos. Bebia-se cerveja e ginginha a rodos. Eu era aquela que, às 3h da manhã, continuava sóbria. A primeira a desistir. Saudades de casa. Do sofá. Da cama que se rebela quando lhe devo horas de sono [a expressão é tua. Eu sei. Está num dos primeiros mails]. Saudades de tudo menos daquilo. Daquela hora. Daquele sítio. Daquelas pessoas. Só estou bem onde não estou. Escreve bem o poeta. Talvez seja hora de lhe mostrar que nem sempre tem razão.

É um prédio branco. Mal tratado. Maquilhagem supérflua que não resguarda os efeitos dos anos. As escadas lembram as da Martinha. São apenas um pouco mais largas. Paredes descarnadas. Tinta a cair em postas. Nada ali é convidativo. Acolhedor. Ele espera-me a porta. Cabelo tão branco como a camisola de lã. Está quente ali dentro. A idade talvez lhe tenha arrefecido a carne. Convida-me a entrar. Há desarrumação por todo o lado. Os olhos fixam-se num painel de madeira. Olho sem ver. Quero começar. Acabar o mais depressa possível. A conversa vai ser longa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Também eu - estou sempre tão melhor onde não estou.