Emocionam-me, os velhinhos. Não esquecerei uma reportagem sobre um lar em chamas, velhotes a serem retirados pela janela, alguns de fraldas, eu na redacção, lágrimas pela cara abaixo... Acho que foi da convivência, desde sempre, com os meus avós paternos. Ambos viveram comigo desde que nasci: no caso da minha avó, até casar e sair de casa, com 28 anos. No caso do meu avô, um pouco menos porque não resistiu a um cancro na próstata. Quando toda a gente se emociona com histórias de criancinhas eu viro-me para os velhinhos; quando toda a gente gostaria de ser útil num infantário ou numa casa de adopção, eu penso num lar ou num centro de dia. Quem sabe, no futuro, irei lá parar com o meu tempo livre, para poder dar uma mão, ouvir coisas antigas, sorrir com quem já nada tem para rir...
Oiço muitas histórias de velhinhos. São difíceis, muitos deles. A partir de uma certa idade - é verdade - regressam à infância e exigem cuidados, atenção e mimos que só um menino de 3 anos também exige. Às vezes mais. Contam-me histórias de mau feitio: idosos que reclamam com os filhos, que se dizem maltratados quando têm o melhor dos mundos, velhinhos que dizem "leva-me para um lar", avós que mentem, inventam doenças e males de alma para terem a eterna companhia dos filhos. Tornam-se pessoas egoístas, às vezes más. Sei de uma que há muito não sabe o que é viver do dinheiro que ela própria ganha. Nunca sobreviveu apenas da reforma, paga os medicamentos e nada mais: vive em casa da filha - sempre viveu - não compra alimentos, nem roupa, não paga luz, água ou telefone... Ainda assim, já na casa dos 90, reclama. Todos os dias reclama com a filha. Que não gostam dela, que estaria melhor num lar, que não a tratam bem... A filha sofre, chora, desabafa comigo e procura explicações para uma mulher que ama e de quem ouve, demasiadas vezes, "por ti o melhor era eu morrer, ficavas mais descansada...". Duro e injusto. Contam-me sobre outra. Na casa dos 80, vive com a irmã. Também ela já esqueceu muito do que devia lembrar-se. Também ela faz escolhas e, no caso, escolhe uma filha em detrimento dos outros. Também ela, injustamente. E um terceiro caso, de mais uma idosa, a viver sozinha, que procura todos os dias a visita do filho. Recusa-se a ir ter com ele, a passar os dias com ele, a estar na casa dele com a mulher que ele há anos escolheu como esposa. Porém, quere-o todos os dias debaixo das suas sais e, para isso, cria problemas, inventa mazelas, sofre sem pecisar de fazê-lo. Curiosamente todas mulheres: eis os casos de três mulheres, entre os 85 e os 95 anos. Acho que os velhotes são mais simples e mais cordiais, agradecem mais o bem que lhes fazem mas, infelizmente para eles, duram menos anos.
O que fará destas doces avós pessoas tão cruéis? Porque lhes dá a idade este direito de prejudicar, de magoar? São todas católicas. Praticam o bem na Igreja e temem a Deus. Porém, em casa, deixam que um certo "mafarrico" tome conta delas e fazem chorar quem mais as ama. Filhos e filhas suspiram e perguntam-se sobre o que mais podem fazer. Pouco ou nada, direi. Se às crianças podemos dar uma palmada e educá-las, aos velhinhos nada mais podemos fazer senão suportar, compreender, ter paciência. Custa, imagino. Mas só temos de rezar por não vir, um dia, a ser assim. E já, agora, que os nossos filhos sejam como nós... Ou como estes filhos de que aqui falo.