terça-feira, setembro 13, 2005

Avó

A minha tem 90 anos. E meio.
Não ouve bem, mas está sempre atenta ao que eu lhe digo...
Não vê em condições, mas consigo sempre ser visível, aos olhos dela...
Anda devagar, mas conseguimos sempre chegar uma, perto da outra...
Fala pelos cotovelos. Assim tenha interlocutor.
É por isso que nem sempre me sinto uma boa neta.
A minha avó fala pelos cotovelos e eu nem sempre tenho tempo para ouvi-la...

Não é novidade que a solidão é a principal doença dos velhotes. Também é verdade que, mesmo acompanhados, tendem a isolar-se. Cabisbaixos, pensativos, meditam sobre o passado e pensam que amanhã poderão já não fazê-lo... A minha avó pensa muito na morte. Mas gosta de viver. Eu esforço-me para que continue a gostar. Eu continuo a gostar dela. E muito! Cada vez mais...

Se a minha avó percebe que pode ser-me útil - ou a alguém - fica com mais vontade de cá estar. Sente-se motivada. Pergunta-me, às vezes: 'Eu já não faço cá nada, pois não?'Digo-lhe que sim. Que faz muita falta. A todos nós. A mim, em particular. E não minto. Ela faz-me mesmo falta. Ri-se comigo tantas vezes... Gosta de me fazer cócegas - que nunca tive - e pergunta sempre 'Não tens cócegas?'... Gosta de se queixar porque não lhe telefono. E quando lhe explico que sim, que telefono todos os dias, mas que não falo com ela, porque ela não me ouve, mas que sei, todos os dias, todos, que ela está bem, ou como está mal... Baixa os olhos, deixa cair as mãos enrugadas sobre os meus ombros e responde... 'Pois é...'

Pois é.. as avós são a nossa memória, a nossa história, a nossa ternura. A minha é-o para mais três netos. Mas ambas sabemos que somos, uma para a outra, demasiado especiais...

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