Território ocupado
Quando é que começaste a invadir-me? Acho que desde o primeiro dia, naquele café claustrofóbico em que a exiguidade do espaço rivalizava com o peso da história. Frente a frente numa mesa que nos mantinha muito próximos. Demasiado próximos. Eu sem coragem de te olhar nos olhos, esses olhos de um castanho doce como avelãs onde, sabia já, acabaria por me perder. Eu, de mãos entrelaçadas sobre o tampo de mármore frio, a direita sobre a esquerda, fazendo rodar no dedo o anel, com medo que me olhasses nos olhos. Acho que já nessa altura sabia que eles acabariam por me trair. Lembras-te como mais tarde me disseste que não consigo esconder o que sinto? Falei de rajada entre o fumo azulado dos cigarros, convencida que te diria o suficiente para te levar para longe. Ficaste. Falaste de ti, de mim. Só faltou o ‘nós’. Um ‘nós’ que ninguém acreditava viesse a existir. Não podia acontecer. Era fruto proibido. Procuraste as minhas mãos, e como eu as afastasse, passaste os dedos pelo meu braço nu e agora, agora, era eu quem queria fugir, levantar-me sem olhar para trás. Mas era tarde para sair de cena, como era tarde para prolongarmos aquela conversa que de última se transformou na primeira de muitas. Era tarde e a vida esperava-nos lá fora. Sei hoje que foi a nossa despedida mais difícil. Queria prolongar aquele momento indefinidamente. Mandar às urtigas a vida, a minha, a tua, a dos outros. Os meus lábios a roçagar a tua cara num beijo tímido de ‘até já’. Foi a primeira vez que senti o teu cheiro, um cheiro que durante muito tempo trouxe colado à pele. Que me fez virar a cara na rua mesmo sabendo que não eras tu, que não era o teu cheiro, porque esse estava na mesma cabeça, nos meus sentidos. Um cheiro que me fez querer enterrar a cara na curva do teu pescoço, envolver-te num abraço e ficar. Simplesmente ficar. Soube então que parte de mim já não me pertencia. Era território ocupado.
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