sábado, maio 13, 2006

Frida 'de morte'


Uma mulher que nasce com o nome de Frida terá sempre uma vida infeliz, repleta de amarguras e dores. A de Frida Kahlo foi assim. Imortalizada pela própria e por um admirador das suas torturas na tela - com quem chegou a casar - morta à nascença porque nada chegou a brotar de um corpo sempre em gritos, sempre em sufoco, sempre quebrado, sempre anormal, sempre diferente.

Fui ver a exposição de Frida Kalho que está prestes a chegar ao fim, no CCB. Mais uma vez com a Carrie. Depois de tudo o que vimos, pensámos: 'Depressão? qual depressão????'. É que depressão e profunda teria Frida Kalho, não nós e os nossos amigos que por tudo se angustiam e vão abaixo, simples mortais, com vidas razoáveis e a possibilidade de visitar exposições sem pagar um tostão.

Frida começou a sofrer quando, ainda miúda, a mãe voltou a engravidar e foi mandada para uma ama que, não sabemos, a terá tratado bem ou mal. Mas a mãe passou a ser outra, para Frida e aos 3 anos ela já sofria de poliomielite - segundo a wikipédia, 'A transmissão do poliovírus "selvagem" pode dar-se de pessoa a pessoa através de contato fecal - oral, o que é crítico em situações onde as condições sanitárias e de higiene são inadequadas. Crianças de baixa idade, ainda sem hábitos de higiene desenvolvidos, estão particularmente sob risco'.

O estado avançado da doença retirou-lhe parte da mobilidade, deixando de parte a postura enfeitada que gostava e ter - brincos, e colares, anéis em todos os dedos - e oferecendo-lhe uma uma perna maior do que a outra...

Tinha pouco mais e 20 anos quando um acidente num autocarro a deixou para sempre transformada, dependente, coluna partida como se auto-representa sempre em sofrimento para os que vêem, mas sem um único olhar, esgar, tremor de rosto que façar crer, a quem olha, que ela também sofreu. Não. Ela terá reagido a tudo isto, à barra de ferro que lhe trespassou a bacia, aos múltiplos abortos que daí resultaram, e a um marido que afinal dormia com a irmã dela. Uma vida curta e acamada. Frida de morte.

Frida pintou retratos mas, sobretudo, pintou-se. Imaginou-se e reflectiu-se em vários quadros que nem sequer a beneficiavam. Até buço Frida pintava em si própria. Porque o tinha. Ela que não queria ser surrealista porque apenas pintava a realidade, ela que se auto-retratava, porque era o mundo que melhor conhecia, ela que nascera em 1907, mas que insistia ter sido em 1910, por ser ano de Revolução, no México.

Frida escreveu um diário com letras emaranhadas, cores misturadas, desenhos e pinturas a monte, frases soltas e quase nada do que passava no dia-a-dia. Não falava sobre o hoje porque, pareceu-me, todos os dias lhe foram iguais. À espera do último e do fim de um sofrimento permanenente. Morreu de embolia pulmonar, ainda sem ter chegado aos 50 anos. Pintou pouco mais de 200 quadros, mas tornou-se num mito.

Um exemplo, ou mais uma oportunidade para olhar para o lado e assobiar?

3 comentários:

Carrie disse...

Olhar para o lado e assobiar não faz parte do teu código genético. Sabes isso. Eu sei que vais lutar. Fazer o possível e o impossível. Para que o sorriso volte em definitivo. Para provar que certas frases saídas de livros são falsas e que a Vida vale a pena. Sempre. Gosto de ti. Muito.

A Frida? Foi bom partilhá-la contigo...

Carrie disse...

Já agora! Tu escreves bem. Muito bem. E isto está uma grande prosa!

(in)confessada disse...

arrepiei-me...