terça-feira, setembro 12, 2006

Branca de Neve e os Sete Anões

Naquele sábado levantou-se mais cedo para tomar banho e arranjar o cabelo. Era já fraco e todo branquinho, com uns acinzentados do último 'plix' que a cabeleireira lhe tinha deitado na cabeça. Foi penteada pela filha mais nova com um amor que transparecia no brilho do cabelo branco. Era um sábado especial. Era Verão, mas ia receber uma prenda de Natal. Era o dia em que, tal como prometido a 24 de Dezembro, todos os seus netos a levariam a passear. Não sabia para onde, quanto tempo, até quando. Sabia que tinha de estar pronta. E pronta, para ela, era de rolos já saídos do cabelo e com um casaquinho preto sobre os ombros, por cima da restante roupa negra que insistia em vestir.

Quando a campaínha soou desceu de malinha na mão, lenço e pente bem guardados, e umas moedas a tilintar na carteira. Estava muito bonita e até os olhos cinzentos pareciam mais claros por detrás das lentes usadas havia já vários anos. Tinha 91, muitos dos quais sem ver tudo como deve ser visto.

Entrou no carro do neto mais novo que já levava a mulher, neta emprestada nestas coisas de atenção e carinhos à avozinha, hoje feita Branca de Neve. A reunião com os restantes foi rápida. Eram sete, ao todo: quatro raparigas e três rapazes, sete espécies de anões, bem vista a idade que os diferenciava da avó.

O destino era próximo mas clássico. O objectivo era claro, mas particularmente delicado. Os sete netos queriam agradar à avozinha. Fazê-la sentir-se bem. Não lhe queriam ouvir as queixas do costume, antes evitá-las, impedir que as 'dores no corpo, na cabeça, em tudo', se transformassem num enorme sorriso por estar ali, rodeada, apaparicada, amada, acompanhada.

Os anões cumpriram o papel como ninguém. Branca de Neve passou muito tempo a sorrir e excusou-se a trabalhos pesados. Só tinha de dar o braço a este e aquele, aquela e aqueloutro... dividir-se por sete e sentir-se apoiada por outros tantos. Não custava nada. Tinha até os beijos de príncipes e princesas sem ter desmaiado a comer uma maçã. Estava radiante, radiosa, mais nova.

Os anões sabiam que seria de pouca dura a boa disposição da avó; que mais tarde ou mais cedo voltaria à solidão dos dias. Mas deram o seu melhor.

No final, viram-lhe as lágrimas a correr cara abaixo, desviadas nas rugas de uma velhice saudável mas por vontade própria, triste.

Mas hoje chorava de alegria.
Tinha todos os netos à volta e um presente de Natal inesquecível, naquele início de Setembro.

Eu também gostei.

2 comentários:

Anónimo disse...

Lindo texto, grandes recordações tb. Obrigada!

dondoca disse...

Gostava tanto de ainda ter cá a minha...