O Casamento 'comme il est'
Vem este post a propósito do anterior, escrito pela minha amiga Carrie que defende que, por ter vivido quatro anos com uma pessoa, esteve casada. Ora, eu não concordo nada com essa ideia e logo me apressei a dizer-lhe que não, não é a mesma coisa 'viver junto com' e 'casar com'.
Passo a explicar a minha teoria porque, nestas coisas, já se sabe, as opiniões divergem. Respeito todas as outras - inclusivé a da Carrie - mas esta minha ideia ninguém ma tira!
O casamento em si, o dia, não pode dizer-se 'vale o que vale'. Quem já passou por ele saberá do que falo. Os nervos à flor da pele, o medo de falhar, a certeza de se estar a tomar uma decisão certa, um formigueiro nos pés quando se sobe até ao altar - se fôr na Igreja - a emoção de ver a cara da outra pessoa quando nos juntamos no topo do tapete vermelho. O tremelique dos dedos a pôr a aliança, a voz trémula a gritar 'para sempre', os muitos olhares que nesse dia atraímos e o desespero que isso nos causa... todo um conjunto de emoções e de receios, de sentimentos que só quem casa pode ter. Quem se junta começa por dormir um dia em casa dela - ou vice-versa - ao segundo dia tem lá a escova de dentes, e depois lá decidem - com toda a responsabilidade, admito - trazer o resto dos trapinhos. No casamento não é assim, aos poucos: é tudo de uma vez! Há uma casa à espera, preparada para ser habitada, amigos e família a pressionar, toda a gente à espera dos bebés que vêm a seguir, todo o tipo de comentários negativos, como se a vida, a boa, terminasse ali: 'agora acabou-se', 'estás tramada', 'foste agarrado'... pérolas que quem vive junto não tem de gramar porque só confidencia o facto a dois ou três amigos e depois os outros vão descobrindo. Mais uma vez, não é tudo ao mesmo tempo.
E depois há a vivência. Quem casa acaba sempre por dizer 'não te casaste comigo? Já sabias como iria ser', acaba sempre por pensar que a separação é impossível 'porque estamos casados', acaba sempre por acreditar que 'o casamento é para toda a vida' e que o passo seguinte só pode ser ter filhos e almoçar em casa dos sogros. Quem vive junto não tem esta pressão familiar - a não ser a pergunta: porque é que vocês não casam? - não tem de deitar-se todos os dias com a pessoa que escolheu para toda a vida, com a plena consciência de que foi isso que um dia disse e foi nisso que um dia acreditou.
Na separação as coisas também são diferentes. Começa logo pela papelada, pelo peso que a palavra divórcio tem na nossa sociedade, pelo peso de ter, no BI, estado civil: Divorciado, pelo facto de passar a preencher papéis e perceber que se está num estado civil desagradável para todos, em vez de se ser apenas solteiro. E o dia do divórcio é horrível, e a ida à conservatória é um terror. Ao pé destas burocracias, a divisão dos bens - que acontece na separação - não é nada.
Eu sei do que falo, Carrie.
Talvez um dia me volte a juntar.
Casar, duvido.
13 comentários:
Querida Samantha, eu também sei do que falo no que a casamento diz respeito. E não tremeliquei na hora da aliança nem tive nervos à flor da pele nem medo de falhar. Nunca disse nem ouvi "já sabias como iria ser". Nunca almocei regularmente em casa dos sogros.
E, mais importante que tudo, o grande truque é pensar sempre que a separação pode mesmo acontecer amanhã e nada é para toda a vida.
Que raio de descrição de casamento mais esquisita...
hummm.. pois. A mim, que estou junto, só me parece diferente o ritual católico, e o acreditar no "para sempre". O resto, parece-me semelhante, tirando o facto de ser um momento único e diferente para cada um.
Acho que é que está a achar que isso -- tudo -- só aconteceu a ti - inclusive divórcio depois do para sempre -- e porque foi pela igreja.
O que quero dizer é que, não me arrependendo eu de ter casado (pasme-se!), teria sido mais fácil separar-me se não o tivesse feito. E, no meu caso, o casamento teve um peso oficial. Nos dois. E foi um peso negativo. Por ser pela Igreja? Talvez, dada a minha católica convicção, naquela altura...
Mas eu dou, ainda, valor ao casamento e ainda me emociono quando vejo um abraço sincero na abertura do baile. Podia ser na discoteca? Podia... Os sentimentos estão lá na mesma, mas o peso institucional não. E esse ainda vale, na nossa sociedade.
Apenas uma questão que não vi referida:
Quem casa fez um voto. E esse voto assume para ela um valor (que pode ser) fundamental. É difícil um divórcio.
Quem se junta, como tão facilmente se juntou, facilmente pode desamigar-se. É fácil. Não houve um juramento.
(claro que em ambas as situações, há excepções.)
Rasputine, o 'voto' está no compromisso que se assume perante a outra pessoa. Não deveria valer mais ou menos por ser feito ou nao perante a lei ou a igreja. O que significa que o divórcio ou a separação é [deveria ser] tão difícil num caso como noutro.
Tenho três amigas que já se casaram duas vezes. O primeiro casamento foi bonito, depois veio o BI com o diversos (como lhe chama a minha prática irmã), e depois do depois, veio o segundo casamento que foi mesmo, muito muito giro.
O que custa quando tem que custar, e tanto faz se é de papel passado, ou onde foi passado, é a separação. Essa sim, doi, destroi, magoa, aleija, rebenta, tira o chão e o tecto, a vontade do que seja.
(É horrível ter de concordar com o Leao) MAS também não me lembro de tremilicar na hora da aliança nem ter nervos à flor da pele, nem ter medos nenhuns.
Continuo sem medos. Quando falhar o 'voto' que fizemos, veremos qual o passo a tomar.
Sempre sem medos.
Em relação ao 'voto', conservadoramente, acredito que aquilo que se diz em voz alta, com os nossos mais amados a escutar... não pode ter em nós o mesmo valor de compromisso assumido, se sussurrado ao ouvido.
num compreendo. nunca me desamiguei de ninguém, agora, até de namoradas com quem não vivi me foi díficil - não, díficil num é o termo -......... me foi dolorosa a separação.
Dizer-se que quem se junta assim se desjunta parece-me (um pouco...) besuntoso.
E aproveito por agradecer à carrie o termo que me faltou anteriormente - ou posteriormente, lá para "cima".-. O Voto. imagino que o Voto faça toda a diferença.
psst, (é horrível ter de discordar do Rasputine mas! that's life...:)
Aliás... porque é que o Voto TEM de ser testemunhado, oh homem de pouca fé?
Se calhar tens razão... uma das recomendações que se faz a quem quer (mesmo) deixar de fumar é a de que espalhe essa noticia por todos os amigos e conhecidos. Witch means: "vê lá se tens coragem de voltar com a palavra atrás..."
Bom, se a legitimação do casamento "comme il faut" for essa, pois, é uma beca triste!,,, num vos parece?
O mal não vem do casamento em si, mas da pressão de o celebrar com testemunhas. Assume-se perante uma plateia o amor eterno, a união "para durar" e depois, quando a coisa acaba, há a pressão de assumir a falha. E ninguém gosta de dizer que falhou
Cara Samantha,
Eu vivo junta, mas ele mudou de cidade para vir viver comigo. Almocamos com os meus pais todos os fins de semana, nao porque tem que ser, mas porque os meus pais o adoram e gostam de fazer isso. Constantemente ouco pressoes das minhas avos a pedir bisnetos e leio o mesmo nos olhos esperancosos do meu pai (ninguem me pede casamento). A casa eh minha, os moveis tambem, as contas da luz estao em meu nome. So nao partilhamos conta bancaria porque eu nao quero. E no entanto quando eu penso em terminar, vejo que nao posso, estou completamente presa. Eh como se o mundo dele girasse ah volta do meu e eu o destruisse se me separa-se dele. Se o fizer, ponho-o fora de casa? (a mera sugestao disso foi o suficiente para cair o carmo e a trindade) Ou saio eu da minha propria casa? E a pressao constante da familia porque "ele eh a melhor coisa que te pode ter acontecido na vida" e "eh um gajo 5 estrelas, que sortinha!". E o saber que, mesmo nao sendo o meu homem perfeito, eh um bom marido, tudo faz por mim, ate deixou a carreira, familia e amigos para estar comigo? E saber que se me separasse dele, provavelmente nunca mais voltaria a confiar em mulheres, porque me deu todo o seu coracao, e ele nao merece? E saber que ia passar imensas dificuldades financeiras porque saiu de uma carreira segura numa cidade para viver comigo noutra num emprego mais periclitante, e hoje em dia, ate a roupa que tem no corpo foi paga por mim? A responsabilidade pela vida deste homem que tanto me ama, pelos meus pais que tanto me querem bem e sabem que com ele eu nunca seria maltratada porque ele faz tudo por mim, a esperanca nos olhos deles em terem netos, a minha em ter filhos, que tanto quero, mas os anos passam, os meus avozinhos com mais de 90 anos que vao morrer sem ter o dia mais feliz da vida deles - ter um bisneto de mim.
Para mim papeis nao sao nada... posso muito bem contra o mundo e as instituicoes... mas a minha familia eh tudo, a responsabilidade eh muita, a honra tambem e esses sao as verdadeiras barreiras ah saida.
Ora aí está porque é que vale a pena levar assuntos à mesa e ouvir outras opiniões...
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