quarta-feira, setembro 13, 2006

O casamento 'sans papier'

Só existe uma razão para um dia ter desejado casar. Uma ‘pancada’ enorme por vestidos de noiva. Nunca o fiz. Pela simples razão que o compromisso que assumi numa noite no meu segundo andar direito em obras, não teve menos valor do que teria se fosse perante a lei. Ou no altar. Naquela noite também eu disse ‘sim’ quando me colocaram um anel no dedo. A ausência de testemunhas não retira valor ao acto.

Portanto, não houve vestido. Nem tremeliques. Nem festa de arromba. Mas houve um compromisso. Assumido desde o primeiro minuto. Tal como tu, acreditei seria 'para sempre’. A festa foi substituída por jantares e almoços com os amigos, divididos por afinidades. Depois veio tudo o resto de que falas. As bocas sobre o fim da ‘boa vida’. Os deveres. Os direitos. A pressão por causa das crianças. Os almoços em casa dos sogros [que nunca foram uma obrigação, mas isso o ganho de uma nova família].

Não quero fazer da minha história exemplo para as uniões de facto. Não quero generalizar. Mas também tu, Samantha, conheces outras relações que não poderiam ser levadas mais a sério se fossem de ‘papel passado’. O compromisso e a responsabilidade estão na forma como cada um encara a relação, mas acima de tudo no respeito pelo outro. Se existe alguma diferença entre o casamento e o ‘resto’, está talvez no momento da separação. No estigma do estado civil no bilhete de identidade. Na simplificação do processo. Que na verdade só é simples quando a casa, o carro, os sofás da sala, os candeeiros…, não foram comprados a dois. A minha questão é:

que legitimidade confiro eu [ou nós enquanto sociedade] ao Estado ou à Igreja para validarem os meus sentimentos por alguém?

se tenho com alguém uma relação estável, com quem partilho tudo – desde as contas bancárias, a família, o mais íntimo dos momentos –porque não posso chamar-lhe marido? Porque o Estado não o sancionou como tal?

o que vale mais, os sentimentos? ou um carimbo de uma qualquer repartição pública?

7 comentários:

Anónimo disse...

querida amiga,
concordo contigo e não concordo. (há uns dias que não vinha aqui e tive de ir ler os posts, com prazer, é certo...) sim, não há diferença entre ter papel ou não ter papel; não, se alguém acha que há diferença e faz toda a diferença haver a cerimónia, quem sou eu para discodar?
mas, e se vives com uma pessoa, sei lá!, ... dez anos, quinze, vinte... ou mais e tens uma vida totalmente em comum, com filhos, cadilhos, e bens, e o resto que já sabemos... faz diferença a cerimónia ou o papel? (esta pergunta é para a samantha).
dúvido que faça diferença.
beijos

a dona da gata disse...

Essa é a questão. Não ponho em causa o valor sentimental de quem escolhe viver junto. Aliás, respeito e prefiro os que escolhem a união de facto se nunca puseram os pés numa Igreja... O que digo é que o peso desses papéis existe, nem que seja numa primeira fase. E serve para fazer chantagem, às vezes, ou serve para estar demasiado seguro de si. Também serve para empatar quando, o que mais se deseja, é uma separação para o bem de todos.

Isa disse...

"que legitimidade confiro eu [ou nós enquanto sociedade] ao Estado ou à Igreja para validarem os meus sentimentos por alguém?"

tu n conferes nada ao Estado. simplesmente optas, ou n, por mostrar ao mundo, aos teus amigos e família, em público, que é com aquele gajo que queres ficar o resto da vida. assumes perante n só ele como perante o resto das pessoas q vcs escolhram para partihar esse momento.

PedroNuno disse...

Interessante discussao, mas irremediavelmente infindavel sem um referencial: reportamos-nos a relacao a dois, estanque, independente? Ou relacao a dois, social, integrada nao so’ no grupo restrito de familia e amigos, como tambem na sociedade sem nome e sem rosto, onde a tal relacao a dois obrigatoriamente tambem se movimenta?
Em Gestao, ha’ uns termos que se podem aplicar tambem ao casamento: “barriers to entry, barriers to exit”; os governos, a sociedade, criam para a relacao de familia - nao necessariamente para a relacao a dois: sinceramente tanto um como outra se estao c****** para a qualidade da relacao a dois - barreiras de entrada moderadas. Pretende-se, do ponto de vista social, que os lacos se iniciem, se traduzam em descendentes, e sobretudo sejam duradouros; Tudo isto reduz os custos de manutencao de familias, e aumenta a sua produtividade. Por consequencia, a das sociedades. Muito pouco a ver com felicidade...
Por outro lado, interessa aos governos e ‘a sociedade que as barreiras de saida sejam mais elevadas. Mantem-se a estrutura, reduzem-se os custos. Convem portanto manter o estigma: “divorciado”, esparramado no BI; nao interessa nada em termos praticos, mas contribui para manter o estigma; e assim, manter as barreiras ‘a saida. Nao vou entrar nos interesses das religioes neste caso...
O contrato que e’ adstrito ao casamento vem por arrasto, porque facilita a resolucao de conflitos entre as partes (que o sao). Estes conflitos podem assim ser resolvidos por terceiros sem conhecimento de detalhes intimos, qual o grau de amor, se a partilha e’/foi 50/50, etc. Nada disto interessa para resolver conflitos em sociedade face ao casal ou face aos outros: interessa apenas saber que havia um contrato, e as duas partes anuiram em repartir tudo. Se tal contrato nao existir, e’ impossivel para a sociedade, tal como agora a conhecemos, “evoluida” e impessoal, tomar uma decisao minimamente correcta quando as duas partes discordam. Sem ele, seria impossivel ate determinar quem eram as partes (quem considerar como parceiro se entretanto houve mais dois ou tres?). E’ triste, administrativo, mas nao deixa de ser um caminho com muitos anos de experimentacao. Actualmente, se o formato esta’ ja’ a mudar (chamem-lhe relacao de facto), nao deixa de ter que se comprovar uma relacao a dois para resolucao de interesses conjuntos, mas opostos.
E nada disto tem directamente a ver com o que se sente no momento do casamento, ou da separacao. Com o ardor da paixao, ou o desalento da agressao; o gostar ou nao de vestidos de noiva; o “casar” no altar ou no topo da Pedra Amarela em Sintra.
Como estar a comparar o vaso, com as flores. :)

dondoca disse...

Quanto ao casamento é simples:
-ou se faz ou não, só depende da vontade que se tem.
-e para o local, depende daquilo em que se acredita.

O fim é não é facil...

Aprimazana disse...

Ahhhh, então, foi por estas e por outras que toda a gente olhou para mim com aquele misto de incredibilidade e espanto (alguns, ainda, com admiração), quando eu disse que ía CASAR (papel assinado e tudo) a segunda vez?

Concordo, inteiramente, com a Dondoca. É tão simples quanto isso. Ou se faz ou não. Tanto faz. Eu, não sei bem porquê, tenho um fetiche por "assinaturas no papel".

Goiaoia disse...

Quem quiser aprofundar este assunto sugiro que se debruce sobre as "História(s) das Mentalidades" e... que eventualmente (já num me lembro de onde me vêm as referências) se podem encontrar na enciclopédia da "história da vida privada" [julgo que da afrontamento].

É óbvio que (pelo menos desde o neolítico) a sociedade sempre se arrogou ao papel de legitimar as uniões. Sancionando, inclusivé, quem tivesse o desplante de não o fazer [mudam-se os tempos... num sei do que se queixam. Em mais do que diversas vezes as sociedades foram bem canalhas com que se quis re-emancipar. eg. os apedrejamentos, e.g. a condição feminina no universo muçulmano, e já agora no "nosso". Mas estou a derivar.
Tempos houve em que, para celebrar o "casamento", bastava um "mãos nas mãos" e o Criador por testemunha.
E, salvo erro, a igreija católica só se lembrou de consagrar o casamento como sacramento lá para os idos séculos VI ou VIII (peço desculpa pela descrepância, mas a memória atraiçoa-me na data certa).
Ou seja, até então, no nosso "universo" cristão, a cerimónia era facultativa ó'opcional. Gente importante faria alarde - o marketing é uma invenção muito muito antiga -, gente húmilde podiam dar-se ao luxo da modéstia.
Como num quero polémicas (este é daqueles "assuntos") abstenho-me de tecer considerações no porquê da obrigatoriedade do testemunho sacerdotal imposta por intermédio dos meios administrativos ecleseásticos que, posteriormente, se transferiram para a esfera do Estado (na figura de "conservador do registo civil" (?? é assim que se chama??).
No entanto, e no entanto, de algum modo apercio muito a alteração de/nos costumes que ocorreu nos últimos quarenta anos. Nos anos sessenta o divórcio ainda era um escândalo.
E então parece-me, maizás permissas do amor no terceiro milénio, muito saudável a possibilidade de estabelecer uniões de facto (baseadas em actos de foro privado) ou uniões oficiais (com a sanção do estado, vá lá, do aparelho administrativo vigente, o que vai dar ao mesmo mas é mais perene.) E isto à escolha dos freguêses. Que pinta, poder optar e fazê-lo, ou não.
Imagino que existam uniões de facto por desleixo. E isso é triste. Mas se for em consciência, e, para quem nos rodeia, ser mesmo à séria... o "ser para sempre". Se duas pessoas se "encomendarem" uma à outra, integral, sem reservas, Estamos perante um casamento na verdadeira acepção da palavra, tão ou mais válido do que muitos de "folha passada".
A (capacidade de) União num é para qualquer um(a). Passa por uma predisposição e por um estado de espírito. E aí, uma série de outros aspectos podem tornar-se, aliás, ser absolutamente irrelevantes, sendo que as burocracias são um deles (estou a falar de aspectos, sim?).

Mas e em suma... num tenho opinião formada e, que daqui, não se entenda que repudio as uniões que se celebram oficialmente.