segunda-feira, outubro 02, 2006

Afectos nocturnos

Passou a noite entre o quarto e a casa de banho. A partir das oito horas nada mais fez senão vomitar. Estava exausto, cansado de um corpo dorido, de uma cabeça à roda, de um peito magoado, de um estômago inutilizado. Ela pôs-lhe a mão na testa e deixou-o respirar devagar. Não era possível, o alívio. Tinha um sorriso triste ao vê-lo sofrer, naquela noite de grilos lá fora e calor a antecipar um dia quente. Para eles a noite seria gelada. Especialmente para ele, a quem os arrepios de frio atormentavam, e não valia a pena puxar do lençol e dos dois quentes cobertores. O corpo morria como se não tivesse razões para viver. Vivia a sensação de estar a combater uma doença sem tréguas.

Adormecia e acordava segundos depois. Voltava à sanita para se livrar dos males que o atormentavam por dentro. Dizia-lhe que gostava dela, que só gostava dela. No meio daquele sofrimento, não se esqueceu do amor que lhe tinha.

Ela não dormiu. Estava ali, ansiosa por vê-lo acalmar, por senti-lo sossegado na cama, não a seu lado, porque naquele hotel onde passavam férias, dormiam em camas separadas. Estavam separados por uma mesa e um pedaço de chão, mas juntava-os um sentimento de piedade, de ternura, de afecto.

Quando ele se levantava agarrava-lhe a mão. Ela passava a dela pelo rosto que fervia e limpava o suor que lhe escorria pelo pescoço. A febre parecia aumentar, e a temperatura do corpo não se cansava de alterações. Apenas o cansava, a ele, o maltratava, sem saber em que grau ficar. Não tinham termómetro e apenas as mãos, a palma da mão dela, podia aventar se sim, ou se não, se a febre ia ou vinha. A dor ficava. Indiferente.

Aquela foi uma noite terrível, sem horas nem luar, sem tempo para fechar os olhos, sem espaço para puxar a roupa e sonhar. Mas tinha sido uma prova de amor. Dela, que não o deixou sozinho, nem por um minuto... e dele, que quis amá-la acima de todo e qualquer sofrimento.
E foi capaz.