terça-feira, outubro 24, 2006

Há pessoas fantásticas, não há?

S. tem 35 anos. Solteira, nunca casou, nunca viveu com nenhum homem. Teve sempre azar com os que escolheu, casados, com filhos, que se serviram dela para passar uns bocados. S. acreditou que era amada e prosseguiu, naquelas pseudo-relações, feitas às escondidas, guardadas entre os colegas no maior secretismo.

Não vive em Lisboa. Ainda demora uns bons 40 minutos a chegar à capital. Entra às seis da manhã, o que quer dizer que acorda, todos os dias, às 4h30. Ontem liguei-lhe pouco passava das 20h e estava a preparar-se para ir dormir. Preparava-se sozinha, para ir dormir sozinha.

S. não tem mãe. Morreu há pouco tempo, doente, mas o pai compensa-a com os mimos de uma velhice em solidão. Vão de férias juntos, para se sossegarem mutuamente. Fazem praia. E gostam.

Mas S. tem uma irmã. E é nesta relação que mais me surpreende: Vai todos os dias buscar o sobrinho de ano e meio à escola, dá-lhe jantar e banho, toma conta dele como uma mãe. Quando a irmã chega do trabalho também já tem jantar na mesa e, quanto ao cunhado, não há que duvidar: prova dos belos cozinhados de S. todos os dias da semana.

Ao fim-de-semana S. afasta-se. Diz que quer dar espaço à irmã e ao cunhado. Eles não se importam. Ela já fez todo o trabalho da semana, desde tomar conta da criança, às limpezas e cozinhados. Não a chamam. Ela não vai. Segunda-feira S. volta a fazer parte da família.

S. diz que é feliz. Vai duas horas por dia ao ginásio e ocupa-se do sobrinho, que adora. De resto, pouco lhe importa não receber, da irmã, sequer um obrigada, 'ela é mesmo assim, nem ligo'. E S. prossegue a sua tarefa diária de empregada e ama, sem ser paga, e sem ter um gesto de carinho. Apenas a satisfação moral.

A caminho, vem outra criança. Assim será fácil, não é?

3 comentários:

sobre-nada disse...

Há pessoas que não existem.

minds disse...

......... Que possa dizer? É um post muito forte, pelo menos para mim, que me revi( não totalmente, mas...) na S.
Não sei, mas acho que fazemos tudo pelos outros por pena e "obrigação", porque são a nossa familia...
Mas dói muito esperarmos pelo "obrigado" e ele nunca chegar...
Adorei o teu post, kiss

minds disse...

ups!! em vez de : que posso dizer, escrevi que possa!! sorry