A Procissão
As pedras grandes da calçada estavam cobertas de areia grossa e os pés dos mais incautos escorregavam a cada passo. Não era próprio, por ser domingo, levar os melhores sapatos para a Procissão. Mas elas insitiram em vestir de branco e azul, saia por cima do joelho, sapato de salto médio sobre a meia de lycra. Eles vestiram o fato e a melhor gravata, mesmo que não jogassem nas cores, e calçaram os sapatos quase novos, escorregadios na sola, pelo pouco uso que têm.
Era domingo. Dia de procissão.
À frente, o andor de Nossa Senhora da Expectação - assim mesmo - com flores a tapar-lhe os pés e as fitas azuis penduradas sobre a madeira que assentava depois nos ombros dos quatro orgulhosos andantes. Depois da Santa da terra, os restantes: a Virgem Maria, trajada de branco como se estivesse em Fátima, o São Romão, que é dali perto, e mais uns santos e santas - poucos, uma meia dúzia - cobertos de rosas e de buganvílias. Em rosa e branco nuns casos, vermelho e branco noutros. Os andores eram quase todos levados por mulheres. Os homens ficaram apenas com o da padroeira e deixaram o peso e a importância dos restantes à classe feminina da terra. Elas tranpiraram um pouco mas cumpriram, até ao fim, o trajecto da Procissão que deu a volta à aldeia.
Bandeira-mor e depois o Padre, com seis assistentes agarrados a outras tantas hastes que seguravam a coberta que lhe tapava a cabeça, já careca, do sol. Os ajudantes não eram os melhores e muitas vezes o velho sacerdote levou a moleirinha à mercê dos raios solares. Não se queixou. Mantinha o livro das rezas aberto e esperou até ao fim para exibir os Benditos que a lista manda.
E depois a banda. Uns 20 homens e duas mulheres com os instrumentos do costume, do trompete, ao tambor; do trombone, aos pratos. O maestro dava a dica e lá começavam todos ao mesmo tempo, fom, fom aqui, fiu, fiu ali, mas as notas, escritas em folhas já estragadas pelo uso, presas aos instrumentos por molas e elásticos improvisados, pareciam fluir com distinção e ouviam-se na terra inteira.
O povo seguia então, calado, em duas filas, passo a passo, à espera de paragens e ordens dos da frente porque nem o caminho, o trajecto da procissão era conhecido. Mas lá iam todos - eu também - mão sobre a mão, cabeça ao sol, ouvido na música e olhar em frente. As ruas estavam enfeitadas de festa e das varandas pendiam as colchas brancas com as marcas de dobras, dobradas desde a procissão do ano passado e guardadas para ocasiões como esta. E atiravam flores, aos andores que passavam...
A procissão foi à antiga e correu bem. Não houve desmaios, atropelos, ou pessoas a falar demais. Também ninguém cantou ou rezou. Deixaram-se os sons nas mãos da banda quase sem fôlego... e no passo certo de cada um.
Foi esta tarde de domingo, numa aldeia da Beira Alta.
1 comentário:
Lembrei-me de uma tarde de Domingo em Trás-os-Montes.
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