sábado, outubro 21, 2006

O grande dia

O branco ficava-lhe tão bem! Era um presente dos padrinhos, que tinha custado uma fortuna. Assentava-lhe como uma luva graças às três provas que tinha feito nos últimos meses. Estava à medida, como tem de estar o vestido do dia do casamento. Era o grande dia, o dia dos sonhos, o dia esperado, o dia que tinha preparado com a devida antecedência, com o trabalhao dobrado, com a ajuda de todos. O grande dia de todas as mulheres.

A cabeleireira tinho ido a casa e passou-lhe a tesoura pelo cabelo. Não levava véu e o cabelo, curto, desprendia-se com leveza para não precisar de mais nada. Brilhavam as orelhas com uns brinquinhos pequenos que tinha comprado para a ocasião e tinha, em cima da cama, o famoso bouquet. Uma amiga tinha-lho preparado, com tulipas vermelhas e folhas verdes em volta. Simples. Bonito. Contrastante.

Foi no carro do irmão para a igreja, descapotável para que todos soubessem que ia casar. Não chegaria atrasada mais do que dez minutos, uma questão de respeito, e de desejo. Porque a ocasião não era de atrasos nem de esperas. Queria-se já. Vivida.

Ele disse-lhe que estava linda, quando chegou ao altar. Todos os olhares já lho tinham dito, à medida que passeara, ao lado do pai, naquela passadeira vermelha que parecera então infinita. Sorriu. Sorria apenas de felicidade, de encanto, de alívio, também. Estava ali. Tinha valido a pena.

***

Foi estes momentos que recordou cinco anos depois, já sozinha, vestida de negro e com um vermelho vivo numa blusa decotada. Ao contrário do grande dia, neste, usava pérolas (falsas) que lhe caiam pelo peito até ao umbigo e deixavam o nó no fundo do decote. Ela também tinha um nó, mas na garganta. Quando fez as contas ao tempo quis que ele parasse, pensou se queria voltar atrás. Mas depressa mudou de ideias e sorriu para o futuro. Voltar atrás para quê? Para voltar às dores maiores que tinha vivido desde o grande dia?

Não haveria outro grande dia, e até ali os dias tornaram-se pequenos. Todos. Sem excepção. Ainda assim, todos juntos eram maiores que o primeiro e podiam fazê-la mais feliz. Limpou uma lágrima do rosto e cruzou as pernas, no banco da sala de espera da psiquiatria. Tudo se encaminhava para o fim do suplício, mas não era fácil. Pegou nas pérolas com a mão e espreitou o mau temepo pela janela. Tinha uma riqueza falsa e precisava, o mais depressa possível, de torná-la verdadeira. Não vinda do fundo do mar, mas do fundo da alma, de uma coração preso ao passado, preso às memórias, preso a uma amor encerrado. Soltou o colar e pegou no telefone. Mandou uma mensagem ao namorado, de férias a 10 mil quilómetros dali. Ele sabia que dia era aquele. Ela nunca esqueceria a data. Mas podia torná-la mais suave, e encurtar as horas sempre que fosse 20 de Outubro.

A médica chamou-a e entrou. Já não chorava.

1 comentário:

LurdesMartins disse...

Pois a mim vieram-me à memória os 30 de Abril...
As lágrimas também se esgotam... digo eu!