quinta-feira, janeiro 12, 2006

It takes two to tango

Copio o AM-FM enquanto bebo o meu chá verde a escaldar num copo grande do Ikea, igualzinho aos do café que me abriga nas tardes de Sábado. As chávenas estão todas por lavar, enfiadas na máquina, com os pratos das torradas, as facas sujas do doce de pêra e as taças da sopa. Continuo sem paciência para cozinhar só para mim, Janto dia sim, dia não, quando a minha mana me dá guarida. Não gosto de comida congelada. Só cozinho nos dias em que acho que tenho que dar um rumo à minha vida, ser uma mulherzinha como a minha mãe quer que eu seja, quando percebo que a balança se começa a ressentir da ‘abstinência’ forçada pela preguiça. É sempre sol de pouca dura.

Copio os Gift para oferecer à G., a menina de cabelos negros, branca como uma folha de papel, a cara sarapintada por ténues sardas douradas, porque na realidade ela é ruiva, como eu sempre quis ser, que todas as semanas me põe mais bonita, pintando nas minhas unhas pequenos malmequeres brancos, quase iguais à tatuagem que há cinco anos desenhei ao lado do umbigo. Corto o cabelo no Facto porque o Nuno é lindo de morrer e porque não abre a boca durante todo o processo. Dança à minha volta enquanto vai dando tesouradas sempre em silêncio. Na esteticista, talvez porque durante 16 anos fui sempre ao mesmo sítio, criando com ela uma relação de quase amizade, dá-me para falar, mas principalmente para ouvir. A G. é daquelas pessoas que facilmente abre o coração quando sente que a empatia é mútua. E eu gosto dela. A G. está em processo de divórcio.

As pessoas separaram-se muito nos dias que correm. Para o melhor e o pior, na riqueza e na pobreza, na doença e na saúde, até que a morte nos separe. Palavras vãs, com prazo de validade cada vez mais limitado. Por isso já sei que o casamento durou pouco, muito pouco, mas o suficiente para que o (ainda) marido a traísse a torto e a direito com qualquer rabo de saia que lhe passasse pela frente. Até que a G., que nunca mais quer um homem bonito, consta que o dela o era, daqueles que fazem virar a cabeça do mulherio, se fartou e o meteu na rua. Há um mês, mais coisa menos coisa, enquanto me limava às unhas jurava a pé juntos que tão cedo não queria ninguém. Que queria viver a vida, sair mais vezes, ir mais ao cinema, beber copos com os amigos. Até que conheceu o T.

As pessoas apaixonam-se muito nos dias que correm. Mas a G. jurava a pé juntos, palmas das mãos viradas para cima, não fosse um cruzar de dedos, trair a jura, que não gostava dele, porque, pasme-se, ele não era um homem bonito. Afirmava convictamente, na candura do seu sorriso, que nunca se iria apaixonar. Além de não ser bonito, o T. tem um problema maior. Vive, diz ele que ‘partilha a casa’, com a ex-namorada. Uma ex que até hoje não sabe que a G. existe, mesmo que ele passe as noites com ela, trocando beijos e palavras de amor. Uma ex, tão ex, que engravidou do seu ex.

Em Portugal surgem anualmente cerca de nove mil casais inférteis. A G., que agora está perdidamente apaixonada, lê-se no olhar, na voz, nos gestos mais insuspeitos, na ansiedade com que agarra o telemóvel de cada vez que chega uma mensagem, diz-me incessantemente, tal como há três semanas, quando percebeu que um primeiro beijo seria inevitável, que vai por um ponto final, que não se quer apaixonar porque sabe que vai sofrer. Há palavras que são como beijos na boca, não é preciso mais nada, mas depois há homens que beijam terrivelmente bem, como ela ficou a saber há bem pouco tempo. Dois ou três dias antes de o T. lhe contar, consta que de lágrimas nos olhos, que a ex está grávida. Já antes disto a G. sabia que ia bater com a cabeça, ficar com o coração partido em mil pedacinhos, que não queria passar por tudo outra vez.

As pessoas deviam ser mais pessoas. Só deviam ver televisão em casa dos vizinhos. Não conheço o T., sinceramente não quero conhecer, não me interessam os seus argumentos. Não me interessa, como a Samantha me repetiu tantas vezes, a felicidade da ex. Interessa-me antes saber como vai a G. sobreviver no dia em que ele lhe devolver as peças do puzzle que um dia ela chamou coração. Podemos sempre argumentar que ela sabia ao que ia, mas se ele dizia que era uma ex, se alegava em sua defesa a partilha da casa, se lhe dizia que estava tudo acabado, porque não podia ela apaixonar-se? Porque é que as pessoas fazem promessas, ainda que nas entrelinhas, quando sabem que não as podem cumprir? Porque deixam que os outros embarquem nas suas ilusões? Porque há homens que adoram ter uma vasta equipa à sua volta, bajulando-os. É o caso. E mulheres também. It takes two to Tango.

4 comentários:

Anónimo disse...

Bom, como sabes, a minha resolução para 2006, a única, aliás, é ser bajulada até ao limite do impossível, já bajulei de mais, tirei a senha e agora é a minha vez.
Está tão bonito este post. E a minha televisão está sempre desligada. o Macintosh é que está sempre ligado :)

Catarina disse...

Eu também vivo com um ex.
Eu também me separo.
Eu também faço juras de racionalidade e caio vezes sem conta nos mesmos erros.
Há palavras que são como beijos na boca, não é preciso mais nada.
Está tudo dito.
Eu já nem sequer me quero apaixonar para sempre.
Também já só quero que me bajulem.
Até ao dia.

Anónimo disse...

MUITO BOM O TEXTO E MUITO MA A ATITUDE DO A

Carrie disse...

Meninas, já sabem que comigo têm bajulanço garantindo.
WYLT, obrigada. Seria mais bonito se não fosse real.